Qual é a cor do cavalo caramelo de Janja?
Aqueles que costumavam se gabar da capacidade de controlar narrativas se perderam nas próprias histórias. Hoje está mais difícil para um lulista emplacar suas versões, mesmo quando elas não estão tão longe assim da verdade
O eleitor mais enervado dirá que o famigerado cavalo caramelo é da cor de petista quando foge (da cadeia com manobra processual). Mas não é exatamente disso que se trata a questão. O animal resgatado das chuvas no Rio Grande do Sul virou um símbolo da enrascada em que se meteu o governo Lula (à esquerda na foto) na reação à tragédia das inundações.
A primeira-dama Janja (à direita na foto) deu um jeito de se enfiar mais uma vez em uma história que nada tem a ver com ela e na qual teria muito pouco a acrescentar com seu estilo midiático, e confundiu ainda mais as coisas em um governo que já é confuso o bastante.
Sem conseguir controlar a situação — que é caótica pela natureza da tragédia —, o Palácio do Planalto tentou segurar a crise pelas rédeas da narrativa. E, de repente, em meio a mortos e desabrigados pelas enchentes, o governo (ou o Estado brasileiro) se tornou a vítima da história.
Em seu pedido de abertura de inquérito sobre fake news, o ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom) da Presidência da República, Paulo Pimenta, destacou “com preocupação o impacto dessas narrativas na credibilidade das instituições como o Exército, FAB, PRF e Ministérios, que são cruciais na resposta a emergências”.
Não pegou bem
“A propagação de falsidades pode diminuir a confiança da população nas capacidades de resposta do Estado, prejudicando os esforços de evacuação e resgate em momentos críticos”, justificou o ministro, cujo eleitorado é do Rio Grande do Sul, sem mencionar nenhum prejuízo concreto.
A preocupação do Palácio do Planalto não pegou bem e, agora, Lula tenta corrigir os rumos da resposta federal à tragédia das chuvas.
Em reunião com os ministros na segunda-feira, 13, o petista instruiu: “Esta reunião é para a gente ter o conjunto do governo, ter todas as informações do que está acontecendo e cada ministro que for falar ou cada ministra, tentar falar sempre a mesma coisa que está acontecendo, não ficar dizendo coisas que não está acontecendo, ficar inventando coisas que ainda não se discutiu. Ou seja, não dá para cada um de nós que tem uma ideia anunciar publicamente uma ideia”.
(Uma pausa para lembrar que a ministra da Igualdade Racial, Anielle Franco, achou por bem cobrar votos em meio à tragédia).
Nesta terça-feira, 14, o governo anunciou, com mais de uma semana de atraso, a instalação de um gabinete do Planalto no Rio Grande do Sul, para acelerar os processos decisórios para a reconstrução do estado.
Vítimas inconvenientes
Como o governo se meteu nessa enrascada? Está claro que os lulistas estão em terreno hostil no Rio Grande do Sul — aliás, na região Sul como um todo. A última pesquisa Genial/Quaest deixou isso claro para quem ainda poderia ter alguma dúvida: apenas 39% acham que o petista mereceria um novo mandato em 2026 — no Nordeste, para comparação, 60% acham que Lula merece.
O coordenador nacional do Movimento Brasil Livre (MBL), Renan Santos, expôs o desconforto lulista de forma mais clara. O cavalo pelo qual se mobilizou Janja resume tudo. Segundo ele, o animal virou protagonista da história para o governo porque “as pessoas que podem ser tornadas símbolo [na tragédia das inundações] são inconvenientes”.
“As vítimas são famílias brancas que, em geral, não votaram no Lula. As pessoas que estão resgatando, em geral, são homens, héteros, cisgêneros, absolutamente construídos. Pessoas, às vezes armadas, estão fazendo a defesa de outras pessoas. Homens dirigindo lanchas, dirigindo jipe, estão resgatando a galera. Os verdadeiros heróis dessa história, e as vítimas dessa história, são todos inconvenientes para a beautiful people“, comentou em seu podcast, acrescentando que até o cavalo acabou se tornando inconveniente, porque não era a égua em que tentaram transformá-lo.
Narrativas
A situação já é muito desconfortável para o governo, e a oposição tem deixado mais ainda, com uma enxurrada de críticas, algumas exageradas e nem todas legítimas, que alimentam, sim, ciclos de desinformação — não há por que negar isso. A abordagem de motoristas com donativos pela ANTT não foi uma maldade deliberada de Lula, até que se prove o contrário, entre outras tantas insinuações de que o governo federal tem má vontade com os gaúchos.
É de se destacar, contudo, que aqueles que costumavam se gabar pela capacidade de controlar as narrativas se perderam nas próprias histórias e, agora, estão a reboque de outras versões sobre seus atos e alegadas omissões. O fato é que hoje está mais difícil para um lulista emplacar suas narrativas, mesmo quando elas não estão tão longe assim da verdade. A ironia é cruel.
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