A Liberdade de Imprensa sob intenso cerco

25.12.2025

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O Antagonista

A Liberdade de Imprensa sob intenso cerco

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Ricardo Kertzman
7 minutos de leitura 10.06.2025 12:19 comentários
Análise

A Liberdade de Imprensa sob intenso cerco

Vivemos hoje, seguramente, após a redemocratização do país, alguns dos dias mais perigosos para a democracia

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Ricardo Kertzman
7 minutos de leitura 10.06.2025 12:19 comentários 1
A Liberdade de Imprensa sob intenso cerco
Foto: Pixabay

A liberdade de imprensa, no Brasil, não foi cassada por decreto ou ordem judicial – ainda -, mas está sendo minada por um processo mais insidioso e eficaz: o cerco institucional, judicial, econômico e digital. Não há censura declarada, mas há perseguição seletiva e silenciamento funcional. E isso é ainda mais perigoso, porque se traveste de legalidade, boas intenções e algoritmos. Lobo em pele de cordeiro é pouco.

O Brasil figura na desonrosa 110ª posição no ranking do Repórteres Sem FronteirasWorld Press Freedom Index 2025 -, em uma zona classificada como “problemática”. Os principais motivos são: fragilidade das redações, violência contra jornalistas e instrumentalização do Judiciário para intimidar repórteres e veículos independentes. Dados da ONG Artigo 19 revelam que, só no governo Bolsonaro, foram registradas mais de 580 agressões a jornalistas, entre ataques físicos, virtuais e processos judiciais com caráter intimidatório. E a troca de governo não alterou a lógica: a diferença está apenas no estilo da pressão. Meses atrás, Dias Toffoli pediu investigação sobre a Transparência Internacional com base em informações falsas, segundo a própria entidade.

A judicialização da crítica por meio de ações civis ou criminais, movidas por políticos, juízes e empresários, configura o fenômeno conhecido como SLAPP (Strategic Lawsuit Against Public Participation). São processos não para reparar injustiças ou mesmo ganhar indenizações (ainda que isso exista), mas para oprimir, pressionar e calar. Se num primeiro momento quem perde são a imprensa e os jornalistas independentes, no final do dia, quem paga a fatura é a própria democracia.

Judiciário como editor-chefe

A atuação do STF, com protagonismo do ministro Alexandre de Moraes, marca um ponto de inflexão nesse processo. De um lado, combate-se com firmeza redes de desinformação, o que é legítimo e necessário. De outro, porém, têm sido adotadas decisões que impõem bloqueios de contas e remoções de conteúdo sem clareza suficiente sobre os fundamentos jurídicos, segundo entidades de imprensa. A crítica central é que, em certos casos, faltariam garantias plenas ao contraditório e à ampla defesa, pilares constitucionais que precisam ser resguardados mesmo nos contextos mais complexos.

Um exemplo gritante: plataformas como o X (ex-Twitter) e a Truth Social acusam Moraes de censura extraterritorial. A alegação não é sem fundamento. Há ordens judiciais brasileiras tentando obrigar empresas estrangeiras a suprimir perfis, sob pena de multa milionária e bloqueio de operações. Obviamente, isso extrapola o direito internacional, como deixou bem clara a resposta do governo americano sobre o tema. A fronteira entre o combate à mentira e a imposição de verdade oficial não pode ser relativizada ou ultrapassada.

O ambiente digital também colabora para o sufocamento. O PL 2630 – o polêmico “PL das Fake News” – propõe responsabilizar plataformas e usuários por conteúdos publicados. Em tese, ótimo. Na prática, cria riscos de censura prévia, moderação excessiva e autocensura algorítmica. O efeito colateral pode ferir de morte a espontaneidade crítica, que é pedra fundamental do bom jornalismo.

Casos ilustrativos

O jornalista Luiz Vassallo, do portal Metrópoles, foi intimado pela Polícia Civil de São Paulo no âmbito de um inquérito instaurado após reportagens que mencionavam o patrimônio de um delegado do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic). As matérias citavam, com base em informações públicas e documentos judiciais, a existência de uma empresa patrimonial com ativos milionários e menções em delação premiada. Vassallo, em declarações públicas, interpretou a investigação como tentativa de intimidação, o que reacendeu o debate sobre o uso de inquéritos como forma de cercear a atuação jornalística.

