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O encrencado, o encrenqueiro, a aprendiz de feitiçaria e a reforma ministerial

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Carlos Graieb
9 minutos de leitura 05.04.2024 15:38 comentários
Análise

O encrencado, o encrenqueiro, a aprendiz de feitiçaria e a reforma ministerial

Lula fala em reforma ministerial. Qual dos seus auxiliares metidos em confusão pode cair?

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Carlos Graieb
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O encrencado, o encrenqueiro, a aprendiz de feitiçaria e a reforma ministerial
Foto: Adriano Machado / O Antagonista

Em um evento público na quinta-feira, 4, Lula (à direita na foto) disse que tem “um time de ministros muito competente”. Nesta sexta-feira, 5, deixou vazar na imprensa que está insatisfeito com seu gabinete e estuda reformá-lo. São palavras contraditórias…  

No vazamento à imprensa, Lula apontou o que espera de um bom ministro. Antes de dizer qual é o critério, no entanto, vale a pena olhar três ministros envolvidos em confusão nesta semana. Qual deles será que passa pela régua do chefão petista?  

O encrencado

Rui Costa (à esquerda na foto) foi posto numa fogueira nesta semana. Ministro da Casa Civil e ex-governador da Bahia, ele foi citado na delação premiada da empresária Cristiana Taddeo, que, sem dispor das licenças necessárias para fazer a importação, conquistou um contrato de 48 milhões de reais, sem licitação, para trazer respiradores da China e fornecê-los ao sistema de saúde pública baiano, durante a pandemia.  

O pagamento foi antecipado. Os equipamentos nunca foram entregues. 

A colaboradora, ao fechar acordo como a PF, devolveu seu “lucro” de 10 milhões de reais aos cofres públicos. Segundo ela, outros 11 milhões de reais foram pagos em comissão a pessoas que intermediaram o contato entre sua empresa e o governo baiano. Um desses intermediários, o empresário Cleber Isaac, é amigo de Aline Peixoto, a mulher de Rui Costa. Por meio dela, ele teria feito a ideia da importação chegar ao então governador, que liberou a compra.  

Bruno Dauster, ex-secretário da Casa Civil de Rui Costa, confirmou à PF que o governador autorizou a operação. 

O repórter Aguirre Talento revelou a história na quarta-feira, 3. No dia seguinte houve um desdobramento. Cristina Taddeo relatou que a Polícia Civil da Bahia se irritou quando ela mencionou Rui Costa num período inicial das investigações sobre os respiradores. Os policiais omitiram o nome do político do depoimento prestado por ela.

Rui Costa, obviamente, diz que fez tudo direitinho. Segundo ele, o pagamento antecipado havia se tornado praxe nas compras de insumos médicos durante a pandemia. Além disso, ele mesmo teria mandado abrir a investigação quando os equipamentos não chegaram.  

Mas as coisas não são simples desse jeito.

Na melhor das hipóteses, Rui Costa agiu com incúria imperdoável. Circunstâncias extremas como a pandemia podem justificar compras sem licitação, mas não a entrega de milhões de reais a quem não tinha a papelada básica para cumprir o contrato. Uma diligência das mais simples teria verificado que a empresa de Cristina Taddeo não conseguiria importar os respiradores.

Se o negócio foi adiante sem essa averiguação, é plausível perguntar se Rui Costa não incorreu num dos crimes contra as finanças públicas previstos no Código Penal. Seria causa para um processo por improbidade administrativa.  

Na pior das hipóteses, a história aponta para um daqueles casos clássicos de corrupção: compra feita às pressas, sem as devidas cautelas, e tchans: um amigo do governador embolsa uma comissão fabulosa.  

Acoplado a esse escândalo, temos a possível proteção prestada a Rui Costa pela Polícia Civil. Os índices de segurança pública da Bahia estão entre os piores do Brasil. Agora surge a suspeita de que o órgão responsável pelas investigações criminais no estado foi politicamente aparelhado.   

A história toda é um horror.  

O encrenqueiro

Alexandre Silveira, ministro das Minas e Energia, vem fazendo de tudo para tumultuar o setor onde atua – um setor suscetível a grandes solavancos quando a sensação de que a segurança jurídica foi jogada aos porcos se instaura.  

Como observei nesta semana, Silveira carrega o tique autoritário-intervencionista dos lulistas, muito embora seja um dos expoentes do PSD – o partido que não é “nem de direita, nem de esquerda, nem de centro” – e tenha se aconchegado a Jair Bolsonaro durante a presidência desse último. 

O ministro (em parceria com Rui Costa, aliás) vem tentando fritar o presidente da Petrobras Jean Paul Prates há meses e parece ter conseguido, finalmente. Nesta quinta, difundiu-se o rumor de que a troca na presidência é iminente.  

A grande embate entre os dois teve a ver com a distribuição de dividendos pela petroleira. Parte desse dinheiro foi retido em março, contrariando as expectativas dos acionistas. Os papeis da Petrobras tiveram uma queda enorme na bolsa. Prates foi contra a retenção, Silveira a favor.  

Agora, tudo indica que os dividendos serão liberados – inclusive porque a União precisa da parte bilionária que lhe cabe para reduzir o rombo fiscal. Mas a culpa pela lambança, em vez de recair sobre Silveira e companhia, parece ter recaído sobre Prates. E por quê? Porque o presidente da Petrobras deixou transparecer que havia uma divisão no governo. 

