Parlamentares usam a imprensa, mas não a defendem dos abusos judiciais
Reportagem investigativa não é ofensa pessoal, e crítica institucional não é crime de opinião. Se o Congresso continuar calado, será cúmplice

Políticos omissos, covardes e/ou cúmplices utilizam matérias divulgadas na imprensa conforme seus interesses pessoais – conquistar apoios, enaltecer o próprio mandato ou atacar adversários -, mas raramente saem em defesa de jornalistas e do jornalismo independente que os alimenta. Gratuitamente.
Aglutinam-se, por todo o país, ações judiciais movidas contra jornalistas e veículos de comunicação por autoridades públicas. Em alguns casos – raros, é verdade -, há motivação legítima por parte dos autores dos processos. Afinal, excessos e má-fé podem ocorrer, e ocorrem, sim.
Mas, na maioria das vezes, trata-se tão somente de perseguição e intimidação. Pior. Muitos desses agentes públicos utilizam o aparato estatal, ou influência, contra seus alvos. Como se não bastasse, ajuízam ações em que, mesmo derrotados, não têm de pagar honorários sucumbenciais. Ou seja: atacam sem risco.
Instrumento de intimidação
De um lado, obrigam jornalistas e veículos a gastar tempo e dinheiro com defesa jurídica. De outro – o que é ainda mais grave! -, pedem indenizações, colocando em risco não apenas o negócio jornalístico atacado, mas também a estabilidade financeira e emocional de seus profissionais.
Hoje, há pedidos de indenizações que beiram os R$ 350 mil. Qual jornalista tem esse montante disponível para enfrentar uma condenação injusta e desproporcional? E isso sem contar as ações criminais, que podem levar pessoas corretas e trabalhadoras à cadeia. Este é o ambiente de terror que paira sobre o jornalismo.
Num país onde erros médicos, fraudes comerciais e danos materiais costumam resultar em indenizações simbólicas, fica evidente que decisões de milhares de reais favoráveis a autoridades configuram, não a reparação de um dano, mas a instrumentalização da Justiça para silenciamento institucional.
Meus próprios casos
Falo com conhecimento de causa. Fui – e ainda sou – vítima desse tipo de ativismo judicial de cunho político. Até hoje, não perdi nenhuma ação. Ou porque a lei me assistia de forma escancarada, ou, talvez, o que é mais provável e estarrecedor, porque “não mexi com a pessoa errada” – ao menos ainda.
Em muitas situações, mesmo após derrotas em primeira instância, políticos recorrem. E, se tiverem acesso e influência em tribunais superiores, levam a demanda até lá. Com frequência, as decisões são revertidas. O grau de relacionamento com desembargadores e ministros, em certos casos, salta aos olhos.
A censura é proibida expressamente pelo artigo 5º da Constituição. A liberdade de imprensa e o livre exercício da profissão também são garantias constitucionais. Mas, na prática, esses conceitos vêm sendo cada vez mais relativizados. O Judiciário, que deveria defendê-los, muitas vezes os contorce.
Omissão do Congresso
A reversão desse estado de coisas exige uma reação firme, sobretudo do Congresso Nacional e, especialmente, do Senado, que tem prerrogativas de controle sobre o Judiciário. A fiscalização, cobrança e eventual punição de magistrados autoritários não é retaliação ou revanchismo. É o cumprimento da lei.
Nesta segunda-feira, 9, O Antagonista publicou um artigo importante sobre o tema, relatando um caso emblemático. Mas não é o único. Há vários outros em curso. Em um deles, ainda na fase inicial, um jornalista do portal Metrópoles responde a um inquérito movido pelo próprio “alvo” de uma reportagem sua.
Não existe democracia sem liberdade de imprensa. E não há país desenvolvido sob o jugo de um Estado autoritário. Injúria, difamação, ameaça e outras práticas abusivas devem ser combatidas, claro. Mas é preciso separar o joio do trigo. A fronteira entre crime e jornalismo não é tênue: é larga, clara e objetiva.
Reportagem investigativa não é ofensa pessoal e crítica institucional não é crime de opinião. Se o Congresso continuar calado, será cúmplice. Não apenas da censura, mas da falência da democracia. Com diversos parlamentares “pendurados” nos tribunais superiores, caberá aos demais, que não estão, tal missão: árdua e perigosa, sim. Mas honrada e cada vez mais necessária. Quem se habilita?
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