Quem a Covid mais assassina Quem a Covid mais assassina
O Antagonista

Quem a Covid mais assassina

avatar
Miguel Sanches Neto
4 minutos de leitura 01.05.2021 17:59 comentários
Opinião

Quem a Covid mais assassina

A vacinação contra a Covid nos dividiu em grupos, usando critérios de riscos a partir de nossa condição física e nossa condição profissional. A escassez de vacina, fruto em nosso país de uma política patrocinada pelo Presidente da República e seus arautos, criou um novo tipo de embate social...

avatar
Miguel Sanches Neto
4 minutos de leitura 01.05.2021 17:59 comentários 0
Quem a Covid mais assassina
Foto: huntlh/Pixabay

A vacinação contra a Covid nos dividiu em grupos, usando critérios de riscos a partir de nossa condição física e nossa condição profissional. A escassez de vacina, fruto em nosso país de uma política patrocinada pelo Presidente da República e seus arautos, criou um novo tipo de embate social. Uma pequena legião vacinada contra uma população desprotegida. Se mostrar-se vacinado é uma afirmação da ciência, é uma campanha de conscientização, cumprindo assim um papel de divulgação da necessidade de imunização, o ato de postar imagens de pessoas vacinadas também gera uma frustração na maioria dos brasileiros que não teve acesso a ela. E isto aumenta a tensão social, agravada pela fome, que se espalhou junto com o vírus.

Escolher quem vacinar primeiro é uma tarefa difícil. É como escolher entre quem vai ser atendido em hospitais com UTIs lotadas e quem vai morrer sem atendimento. Ninguém devia ser obrigado a fazer esta escolha. Todos devem ser vacinados.

A falta de vacina no Brasil é, portanto, uma roleta russa. Em qualquer dos grupos sociais, é um crime uma morte por Covid, cometido por falta de ações no tempo certo (início da pandemia) do governo federal. Há grupos que podem se proteger totalmente da doença enquanto não chega a sua vez na longa fila da vacinação. Há outros, que podem se proteger parcialmente. Mas um contingente imenso está completamente vulnerável. É neste grupo que os assassinatos promovidos pela falta de vacina estão sendo mais recorrentes.

No seu livro já clássico, Trabalhar Cansa, o escritor italiano Cesare Pavese narra, em um dos poemas, “Fumantes baratos”, a trajetória de um interiorano que vai a Turim em busca de melhoria de vida. Turim, sede de grandes indústrias, representava para este cidadão uma possibilidade de mudança de vida ao se integrar a um centro produtor de riqueza. Mas acaba sendo apenas o sofrimento imposto pela pobreza. “Aceitava o trabalho / como um duro destino dos homens”. Esta crença de que o trabalho criaria justiça é rompida no final, quando ele grita que não havia um destino condenando homens e mulheres, e sim uma exploração.

Com uma linguagem densa, sem ceder ao primarismo das palavras de ordem, Pavese constrói um poema sobre a conscientização deste trabalhador consumido por condições sociais limitantes. A definição desta população como “fumantes baratos”, ou seja, seres que recebem o mínimo de tempo de lazer e de oportunidade de usufruir do que a civilização industrial produziu, já revela o tom humanizador do texto.

A pandemia fez com que as casas das famílias mais pobres ficassem menores. Familiares desempregados, crianças sem creche e escolas, tudo isso agravado pela falta de alimentos e pelas incertezas. Estas aglomerações em lugares apertados, em regiões com alta densidade, se intensificam entre aqueles trabalhadores que ainda conseguem, cada vez mais de maneira informal, manter-se no mercado. Os transportes coletivos superlotados acabam não apenas levando as pessoas para o seu local de atuação, mas para o contágio e para a morte, pois mesmo com todos os protocolos de segurança, o transporte público, da maneira que é ofertado em muitas cidades, com redução de ônibus e vagões, é o principal ponto disseminador da Covid.

Neste dia Primeiro de Maio, é preciso dizer que a falta de vacina, de insumos hospitalares, de leitos e de UTIs no Brasil mata principalmente os nossos trabalhadores, condenados ao duro destino de não ter opção.

Miguel Sanches Neto é escritor, autor, entre outros, do romance Chove sobre Minha Infância (Record, 2000).

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Bilionários financiam universidade “anti-woke”

Visualizar notícia
2

Quanto Lula já gastou no Pé-de-Meia sem autorização do Congresso?

Visualizar notícia
3

Crusoé: Cineastas publicam manifesto anti-woke

Visualizar notícia
4

Nunes chama ministro de “irresponsável” e culpa governo Lula

Visualizar notícia
5

Após filme da Barbie, buscas por ginecologistas aumentaram, diz pesquisa

Visualizar notícia
6

Lula saiu menor das eleições de 2024

Visualizar notícia
7

Papo Antagonista: Caos em SP e entrevista com Kassab

Visualizar notícia
8

Governo reúne líderes do Senado e acerta regulamentação da tributária para dezembro

Visualizar notícia
9

Falta de “previsão objetiva” é “grave erro” da Enel, diz ministro

Visualizar notícia
10

Dallagnol ironiza fala de Gilmar sobre “benefícios” do STF ao povo"

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Apagão vira embate entre Nunes e Boulos no primeiro embate do segundo turno

Visualizar notícia
2

Após filme da Barbie, buscas por ginecologistas aumentaram, diz pesquisa

Visualizar notícia
3

A injustiça do PGR de Maduro com o aliado Lula

Visualizar notícia
4

Nunes, governo Lula e Enel: apagão gera treta em SP

Visualizar notícia
5

“Melhor projeto para o Rio é ter Paes como governador”, diz Kassab

Visualizar notícia
6

"Eleitor quer país mais calmo e moderado", diz Kassab

Visualizar notícia
7

Reeleição de Tarcísio é o “caminho natural”, diz Kassab

Visualizar notícia
8

Dallagnol ironiza fala de Gilmar sobre “benefícios” do STF ao povo"

Visualizar notícia
9

Conheça as piores séries do Século 21 segundo a crítica

Visualizar notícia
10

Após eleições municipais, Gleisi diz que PT precisa de novas propostas

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

artigo Cesare Pavese covid Lavorare Stanca Miguel Sanches Neto O Antagonista Pandemia Primeiro de Maio trabalhadores
< Notícia Anterior

Em discurso de 1º de maio, Lula ataca a Lava Jato: ‘Destruiu a economia do Brasil’

01.05.2021 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Covid: Brasil registra 2.656 mortes em 24 horas, diz Conass

01.05.2021 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Miguel Sanches Neto

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Alexandre Soares na Crusoé: Brasil, né?

Alexandre Soares na Crusoé: Brasil, né?

Visualizar notícia
Jerônimo Teixeira na Crusoé: As mentiras em que o eleitor adora acreditar

Jerônimo Teixeira na Crusoé: As mentiras em que o eleitor adora acreditar

Visualizar notícia
Leonardo Barreto na Crusoé: Quem ganhou as eleições foi o Congresso

Leonardo Barreto na Crusoé: Quem ganhou as eleições foi o Congresso

Visualizar notícia
O governo Lula está boicotando negócios de judeus? É urgente uma explicação clara.

O governo Lula está boicotando negócios de judeus? É urgente uma explicação clara.

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.