“Se o presidente da empresa, naquele momento, tivesse votado com o conselho, não teria tido barulho”, disse Silveira em entrevista à Folha de S.Paulo.  

Isso é papo-furado. O barulho se deu porque há discordância no governo, mas pela percepção de que os tempos de intervencionismo na estatal voltaram (e vai piorar, se a ideia de instalar o “desenvolvimentista” Aloisio Mercadante no leme da Petrobras for mesmo levada adiante).  

Não é apenas nesse episódio que o estilo de Silveira se revela. Na mesma entrevista, ele deu patadas nos colegas do ministério do Meio Ambiente. Além disso, no começo desta semana, fez ameaças à distribuidora de energia elétrica que atende a cidade de São Paulo, a Enel-SP. Disse ainda que os contratos de concessão dessa área têm regras “frouxas”

O problema não está nos diagnósticos. O serviço da Enel-SP é ruim e duas dezenas de concessões do setor elétrico precisam mesmo ter regras revistas – elas estão para vencer, depois de 30 anos, e devem ser renovadas.  

Como argumentei em um artigo anterior, o problema está na pegada. Silveira falou de tal modo que pareceu querer enquadrar não apenas a Enel-SP, mas também a agência reguladora do setor elétrico, a Aneel, que só funciona a contento se for vista como independente. Além disso, Silveira já deveria ter entregado as diretrizes para as novas concessões de distribuição elétrica. Está atrasadíssimo. Se quer produzir um bom efeito, que faça isso logo, em vez de ficar passando recados pela imprensa.  

Quem faz investimentos de longo prazo em infraestrutura não se sente confortável com ministros voluntariosos e dados a faniquitos.  

A aprendiz de feitiçaria

A ministra da Saúde Nísia Trindade chegou ao governo com excelentes credenciais acadêmicas e com a experiência de ter comandado a Fiocruz, que desempenhou um papel chave na resposta brasileira à Covid. Mas ela está sofrendo uma crise de identidade no Planalto. 

Nísia vive batendo de frente com o Congresso, por causa das emendas parlamentares. Ela não gosta do modelo de distribuição fragmentada – e com frequência irracional – de recursos da Saúde que as emendas propiciam. Preferiria que esses gastos tivessem mais embasamento técnico. Por exemplo: acaba de estabelecer um teto para dispêndios com o combate à dengue em rincões do Brasil. O Centrão se irrita com isso e há meses tenta substitui-la por figura mais “compreensiva”. 

Nesta semana, porém, uma reportagem do Estadão mostrou que, em 2023, o Ministério de Saúde serviu, sim, como balcão de compra de apoio para o governo no Congresso. Cerca de 8 bilhões de reais foram entregues aos parlamentares para que eles agradassem seus currais eleitorais. Grana muito acima dos limites previstos foi direcionada a municípios que nem sequer contam com a estrutura necessária para realizar os procedimentos médicos previstos nos repasses.  

Em outras palavras, Nísia reclama do jogo, mas continua jogando. Parece ter disposição para aprender. 

O critério de Lula

Se o critério de Lula fosse ter um ministério acima de qualquer suspeita, Rui Costa seria, ao menos, afastado do cargo enquanto a investigação sobre o caso dos respiradores avança. Iria com ele Juscelino Filho, das Comunicações – acusado de corrupção pela PF em novembro do ano passado.  

Em vez disso, nesta quinta-feira, Lula elogiou o titular da Casa Civil. Disse que ele “é como se fosse o primeiro-ministro”. Deu respaldo ao sujeito encrencado. A menos que um sinal muito evidente de corrupção apareça a curto prazo, assim deve continuar.  

Se o critério fosse melhorar o ambiente de negócios no Brasil, Alexandre Silveira cairia fora. Mas todo mundo sabe que Lula não está nem aí para o ambiente de negócios: prefere ter estatais nas mãos para gastar bilhões a curto prazo, como bem lhe aprouver. O discurso autoritário-intervencionista de Silveira com certeza agrada ao presidente. Por isso o ministro deve prevalecer sobre seu desafeto Jean Paul Prates.  

Segundo a informação transmitida à imprensa, Lula acha que seu governo vai bem, mas alguns ministros não conseguem comunicar adequadamente suas conquistas à população.  

Esse é o critério de Lula. Ele quer lero-lero.  

A reclamação do presidente é a mesma que ele fez semanas atrás, ao reunir seu primeiro escalão para falar das perspectivas de 2024.  

Sendo assim, quem tem chances de cair é Nísia Trindade. Ela já havia sido cobrada por uma melhor comunicação durante o encontro ministerial, do qual saiu chorando.

Além disso, aquilo que poderia ser visto como uma virtude – o fato de Nísia ainda sentir algum incômodo com a farra das emendas – não ajuda no relacionamento com o Congresso. Lula não quer virtudes, quer resultados. Embora pareça disposta a aprender o jogo, a ministra provavelmente não terá tempo para fazê-lo.  

Ninguém espere boas notícias de uma reforma ministerial. Na verdade, dá até medo de pensar no que virá.  

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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