O ministro Moro descobre que inimigos nunca serão amigos
No seu ano de calouro como ministro, Sergio Moro descobriu que inimigos nunca serão amigos -- no máximo, é possível fazer alianças táticas circunstanciais com eles...
No seu ano de calouro como ministro, Sergio Moro descobriu que inimigos nunca serão amigos — no máximo, é possível fazer alianças táticas circunstaciais com eles.
Moro é a figura pública mais admirada — e aprovada — pelos cidadãos brasileiros. E a mais odiada — e invejada — por aqueles que deveriam representar condignamente os mesmos cidadãos. Está-se falando, logicamente, dos políticos (e magistrados) em Brasília e alhures, com as pingadas exceções que confirmam o deserto. Explicável: boa parte dessa gente caiu na rede da Lava Jato, da qual o ministro foi o maior expoente como juiz. Adversários, portanto.
Antes mesmo de assumir o Ministério da Justiça, Moro anunciou que o seu principal objetivo no governo seria o combater a lavagem de dinheiro e asfixiar as organizações de malfeitores que estão por trás de boa parte dos delitos cotidianos. Para tanto, apresentou um pacote de medidas anticrime ao Congresso (não vamos rir, por favor).
No início, Jair Bolsonaro endossou as prioridades do ministro e até editou uma medida provisória que colocou sob a alçada de Moro o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), órgão essencial para detectar movimentações financeiras suspeitas.
A sintonia com o chefe do Executivo, porém, não demorou a sofrer interferências.
Ainda em janeiro, Bolsonaro editou o decreto que flexibiliza a posse de armas, ignorando sugestões do ministro em vários pontos.
Em outro episódio, Moro teve de recuar na nomeação de Ilona Szabó para um cargo sem remuneração em conselho ligado à pasta. Bolsonaro justificou o pedido para que o ministro demitisse Ilona Szabó alegando “incompatibilidade com o governo“.
As dificuldades atravessaram a Esplanada. Em março, Moro pediu a Rodrigo Maia pressa na votação de seus projetos. Irritado, o presidente da Câmara disse que o ministro “confundia as bolas”, e chamou o ex-juiz da Lava Jato de “funcionário do presidente Bolsonaro”.
Enquanto isso, nos subterrâneos do Congresso, o Centrão e partidos da oposição articulavam a retirada do Coaf das mãos de Moro. O fato de Flávio Bolsonaro ter passado à condição de investigado por peculato e lavagem — um dos crimes que o ministro elegeu como prioridade combater — ajudou bastante, obviamente.
A movimentação cresceu sem que o Planalto esboçasse reação. E, em 22 de maio, o plenário da Câmara transferiu o órgão de volta para o Ministério da Economia, de onde passaria para o âmbito do Banco Central, sob o nome de Unidade de Inteligência Financeira (UIF).
Em ritmo do acordão para salvar Flávio Bolsonaro, que os bolsonaristas radicais insistem em negar, Bolsonaro afirmou em agosto que trocaria o diretor da Polícia Federal do Rio, Ricardo Saadi. A interferência do presidente quase resultou em pedido de demissão do diretor-geral da PF Mauricio Valeixo, homem de confiança de Moro. A fala de Bolsonaro provocou também uma verdadeira comoção na instituição, com a ameaça de pedido coletivo de demissão dos chefes operacionais. Valeixo acabaria igualmente entrando na mira do presidente e, durante semanas, os bastidores do poder estiveram bastante agitados com a possibilidade de uma eventual demissão do diretor-geral da PF resultar na saída do ministro da Justiça do governo.
O presidente, então, recuou; Moro, por sua vez, passou a dar manifestações ainda mais explícitas de lealdade ao presidente.
Com a divulgação das mensagens roubadas da Lava Jato, um mês depois de O Antagonista revelar que o celular de Moro havia sido hackeado, o ministro foi convocado a dar explicações na CCJ do Senado sobre as supostas conversas entre ele, como ex-juiz, e os procuradores da Operação.
A comissão serviu apenas para mostrar quem era contra (muitos) ou a favor (poucos) da Lava Jato. Foi nesse dia que Renan Calheiros — réu em uma dezena de inquéritos no STF — chamou Moro de “fora da lei”.
Na Câmara, Moro repetiu as explicações que dera no Senado e teve de aguentar o circo montado por petistas e linhas auxiliares.
Em entrevista à Crusoé, Moro foi direto: o objetivo da divulgação das conversas era anular as condenações da Lava Jato.
Trovões e raios à parte, Moro vem entregando o que prometeu: os índices de criminalidade vêm caindo a olhos vistos, em parceria com os governos estaduais. Em seu primeiro ano à frente da Justiça, o bloqueio de bens de traficantes triplicou e o número de assassinatos no país diminuiu expressivamente — o que se deveu, em parte, a medidas como transferência de chefes de facções criminosas para presídios federais. O seu programa-piloto de combate ao crime em cinco cidades do país foi também um tremendo sucesso. E, apesar de o pacote anticrime ter sido desfigurado na Câmara, ninguém duvida da determinação do ministro em perseguir os objetivos que traçou. Um deles é que a prisão de condenados em segunda instância, que figurava no pacote original, seja aprovada no Congresso. A luta agora é entre os senadores que querem aprovar um projeto de lei, de tramitação mais rápida, e a ala de parlamentares da Câmara e do Senado que preferem uma PEC, de tramitação mais longa e sujeita a mudanças mais convenientes para a turma interessa em conservar a impunidade ampla, geral e irrestrita.
Em 2019, repetindo, Moro aprendeu que os inimigos nunca serão amigos. Se souber fazer alianças táticas circunstanciais, poderá se tornar presidente da República, embora negue que queira sê-lo. No momento.
Atualização: Moro levou uma punhalada de Bolsonaro no Natal, ao ver sancionado o atentado ao combate ao crime de colarinho branco que leva o nome de juiz de garantias.
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