Toffoli no ‘Times’: a orgia político-jurídica brasileira
O “amigo do amigo do meu pai” foi tema de editoriais brasileiros e artigos internacionais, tendo ido parar no 'Financial Times' por instruir investigação sobre ONG anticorrupção
Durante toda essa semana, o “amigo do amigo do meu pai” foi tema dos principais editoriais brasileiros, tendo ido parar também no Financial Times por instruir investigação sobre a Transparência Internacional (TI), depois que esse órgão de fiscalização da corrupção divulgou um relatório no qual aponta as suas recentes ações como um dos fatores para o péssimo desempenho do Brasil no índice anual de Percepção da Corrupção.
“Amigo do amigo do meu pai”, como se sabe, é o codinome de referência ao ministro Dias Toffoli (na foto à esquerda com Lula, e na da direita com Jair Bolsonaro) nas tratativas ilícitas do empreiteiro Marcelo Odebrecht. “Amigo do meu pai”, por sua vez, é o atual presidente da República, Lula – que ficou preso em Curitiba após condenações da Lava Jato -, que conhecia Emílio Odebrecht desde quando era sindicalista, como prontamente denunciou, na ocasião, a revista Crusoé, em edição então censurada pelo ministro Alexandre de Moraes.
As ações descaradas de Dias Toffoli, que enlamearam ainda mais a imagem do Brasil no ranking de Percepção da Corrupção, foram a suspensão da multa de 10 bilhões de reais da empreiteira J&F — cliente do escritório de advocacia da sua esposa — e a suspensão da multa de 3,8 bilhões de reais da própria Odebrecht, em cujas tratativas seu codinome aparecia, tendo sido decodificado em delação.
“Desfazer o legado da Lava Jato“
O artigo do Financial Times explica para os seus leitores que a ordem dada por Toffoli para investigar a organização anticorrupção que denunciou o desmonte do combate à corrupção no Brasil é a medida mais recente do ex-advogado do PT “que nos últimos meses tem procurado desfazer o legado da Lava Jato, investigação anticorrupção no Brasil, que […] revelou um vasto esquema de subornos por contratos envolvendo executivos do grupo estatal de energia Petrobras, um cartel de empresas de construção e dezenas de legisladores de todo o espectro político”.
O artigo lembra ainda que o Departamento do Tesouro dos EUA classificou o esquema de corrupção na Petrobrás desvelado pela Lava Jato como o maior caso de suborno estrangeiro da história e finaliza citando o relatório da Transparência Internacional, segundo o qual “graças às decisões de Toffoli, o Brasil se tornou um cemitério de evidências de crimes que geraram miséria, violência e sofrimento humano em mais de uma dezena de países da América Latina e da África”.
Falso e leviano
Ante as denúncias da TI, Toffoli tentou usar a Procuradoria Geral da República (PGR) para investigar a ONG por suposta apropriação de recursos recuperados pela Lava Jato. O diretor-executivo da Transparência Internacional, Bruno Brandão, declarou que recebeu com espanto o pedido de investigação de Tofolli, que qualificou de “falso e leviano”.
A parte da imprensa que cumpre o seu papel de fiscalizar o poder, logo trouxe à tona o fato de que a PGR já havia analisado anteriormente o mesmo tipo de denúncia, declarando inverídicas as acusações contra a Transparência Internacional, que apenas deu consultoria sobre a destinação dos recursos da Lava Jato para projetos sociais e entidades de combate à corrupção, sem receber qualquer tipo de remuneração pela assistência prestada.
Já a outra parte da “imprensa” que cumpre o desprezível papel de difundir as narrativas falsas dos donos do poder insistiu nas mentiras contra a atuação da Transparência Internacional, tentando comprometer a reputação de um órgão respeitado internacionalmente.
Um dos blogs sujos petistas mais conhecidos e caricatos teve o despudor de dar a seguinte manchete: “Transparência Internacional é um batalhão na guerra contra a soberania do povo brasileiro’: população apoia decisão de Toffoli”.
As duas mãos da esquerda
Como bem lembrou, em O Antagonista, Carlos Graieb, “o protagonismo do ministro Dias Toffoli não deve ocultar a presença de outros atores na pornochanchada jurídica” que aliviou a multa das empresas corruptas.
Graieb lembra que a suspensão da punição da J&F não prescindiu da contribuição do PT e dos advogados que integram o grupo Prerrogativas, assim como dos partidos satélites de esquerda (Psol, PsdoB e solidariedade) que impetraram ação para suspender os acordos de leniência alegando que foram assinados sob um “estado de coisas inconstitucional” criado pela Lava Jato.
A esquerda se pôs a serviço dessa empresa gigante, explicou ainda Graieb, no Papo Antagonista, para atacar juridicamente os acordos de leniência: “As duas mãos da esquerda estão nessa liberação [das multas]. Não é efeito de uma coisa engenhosa dos advogados da J&F, mas efeito de uma coisa engenhosa dos partidos que orbitam o Lula, do partido do Lula, e dos advogados milionários que são amigos dele”.
O abraço ambidestro
É nauseante acompanhar o desenrolar das estratégias dos corruptos no nosso país, é revoltante assistir ao servilismo hipócrita dos que se beneficiam do atual estado de coisas e é desalentador constatar que o brasileiro comum não tem tempo ou disposição para retirar as camadas de hipocrisia que recobrem as notícias que lhe chegam refratadas pelo prisma dos mais variados interesses.
Não é porque acabamos de demonstrar o descaramento de uma esquerda que se diz defensora dos mais pobres quando, na verdade, atua em benefício de empresários milionários corruptos que vamos esquecer o descaramento da direita que blindou Dias Tofolli da CPI da Lava Toga em troca da paralisação, no STF, das investigações das rachadinhas de Flávio Bolsonaro.
Na orgia político-jurídica brasileira, em que os poderosos gozam na cara do pagador de imposto, o regaço do “amigo do amigo de meu pai” é generoso; ele se abre à esquerda e à direita.
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