Dennys Xavier: Democracia, fadada ao fracasso? Quarto ponto

20.03.2025

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Dennys Xavier: Democracia, fadada ao fracasso? Quarto ponto

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Redação O Antagonista
5 minutos de leitura 16.02.2025 09:08 comentários
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Dennys Xavier: Democracia, fadada ao fracasso? Quarto ponto

Aversão ao debate transformou política moderna em espetáculo em que a popularidade vale mais que a competência

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Dennys Xavier: Democracia, fadada ao fracasso? Quarto ponto
José Ortega y Gasset. Foto: Wikimedia Commons

No clássico A Rebelião das Massas (1930), José Ortega y Gasset fez um alerta que permanece atual e incômodo: vivemos sob o domínio do homem-massa.

Mas quem é ele?

Não se trata do indivíduo pobre, iletrado ou sem influência (logo, não estamos aqui diante de uma “luta de classes” marcada por situação socioeconômica).

Pelo contrário, o homem-massa pode ser um doutor, um político, um empresário ou um jornalista renomado.

O que o define não é sua posição social, mas sua mentalidade, uma espécie de misologia, de aversão ao bom senso, à racionalidade, à sensatez; por via de consequência, conformismo, repulsa à excelência, recusa ao esforço intelectual e desejo de impor suas opiniões sem justificá-las ocupam posição especial em seu horizonte.

O homem-massa sente-se ‘senhor’, dono da sociedade e decide atuar como se realmente o fosse”, registra o filósofo naquele texto.

Este é o drama da modernidade: a ascensão de uma democracia sem freios, na qual a quantidade substitui a qualidade e a opinião desinformada tem o mesmo peso da razão bem fundamentada.

O resultado é uma sociedade onde o mérito é tratado como opressão e a ignorância como empoderamento e virtude.

A ascensão do homem-massa não aconteceu por acaso.

Ortega y Gasset explica que ela foi consequência do próprio sucesso material da civilização.

Com o avanço da tecnologia, a universalização da educação e o desenvolvimento econômico, milhões de pessoas passaram a desfrutar de um conforto que antes era privilégio de poucos.

Mas, em vez de usarem esse progresso para aprimorar-se, rejeitaram qualquer ideia de hierarquia intelectual: a mesma hierarquia que, paradoxalmente, levou a sociedade àquele sucesso.

A respeito do homem-massa, membro protagonista da democracia moderna, diz Gasset: “não há, em sua paisagem interior, lugares elevados, recantos de vigilância, pontos estratégicos de visão ampla”.

É um homem feito de platitudes, de senso comum, um apedeuta que nem sequer tem instrumentos para entender a dimensão de tudo o que não sabe.

O homem-massa não tem consciência de sua própria limitação.

Ele não questiona suas certezas, não sente necessidade de aprender e acredita que qualquer tentativa de diferenciar o medíocre do excelente é uma ofensa.

O problema não está na sua existência, mas no fato de que ele não quer apenas ocupar espaço na sociedade: ele quer dominá-la.

Nas palavras de Gasset, “o homem-massa, ao contrário do homem excelente, não exige de si mesmo um esforço, mas se contenta com o que é e com o que faz”.

Esse fenômeno se torna especialmente perigoso quando o homem-massa passa a controlar as instituições políticas, culturais e científicas.

Ele rejeita a autoridade dos sábios, desconfia dos especialistas e confunde igualdade com uniformidade, como se todos os indivíduos fossem igualmente qualificados para qualquer tarefa. E, por óbvio, não o são!

Que reste claro, Ortega y Gasset não era um inimigo da democracia.

Pelo contrário, via nela ótimo sistema de governo, desde que – e este ponto é decisivo – orientado por elites intelectuais e morais legítimas.

Seu problema estava na degeneração da democracia em um regime onde a voz das massas substitui qualquer critério de qualidade.

Um eco de Sócrates e Platão: “o homem-massa não quer dar razões nem quer ter razão: quer, simplesmente, impor as suas opiniões”.

Essa aversão ao debate fundamentado transformou a política moderna em um espetáculo em que a popularidade vale mais que a competência.

A democracia, que deveria garantir a escolha dos melhores líderes, se converteu em um reality show, num mundo de entretenimento puro e simples, no qual vence quem mais agrada a multidão, e não quem tem melhores ideias, as melhores posturas ou o melhor percurso técnico-formativo (que os medíocres inclusive não são capazes de identificar).

O risco disso já havia sido previsto por Tocqueville em A Democracia na América, ao descrever a “tirania da maioria“, um fenômeno no qual a opinião coletiva oprime qualquer voz dissonante.

Em um mundo dominado pelo homem-massa, qualquer tentativa de exigir conhecimento ou mérito é vista como “elitismo”.

Assim, a política se torna um teatro onde os discursos vazios substituem as decisões racionais.

Se Ortega y Gasset pudesse observar o século 21, veria suas previsões confirmadas.

O advento das redes sociais amplificou a voz do homem-massa, transformando qualquer indivíduo em uma “autoridade” instantânea, sem a necessidade de estudo ou reflexão.

Cliques, curtidas e números de seguidores promovem a unção de “especialistas” construídos com amontoados de ideias mal-paridas dentro de suas almas, de adolescentes que ensinam sobre “como viver” a “escaladores de montanhas” que tentam, mediante adoção de comportamento grupal, aprender algo sobre ser homem.

Hoje, uma pessoa que nunca leu um livro sobre economia se sente confortável para afirmar que especialistas renomados estão errados.

Um leigo em medicina desafia os maiores cientistas do mundo com base em vídeos de dois minutos.

Essa dinâmica faz com que o conhecimento

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