Entre a “democracia inabalada” e a “ditadura comunista”
O Brasil vive um regime diferente da “democracia inabalada” propagandeada pelo lulismo junto ao STF e da “ditadura comunista” acusada pelo bolsonarismo....
O Brasil vive um regime diferente da “democracia inabalada” propagandeada pelo lulismo junto ao STF e da “ditadura comunista” acusada pelo bolsonarismo.
As atuais cúpulas dos Três Poderes — bem como de corporações, órgãos, tribunais e veículos de comunicação instrumentalizados por elas — simplesmente garantem entre si licenças para o cometimento de determinados abusos de poder político (como o uso da máquina pública contra adversários), econômico (como o orçamento secreto e as farras de gabinete) e judicial (como a impunidade do colarinho branco, decisões favoráveis a clientes de cônjuges e manobras para julgar desafetos sem foro), desde que favoreçam ou não comprometam os demais líderes e sem que um Poder inteiro se volte contra esses abusos a ponto de aprovar impedimentos legais ou punir os responsáveis.
O que é sistema?
Chamo de “sistema” esse conjunto de lideranças que fazem conchavos e escambos intra ou interinstitucionais para manter e aumentar seu poder, em detrimento do interesse público.
Qual é o regime brasileiro?
O Brasil contemporâneo é uma República do Escambo comandada pelo sistema, que tem em Gilmar Mendes seu guardião, em Alexandre de Moraes seu xerife, em Dias Toffoli seu despachante, em Ricardo Lewandowski seu abre-alas, em Arthur Lira seu tesoureiro, em Rodrigo Pacheco seu ombudsman, em Lula (foto, ao centro) seu encantador de serpente e em Jair Bolsonaro, como apontei em 2021, sua cortina de fumaça.
Quando até um defensor de rachadinha como o lulista André Janones, que tem licença de cima para disparar fake news, consegue desqualificar a acusação de “ditadura” usada por bolsonaristas, alegando que, se assim fosse, um deputado federal alvo de buscas determinadas por Moraes seria torturado e morto, é porque o conceito usado é mesmo impreciso e obsoleto.
Os abusos do sistema não configuram, necessariamente, um regime ditatorial, nos moldes de repressão verticalizada e violenta como a da ditadura militar brasileira, aludida por Janones e defendida por reacionários aloprados do bolsonarismo diante de quartéis do Exército e durante os atos de 8/1. Na República do Escambo, o sistema horizontal busca legitimar como democráticos seus abusos, em geral não violentos, dando ares de legalidade a manobras que visam o controle de instituições, processos, cargos, verbas e, claro, do debate público.
Moraes, por exemplo, tenta legitimar o foro privilegiado de centenas de pessoas que não o têm, por conexão com pelo menos um deputado federal bolsonarista. Primeiro, ele faz a manobra para manter o caso no STF, como analisei aqui. Depois, busca um simulacro de fundamento. No caso da Lava Jato, as ilações e distorções sobre o conteúdo não autenticado de mensagens roubadas por hackers foram o simulacro de fundamento usado para aliviar políticos e empresários envolvidos em suborno, bem como suas muitas bilionárias, como faz agora Toffoli.
A ideologia serve para quê?
O sistema não é guiado por ideologia. O escambo também vigorou durante o governo Bolsonaro, que se aproveitou dele para blindar a própria família. A ideologia, no entanto, serve como verniz unificador dos apoios e acobertamentos da sociedade civil a cada líder populista, que, portanto, investe nela para turbinar seu capital eleitoral, ampliar sua base parlamentar e poder administrar o toma lá dá cá da República.
Neste ponto, Lula e PT são historicamente mais organizados e vêm buscando ampliar o controle sobre o Estado e os centros disseminadores de ideia da sociedade, apesar do repúdio da metade menos organizada do país.
Depois de 15 anos no poder, eles já têm o controle do Judiciário para blindar a si próprios, perseguir inimigos e contornar o Legislativo. Já têm o controle das estatais, principalmente depois que Lewandowski afrouxou a lei, liberando indicações políticas. Já têm o controle das universidades e de emissoras de TV e rádio. Agora falta controlar parte dos jornais, veículos independentes e redes sociais. E eles estão empenhados nessa tarefa, com ajuda de seus aliados no Supremo, que avançaram na censura contra entrevistas comprometedoras a terceiros e que apoiam a “regulação” das redes. É um totalitarismo ainda não concluído com sucesso.
Existe saída para o Brasil?
Do ponto de vista histórico, o acúmulo de abusos, ou golpes velados, da elite política-econômica-judicial-midiática sempre pode despertar a maioria silenciosa, em busca de uma alternativa. Mas convém entender a realidade, para não recair na mera troca de uma peça do sistema ou em qualquer golpismo bananeiro. Há mais coisas entre a “democracia inabalada” e a “ditadura comunista” do que pensam lulistas e bolsonaristas.
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