Na segunda-feira, 9, o STJ analisou recurso movido pelo ministro Gilmar Mendes. Ele pede R$ 150 mil de indenização à revista IstoÉ e a dois jornalistas por reportagem de 2017 sobre a venda de uma universidade em Mato Grosso. Em valores atualizados, a indenização ultrapassa 300 mil reais. O relator destacou o “excesso de ironia” e se posicionou a favor do ministro, voto já acompanhado por pelo menos três outros magistrados, formando maioria para a decisão. Segundo entidades da imprensa, isso representa um “grave precedente de censura judicial”.

No campo econômico, o panorama é igualmente sombrio. Poucos grupos, atualmente, controlam grande parte da mídia brasileira. A concentração reduz o pluralismo, acentua a dependência de anunciantes estatais e gera um ecossistema onde grandes veículos não “se atrevem”, e os pequenos, quando o fazem, são intimidados. Não é à toa, portanto, o adesismo destes grandes grupos de comunicação às pretensões restritivas às redes sociais em trâmite no STF.

Constituição para o que, afinal?

Há ainda a desconfiança crescente da população. Segundo o Reuters Institute (2024), apenas 43% dos brasileiros confiam nas notícias que consomem. A erosão da credibilidade jornalística é combustível certo para demagogos e populistas messiânicos, que transformam qualquer crítica em “narrativa mentirosa” e qualquer dado em “opinião enviesada”, quando não raro, em “terraplanismo” explícito.

Enquanto tudo isso acontece, o Congresso e a maioria dos parlamentares dormem em berço esplêndido. Políticos, em geral, usam a imprensa quando lhes convém, mas a abandonam quando ela sangra. Nenhum partido – direita, centro ou esquerda – moveu um mísero dedo para propor uma lei robusta de proteção à atividade jornalística. A liberdade de imprensa segue garantida na Constituição, mas abandonada na prática.

A Constituição Federal de 1988 assegura a liberdade de imprensa (art. 5º IV, V, X; art. 220), mas também permite a responsabilização civil e penal em casos de abuso, injúria ou difamação. O problema não está, portanto, na falta de leis ou na letra destas, mas no uso estratégico – e às vezes abusivo – dessas brechas por autoridades públicas e setores do Judiciário.

Tempos estranhos, dias difíceis

A jurisprudência do STF sobre a imprensa é instável. Há decisões emblemáticas em defesa do jornalismo, mas também há votos que justificam remoções de conteúdo e sanções a jornalistas em nome da honra de autoridades. Um caso recente comprova esse perigoso caminho de instabilidade: em 2022, a ministra Cármen Lúcia, em julgamento no TSE, admitiu “censura prévia”, em caráter “excepcionalíssimo”, contra a exibição de um documentário sobre a tentativa de assassinato do ex-presidente Jair Bolsonaro em Juiz de Fora (MG), em 2018. O resultado é insegurança jurídica crônica, que alimenta a própria autocensura por parte dos profissionais e veículos de comunicação.

O Brasil ainda pode se orgulhar de parte de sua imprensa. Mas se continuar nesse caminho, terá de se orgulhar em silêncio. A censura, hoje, não é explícita. É parcialmente estrutural. E, por isso mesmo, se torna mais eficiente. Quem ousa demais, paga caro. Quem se cala, sobrevive. E quem se vende… Bem, esses não têm nada do que reclamar.

Um recado final: quem ri disso tudo, ou lucra com esse cenário, ainda não entendeu que uma imprensa amordaçada não é um problema apenas da própria imprensa, mas de todos. Nunca é tarde para lembrar a célebre passagem de Martin Niemöller:

O que será o amanhã?

Um dia vieram e levaram meu vizinho, que era judeu. Como não sou judeu, não me incomodei. No dia seguinte, vieram e levaram meu outro vizinho, que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. No terceiro dia, vieram e levaram meu vizinho católico. Como não sou católico, não me incomodei. No quarto dia, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém para eu reclamar.

Vivemos hoje, seguramente, após a redemocratização do país, alguns dos dias mais perigosos para a democracia – a verdadeira! E não a utilizada, inclusive, por quem contra ela atenta.

Ou acordamos agora, ou amanhã, talvez, estejamos hibernando indefinidamente em um longo e duradouro inverno arbitrário, que tão bem conhecemos no Brasil

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Ricardo Kertzman

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Comentários (1)

Marian

10.06.2025 13:14

Muito bom texto. Daí o importância das escolhas,.


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