Marco Civil da Internet: os ovos quebrados na omelete do STF
Há um abismo entre responsabilizar plataformas digitais e transformá-las em polícias do pensamento.

O Supremo Tribunal Federal decidiu, na quinta-feira, 26, alvejar o artigo 19 do Marco Civil da Internet. Se não foi um bombardeio como o dos Estados Unidos às instalações nucleares do Irã, tampouco foi como o inofensivo contra-ataque dos aiatolás. Ou seja, nem ao céu, nem à Terra. Mas a couraça de aço que protegia as big techs e as brindava de toda e qualquer responsabilidade, caiu.
Sempre me incomodou a ideia de que empresas de tecnologia pudessem lucrar com circulação de conteúdo – inclusive criminoso – sem nenhuma obrigação de removê-lo enquanto não obrigadas judicialmente. A exigência de ordem judicial prévia transformava o combate a calúnias, ameaças e discursos de ódio em algo quase inútil. Na velocidade da internet, esperar um juiz decidir “em 200 anos” era o mesmo que não decidir.
Mas não sou ingênuo nem muito menos trouxa. Derrubar esse artigo sem estabelecer parâmetros claros – o que jamais existirá diante da estrutura jurídica brasileira – abre espaço para remoções automáticas, preventivas e padronizadas por algoritmos que não distinguem ofensa de crítica, mentira de opinião, ataque de sátira. Ainda que não admitam, o nome disso é censura, sim. No mínimo, opressão.
Ovos quebrados
Há um abismo entre responsabilizar plataformas digitais e transformá-las em polícias do pensamento. Pior é permitir – ou transferir tal poder – que leigos, oportunistas e toda sorte de movimentos organizados tomem lugar dos togados. Não existe competência técnica, jurídica ou moral nessas empresas, ou na sociedade civil, para decidir o que pessoas e entidades podem ou não dizer.
No campo da liberdade de expressão, essa decisão do STF deixa um vácuo que o Congresso deverá e terá de preencher. Aliás, o Supremo deixou isso mais do que claro. Sem regulamentação objetiva, abre-se caminho para – ainda mais! – insegurança jurídica. E insegurança jurídica, no Brasil, costuma ser o prelúdio de arbitrariedade e favorecimento, sobretudo em instâncias superiores.
Já a liberdade de imprensa, embora teoricamente protegida, também fica sob ameaça potencial. Não é difícil imaginar reportagens críticas sendo removidas por “denúncias” de quem não tolera questionamentos. Se as plataformas optarem pela zona de conforto jurídico, o primeiro reflexo será tirar do ar tudo que possa gerar risco, incluindo jornalismo sério, como se já não bastassem outras formas atuais de cerceamento.
Cuidado com as cascas
Se não vejo a decisão como escrita por um ultrarradical de toga, igualmente não a reconheço como legítima defensora das liberdades civis. A meu ver, é tema para Judiciário, Legislativo, setores impactados e sociedade civil organizada decidirem em conjunto. Onze togados, eivados de ideologia e pressões políticas, não são os melhores “editores” do país. Aliás, não conseguem ser os melhores nem em suas funções.
Entre a omissão quase completa da lei congressual e o controle quase absoluto por parte dessa nova lei suprema, existe um ponto de equilíbrio: um novo texto que seja claro, técnico e indubitavelmente constitucionalmente fundamentado. Só não sei se o Brasil de hoje, pré-eleições gerais, será capaz de encontrá-lo. Muito menos se o Brasil de 2027, pós-eleições gerais, igualmente o será.
Encerro essa análise com a recomendação de duas leituras que considero fundamentais para o entendimento completo dos fatos e para que cada um possa formar a própria opinião, o próprio juízo de valor. Ambas são da lavra do Felipe Moura Brasil. A primeira é sobre a ministra Cármen Lúcia. A segunda, sobre a própria decisão do STF. O grande risco de se quebrar ovos é a gente acabar comendo as cascas.
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Comentários (1)
Luis Eduardo Rezende Caracik
28.06.2025 07:36""Onze togados, eivados de ideologia e pressões políticas, não são os melhores “editores” do país. Aliás, não conseguem ser os melhores nem em suas funções."" Kertzman, no trecho acima revela-se seu pensamento de que o STF não consegue ser o melhor. Portanto você deve saber quem é o melhor e quem sabe, domina, pode e tem condições de tomar a melhor decisão. Quem é este ente? Qual é a melhor decisão? Supremos jornalistas os há à farta, sempre prontos a emitir sentenças, de agrado aos extremos em que militam, esquecendo que não são entes políticos eleitos, mas que estão empoderados pela audiência que atingem.