“Lula é uma causa, não um homem”: a expansão do lulocentrismo

16.02.2025

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O Antagonista

“Lula é uma causa, não um homem”: a expansão do lulocentrismo

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Catarina Rochamonte
6 minutos de leitura 10.01.2024 10:53 comentários
Análise

“Lula é uma causa, não um homem”: a expansão do lulocentrismo

Na solenidade que deveria lembrar a tentativa de golpe do 8 de janeiro, Lula, "o presidente sol", na descrição de...

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Catarina Rochamonte
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“Lula é uma causa, não um homem”: a expansão do lulocentrismo
Foto: Ricardo Stuckert

Na solenidade que deveria lembrar a tentativa de golpe do 8 de janeiro, Lula, “o presidente sol”, na descrição de editorial do Estadão, “foi fiel à sua vocação palanqueira e transformou aquela cerimônia de defesa da democracia em comício para atacar seus adversários e louvar a si mesmo e a seu partido – exatamente como previam os vários governadores de oposição que, por essa razão, se recusaram a comparecer”.

Para o editorialista “não era isso o que se esperava do estadista que Lula julga ser.” A frase é boa, mas, para quem julga que Lula é um estadista, tudo ocorreu conforme o esperado. Já o restante dos brasileiros não esperava outra coisa, afinal, como diria o barão de Itararé, de onde menos se espera… é que não sai nada mesmo.

Uma das características de um estadista digno desse nome é sua capacidade de, em momentos turbulentos da história do seu país, conseguir se sobrepor às contingências de sua própria vaidade e aos anseios de seu grupo político para representar todo um povo na defesa dos valores que lhe são caros e comuns.

Isso, obviamente, é o contrário do modo como populistas estão condicionados a agir. Os populistas, como Lula ou Bolsonaro, transmitem as ideias do seu agrupamento político como se fossem valores de toda a nação e instrumentalizam os verdadeiros valores e princípios de uma nação como se fossem suas exclusividades políticas.

Foi nessa toada que Lula, o “presidente sol”, o “arremedo de Luís 14”, conforme o Estadão, utilizou a solenidade “Democracia inabalada” para expandir sua retórica “lulocêntrica”, sob a ótica da qual a democracia brasileira só existe e viceja porque ele e o PT existem.

Uma causa, não um homem

O lulocentrismo, teoria segundo a qual o Brasil e o mundo giram ou deveriam girar em torno de Lula, tem muitos adeptos além do próprio Lula. Um dos seus prosélitos, Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai, deu sua contribuição ontem, 9 de janeiro, para a expansão da doutrina lulocêntrica, ao escrever no seu perfil do X que Lula é uma causa, não um homem” e dizer que o petista “está no coração dos necessitados, dos carentes, ali onde residem as desigualdades”.

Se trocarmos Lula por Jesus, a frase é aceitável e faz sentido; o que mostra o quão absurda, sem sentido e blasfema ela é.

Mas o tom quase religioso dos elogios que envolvem a figura demasiadamente humana de Lula não deveria espantar. O culto à personalidade sempre esteve presente nas perspectivas políticas de tendência hegemônica, seja à direita, seja à esquerda. Ele é insuflado e incentivado pelo próprio líder e acaba sendo indispensável para a manutenção e perpetuação de um determinado grupo no poder.

Não devemos esquecer do discurso de Lula no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, em 2018. Antes de se entregar às autoridades e ser preso por corrupção, o atual presidente destilou no seu discurso a essência do lulocentrismo: Eu não sou mais um ser humano, eu sou uma ideia misturada com as ideias de vocês. Minhas ideias já estão no ar e ninguém poderá encerrar. Agora vocês são milhões de Lulas.”

Lula como ideia, não como homem, venerado religiosamente por pessoas lobotomizadas pela mesma ideologia, pessoas que não são indivíduos autoconscientes, autônomos e críticos, mas  “milhões de Lulas”. É um cenário bizarro e assustador, mas declaradamente desejado pelo atual presidente.

Para que esse cenário se torne possível é necessário que o discurso se torne homogêneo. Que todos, em uníssono, repitam que o impeachment da Dilma foi golpe, que Lula é inocente, que a democracia está inabalada e que o PT é um grande defensor da democracia.

Liberdade de expressão como obstáculo

Surge, então, um problema para a realização da utopia lulista: as redes sociais. Como fazer vingar a gloriosa democracia lulista nessa ágora virtual, na qual os discursos oficiais podem ser inclusive refutados por notas da comunidade?

Não foi à toa que o seu discurso, na solenidade em rememoração ao 8 de janeiro, assim como o do ministro do STF, Alexandre de Moraes, versaram insidiosamente sobre o importante tema da regulação das redes sociais.

Moraes afirmou, durante o ato Democracia Inabalada, no Congresso Nacional, que as redes sociais viraram campo fértil para o populismo extremista e defendeu que haja regulação. Talvez ele tenha razão. O problema é o viés político da regulação desejada, uma vez que o próprio Moraes parece se preocupar apenas com o extremismo de direita, enquanto faz vistas grossas para o extremismo de esquerda.

Todos viram o quão insalubre se tornaram as redes sociais logo após o início da guerra de Israel contra o Hamas, com uma proliferação absurda de postagens antissemitas, as principais delas escritas por Breno Altman, que, em vez de ter a conta devidamente retida, foi protegido publicamente pela presidente do PT, Gleisi Hoffman (PR). Não houve e não há nenhuma iniciativa de Moraes para reter a conta de quem difunde discurso de ódio contra os judeus ou faz apologia ao grupo terrorista Hamas.

Logo depois de Moraes, Lula fez seu discurso no referido evento e defendeu também a regulação: “nossa democracia estará sob constante ameaça enquanto não formos firmes na regulação das redes sociais.

Também no dia 8 de janeiro, o presidente assinou um artigo publicado pelo jornal americano The Washington Post no qual voltou a defender a regulação das redes sociais, não só no Brasil, mas no mundo.

O lulocentrismo quer avançar no Brasil e no mundo. Se tiver êxito, chegará o dia em que você já não lerá um artigo como esse. Nesse dia, seremos uma democracia feliz. Como a democracia da Venezuela.

Leia mais análises:

Brasil: rumo à “democracia” socialista

O fracasso do 8/1 e os golpes bem-sucedidos

8 de janeiro: democracia inabalada?

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Catarina Rochamonte

Professora e escritora, com graduação, mestrado e doutorado em Filosofia, e pós-doutorado na área de Direito.

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