O STF atira contra o mensageiro O STF atira contra o mensageiro
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O STF atira contra o mensageiro

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Carlos Graieb
5 minutos de leitura 29.11.2023 18:24 comentários
Opinião

O STF atira contra o mensageiro

O STF acaba de estabelecer que a imprensa pode ser punida pelas declarações de um entrevistado. Com isso, os ministros deram mais um passo no sentido...

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Carlos Graieb
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O STF atira contra o mensageiro
Foto: Carlos Moura/SCO/STF.

O STF acaba de estabelecer que a imprensa pode ser punida pelas declarações de um entrevistado.

Com isso, os ministros deram mais um passo no sentido de tolher a liberdade de expressão no país e de desmantelar a jurisprudência liberal que construíram por algum tempo.

Na essência, equivale a responsabilizar as redes sociais pelo conteúdo publicado por seus usuários, algo que está na lista de desejos dos ministros e de muitos parlamentares. Inibir a imprensa foi bem mais fácil.

O processo dizia respeito a um texto publicado pelo Diário de Pernambuco, em 1995.  Nele, um entrevistado acusava um político de ter cometido um crime em 1966, na época da ditadura militar. O político pediu indenização não só do acusador, mas também do jornal.

Já existia maioria favorável à punição. Faltava estabelecer uma tese que servisse para casos futuros.

O tribunal combinou raciocínios de Alexandre de Moraes e Luis Roberto Barroso.

Assim, ficou estabelecido que a responsabilização advém de “informações comprovadamente injuriosas, difamantes, caluniosas, mentirosas”, dadas as seguintes condições: “Na hipótese de publicação de entrevista em que o entrevistado imputa falsamente prática de crime a terceiro, a empresa jornalística somente poderá ser responsabilizada civilmente se: (i) à época da divulgação, havia indícios concretos da falsidade da imputação; e (ii) o veículo deixou de observar o dever de cuidado na verificação da veracidade dos fatos e na divulgação da existência de tais indícios”.

O STF publicou em junho deste ano um apanhado de sua jurisprudência sobre liberdade de expressão. O livro contém “os julgados considerados mais relevantes para os estudiosos do Direito e para a sociedade brasileira, proferidos nos anos de 2007 a 2022”, segundo a apresentação assinada pela ministra Rosa Weber, que se aposentou em seguida. O livrinho se tornou obsoleto menos de seis meses depois do seu lançamento.

A primeira decisão transcrita nele é a da Ação Penal 1.444, que levou à cadeia o ex-deputado federal Daniel Silveira. O julgamento foi concluído no ano passado, em 2022. Nele, desde o início, os ministros tinham o intuito de estabelecer limites para a liberdade de expressão. Não pretendiam celebrá-la, mas deixar claro aos interessados que ela não é absoluta.

Naquela ocasião, os ministros decidiram que discursos “com intuito manifestamente difamatório” não são protegidos pela liberdade de expressão se houver dolo.

Outro caso pertinente foi julgado em 2009, quando o STF declarou que a Lei de Imprensa da ditadura militar era incompatível com a Constituição de 1988. O ministro Ayres Britto, relator do processo, chamou atenção para o fato de que ações com pedidos de indenização milionários são um notório artifício para criar temor e desencorajar a publicação de críticas. “A excessividade indenizatória”, escreveu ele, “é, em si mesma, poderoso fator de inibição da liberdade de imprensa.”

Os ministros do STF mudaram a lógica estabelecida nessas duas decisões.

Tornaram a imprensa suscetível a processos pelo simples fato de veicular declarações de terceiros. Mesmo com as condicionantes estabelecidas e mesmo que processos não resultem em condenações, a mera ampliação do risco jurídico já representa um ônus capaz de inibir a publicação de muitas reportagens que denunciam crimes ou a revelam esquemas que demandam apuração demorada para serem elucidados. Brigar por anos na Justiça, da primeira instância até os tribunais, é um custo considerável e uma nova indústria de pedidos de indenização pode ter surgido do nada.

A corte também tornou a imprensa passível de punição por atos que não são dolosos, ou seja, por publicações às quais não se pode imputar à empresa ou ao jornalista o propósito malicioso de difamar alguém.

É inevitável o efeito inibidor da liberdade de imprensa de que falou o ministro Ayres Britto, ou o chilling effect de que falam os americanos. 

Entrevistas como a de Pedro Collor, que levou ao impeachment de seu irmão Fernando Collor, no início dos anos 90, provavelmente não seriam publicadas se uma decisão como essa já estivesse vigente.

*****

PS: Publiquei o texto acima pouco depois de a decisão do STF ter saído. Ainda estava tentando compreender direito o seu sentido e o seu alcance e acho que não fui incisivo o bastante. Deixe-me então dizer com clareza, às 20h45: por causa do STF, ficou muito mais difícil e muito mais arriscado trazer a público as falcatruas dos poderosos. Não se trata apenas de um golpe contra o jornalismo, mas contra a possibilidade de vigiar e denunciar quem comete crimes no Brasil.

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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