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A liberdade de expressão na enxurrada

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Carlos Graieb
5 minutos de leitura 11.05.2024 15:07 comentários
Análise

A liberdade de expressão na enxurrada

Mesmo numa emergência não se pode tratar críticas ao governo como ameaças à atuação dos órgãos públicos

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Carlos Graieb
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A liberdade de expressão na enxurrada
Foto: Gustavo Mansur/ Palácio Piratini

Separar fake news da verdade é crucial diante de uma calamidade natural, muito mais do que nas eleições, que são calamidades de outro tipo. Nessas, estão em jogo candidaturas, na média bastante ruins. Numa enchente, estão em jogo vidas. Informação correta pode salvá-las e desinformação, matar.  

O Brasil tem muitas regras sobre comunicação nos períodos eleitorais. Jamais parou para pensar em como lidar com as redes em meio a um desastre. Diante da catástrofe no Rio Grande do Sul, continua sem pensar. O governo Lula reagiu com o fígado diante do material que circula on-line.  

A primeira providência foi acionar a Polícia Federal para dar início a um novo inquérito das fake news. Desta vez, a relatoria no STF ficou com a ministra Cármen Lúcia. Além disso, a Procuradoria Nacional de Defesa da Democracia (PNDD), também conhecida como Ministério da Verdade, entrou em regime de plantão.

“Credibilidade das instituições”

É importante observar a linguagem do governo ao pôr em funcionamento essas engrenagens. 

No ofício em que pediu a abertura de um inquérito ao seu colega do Ministério da Justiça, Ricardo Lewandowski, o ministro da Secretaria de Comunicação Paulo Pimenta escreveu:  

“Destaco com preocupação o impacto dessas narrativas na credibilidade das instituições como o Exército, FAB, PRF e Ministérios, que são cruciais na resposta a emergências. A propagação de falsidades pode diminuir a confiança da população nas capacidades de resposta do Estado, prejudicando os esforços de evacuação e resgate em momentos críticos. É fundamental que ações sejam tomadas para proteger a integridade e a eficácia das nossas instituições frente a tais crises.” 

Destaco com preocupação a justificativa do ministro para acionar a polícia: “proteger a credibilidade das instituições”. Ora, não há nenhum tipo penal protegendo a “credibilidade” como bem jurídico. Possivelmente outros conceitos, como “garantia da ordem pública”, serão utilizados para justificar eventuais ações da PF. 

O Estado e os cidadãos

Tudo isso é vago demais e, como já mostrou o Antagonista, permite transformar em caso de polícia aquilo que é crítica justificada ou aceitável aos órgão públicos.  

Calar críticas também pode pôr em risco o socorro às vítimas de um desastre. Como denunciou o governador de Santa Catarina, havia mesmo caminhões com doações sendo parados e multados nas estradas. Se não fosse a denúncia, a penalização poderia acabar atrapalhando o fluxo da ajuda humanitária. Como ela aconteceu, houve somente seis autuações, depois canceladas.  

Outra ideia que incomoda governos – não apenas o federal – é que seus órgãos “não estão fazendo nada”. Não é uma crítica correta no caso do Rio Grande do Sul: os órgãos estão em campo. Mas, dada a magnitude do desastre no Rio Grande do Sul e o fato de que o Brasil jamais se preparou adequadamente para lidar com catástrofes naturais (a lei que determina a criação de um Plano Nacional de Defesa Civil ficou esquecida por mais de dez anos), é inevitável que a experiência e a percepção de muitas pessoas não seja a de serem ajudadas pelo Estado, mas por voluntários. Ainda bem que eles existem.  

Interesses do governo

É preciso traçar com muito cuidado e clareza a diferença entre uma crítica que realmente põe em risco as atividades de bombeiros, militares e outros agentes públicos que estão tentando ajudar e aquelas que apenas refletem a exasperação dos cidadãos com um Estado que nunca primou pela eficiência.  

Se socorristas forem recebidos com hostilidade numa cidade inundada, haverá com que se preocupar. Caso contrário, calar críticas durante uma emergência só atende aos interesses do governo. 

A nota que anunciou a criação de um “gabinete de crise” com especial protagonismo da PNDD tem o mesmo espírito do ofício de Paulo Pimenta a Ricardo Lewandowski. Mais uma vez, a preocupação é “que as informações falsas possam prejudicar a atuação dos diversos órgãos públicos envolvidos no resgate e suporte ao estado no atual momento.”  

As primeiras medidas anunciadas não foram repressivas: um pedido de resposta em face de postagens do influenciador Pablo Marçal e o acréscimo de um desmentido em mensagens que dizem que o governo federal patrocinou o show de Madonna no Rio de Janeiro, o que não aconteceu. Esse é um jogo mais aceitável.

Não será surpresa nenhuma, porém, se o monitoramento do PNDD servir para alimentar o novo inquérito das fake news, assim como a Assessoria Especial de Enfrentamento à Desinformação (AEED) municia o inquérito velho, de Alexandre de Moraes, mesmo fora do período eleitoral.

Informações nocivas

Sim, há fake news que são efetivamente nocivas e criminosas.  

O governo do Rio Grande do Sul, por exemplo, está gastando um tempo precioso para alertar as pessoas sobre chaves Pix que, falsamente, pedem doações em nome do estado. Isso é caso de polícia. 

Também há cards nas redes sociais e em grupos de mensagem receitando coquetéis de prevenção contra doenças como lepitospirose. O uso indiscriminado dos remédios traz riscos à saúde e favorecer o surgimento de superbactérias. Quem dissemina esse tipo de informação não quer ajudar ninguém, é apenas arrogante e irresponsável.  

Não cabe fazer vista grossa a esses casos. Mas cabe exigir que a liberdade de expressão – sempre ela – seja protegida e não se torne outra vítima da inundação.  

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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