“Desculpa esfarrapada”, diz vice-líder do MDB, sobre “função social” da PEC do Calote
A Câmara dos Deputados vai votar, na próxima terça-feira pela manhã, o segundo turno da PEC dos Precatórios, proposta que vai permitir uma gambiarra fiscal para que o governo federal consiga bancar o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família...
A Câmara dos Deputados vai votar, na próxima terça-feira (9) pela manhã, o segundo turno da PEC dos Precatórios, proposta que vai permitir uma gambiarra fiscal para que o governo federal consiga bancar o Auxílio Brasil, substituto do Bolsa Família.
Nos bastidores, o governo federal tem intensificado a pressão sobre os deputados federais e o Planalto conta com a ajuda do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). Como mostramos, Lira passou a monitorar a chegada dos parlamentares a Brasília e vai permitir até que congressistas afastados por motivo de doença possam votar.
Do outro lado, os deputados que são contrários à PEC tentam um último esforço para convencer os colegas a mudar seu voto nessa reta final. O vice-líder do MDB na Câmara, Hildo Rocha (foto), afirma nesta entrevista a O Antagonista que tem alertado aos colegas sobre as consequências da PEC.
“Não vale a pena a pessoa ir para um sacrifício desse, de receber emenda de R$ 10 milhões, R$ 15 milhões (…) e depois ficar marcada como responsável retorno da inflação e pelo calote”, disse.
Sobre a argumentação do governo de que a PEC iria viabilizar o pagamento de programas sociais, o parlamentar é taxativo: “Essa é uma desculpa esfarrapada.”
Leia os principais trechos da entrevista:
Deputado, como é que o senhor tem trabalhado para convencer os deputados que votaram a favor da PEC a mudar de opinião até terça-feira?
Olha eu estou conversando com alguns colegas deputados e mostrando para eles a malignidade dessa PEC. Ela traz quatro dispositivos que prejudicam de forma assustadora o povo brasileiro. O primeiro dispositivo é o que dá um calote de quem tem contas a receber, crédito a receber do governo, através de precatórios. Então, a consequência disso é aumento dos juros, aumento da inflação, aumento da pobreza e a diminuição de investimentos.
E aí, o outro dispositivo maligno é o que você traz de volta os empréstimos por Antecipação de Receita Orçamentária, os antigos “AROs”, que endividaram vários municípios, endividaram Estados e que, consequentemente, endividou a União que assumiu, durante o governo Fernando Henrique Cardoso (FHC), esse endividamento. Hoje, parte da dívida do Brasil é em função disso, dessa antecipação de receita orçamentária. Só que agora vem com outro nome, em formato diferente que é muito mais grave, que se chama securitização da dívida ativa.
E quais são os outros aspectos considerados nocivos?
Aí, o terceiro dispositivo é o que muda a regra de ouro. Ao liquidar a regra de ouro, acaba com essa importante âncora fiscal para evitar que o governo gaste sem controle algum com despesas correntes. E o quarto aspecto é modificar a regra do teto de gastos. Então, são quatro dispositivos em uma só PEC, que prejudica bastante a população. Todos estão começando a compreender e a população está reagindo. O importante é que a população está reagindo contra a aprovação dessa PEC. Ela está conseguindo enxergar que a proposta vai trazer graves consequências [econômicas], inclusive uma delas é o aumento do combustível, do gás, da energia elétrica etc. Se for configurado mesmo a aprovação dessa PEC, em janeiro todo mundo sabe que a gasolina vai estar a R$ 11, sem dúvida nenhuma; gás de cozinha a mais de R$ 160.
Há um argumento da base do governo de que a PEC vai beneficiar os mais pobres, porque vai financiar o Auxílio Brasil. Como rebater isso?
Isso aí é uma desculpa esfarrapada para poder aprovar a PEC. A proposta está abrindo créditos de quase R$ 100 bilhões, R$ 97 bilhões para ser mais preciso. Não é necessário esse recurso todo para viabilizar o Auxílio Brasil. Até porque, já veio a previsão do Bolsa Família [no orçamento]. E você não precisa sacrificar o brasileiro do presente e do futuro. Há outras formas de se bancar essa despesa. Não precisa fazer esse grande sacrifício.
Na sua opinião, como pode ser viabilizado o Auxílio Brasil? Diminuindo despesas com servidores? Cortes na máquina pública?
Não, não precisa disso. Não precisa cortar muitos serviços públicos. Você resolve isso cortando os subsídios. Diminui um pouco a despesa com isenções fiscais, só isso. Reduz um pouco os subsídios que estão sendo dados, algo aí em torno de R$ 400 bilhões por ano.
Deputado, como os senhores estão trabalhando contra o jogo pesado do governo. Já foram ofertadas emendas, cargos, entre outras vantagens. Como se vence essa batalha?
Eu estou mostrando para os deputados, para os colegas, que não vale a pena a pessoa ir para um sacrifício desse, de receber emenda de R$ 10 milhões, de R$ 15 milhões, e daqui a nove meses, a inflação estar galopante para todo mundo. Todos os economistas vão culpar justamente a PEC 23. E [os deputados] estarão marcados como os responsáveis pelo retorno da inflação e pelo calote.
Mas de fato, o senhor soube de algum deputado que recebeu ofertas de R$ 10 milhões, R$ 15 milhões para votar a favor da PEC ou isso é folclore?
É conversa de corredor e de plenário.
Mas alguém fez essa oferta ao senhor?
Não, não.
Ouça a entrevista em podcast:
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