Denúncia contra Bolsonaro é apenas um detalhe
É impossível negar a existência de uma trama para golpe de Estado diante de tantos indícios gerados pelos próprios denunciados, mas o STF poluiu todo o processo

Desde que o procurador-geral da República apresentou a denúncia contra Jair Bolsonaro (foto) e 33 de seus aliados por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, os apoiadores do ex-presidente atuam para desqualificá-la. Não haveria provas o bastante para denunciar o grupo por tramar um golpe de Estado.
O que fazer, então, com todas as mensagens trocadas sobre pressionar o alto comando das Forças Armadas, e com o plano para “neutralizar” adversários ou a apresentação em Powerpoint com alternativas de fuga para Bolsonaro, entre outros indícios coletados? Incinerar e desejar boa sorte na próxima tentativa?
Essa vontade de permanecer no poder a qualquer custo não se restringe ao grupo de Bolsonaro, naturalmente. O que caracteriza e distingue os aliados do ex-presidente é uma falta de noção, uma falta de repertório sobre estratégias menos vulgares, misturada com a disciplina militar, que os levou a deixar quase tudo registrado, inclusive em reuniões gravadas.
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O contexto
Dilma Rousseff, por exemplo, conseguiu se reeleger maquiando dados econômicos — e acabou pagando por isso com o impeachment, apesar de ter os direitos políticos poupados. Lula se reelegeu em 2006 substituindo um esquema de corrupção, que fora denunciado, por outro que só viria a ser revelado durante o governo de sua sucessora — também foi punido, mas, depois, tortamente perdoado.
A estratégia destrambelhada de Bolsonaro não funcionou, e é compreensível a frustração de seus aliados diante da perspectiva de que ele venha a ser punido por algo que nem sequer conseguiu fazer. Mas isso não apaga o fato de que ele tentou fazer, por mais que seus apoiadores esperneiem.
O problema dessa história não está na denúncia contra o ex-presidente. Ela é apenas mais um detalhe de um contexto muito complicado e de difícil defesa — não para os acusados, mas para os acusadores.
A falta de punição política para Dilma no impeachment e o cancelamento das condenações de Lula na Lava Jato enfraqueceram a legitimidade do Supremo Tribunal Federal (STF) para punir qualquer que seja o político, ainda mais um que se colocou na posição de adversário da Corte.
Tudo mudou
O STF contribuiu para estabelecer essa dinâmica de oposição, por não conseguir reagir de forma sóbria a Bolsonaro. A tarefa não era fácil, o ex-presidente realmente foi um dos maiores desafios da história recente às instituições brasileiras, mas está claro que os ministros do tribunal exageraram na dose, desde as prisões e condenações pelo 8 de janeiro — e isso põe em questão o processo inteiro.
Para se ter uma ideia do drama, basta lembrar das condições em que a denúncia do mensalão foi apresentada ao STF. Wilson Lima lembrou bem que Lula não estava naquele pacote de denunciados, o que foi um problema corrigido anos depois pela Operação Lava Jato. E há muito mais distinções entre os casos do petista e de Bolsonaro.
O julgamento do mensalão foi conduzido por um ministro do STF indicado por Lula, que escolheu também o procurador-geral responsável por denunciar José Dirceu e companhia. Já o grande algoz de Bolsonaro foi indicado por Michel Temer, a denúncia coube a um procurador-geral indicado por Lula e o julgamento será conduzido por uma Corte majoritariamente indicada por petistas.
Perseguição?
Esse quadro já seria o bastante para semear dúvidas acerca do processo, o que demandaria muito cuidado dos responsáveis, mas os ministros ainda se prestaram a contribuir para alimentar o discurso de que está em curso uma perseguição política, com entrevistas desnecessárias e decisões heterodoxas, que levaram, inclusive, à visita do relator especial da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) para liberdade de expressão, Pedro Vaca Villareal.
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É nos exageros, contradições e falta de sobriedade do STF que se escoram os defensores de Bolsonaro. E na percepção, nem sempre errada, de que os ministros do tribunal têm um lado, e não é exatamente o da democracia. Nesse contexto, o conteúdo da denúncia de Gonet, por mais que exponha indícios produzidos pelos próprios denunciados, se torna um detalhe.
Lula cancelou um jantar que ocorreria nesta semana com ministros do STF. Dias Toffoli segue anulando condenações da Lava Jato e falando em preservar o Estado Democrático de Direito enquanto usa mensagens furtadas — que não teriam validade em qualquer outro processo — para embasar a desconfiança acerca de Sergio Moro e Deltan Dallagnol.
O custo do STF
Alexandre de Moraes foi exposto pressionando Mauro Cid a “dizer a verdade sobre tudo”, “sob pena não só da decretação de prisão, como também da cessação e consequente rescisão da colaboração“.
O mesmo Mores é vítima e será juiz do processo, do qual foi também o relator, e contra pessoas que não tinham mais foro por prerrogativa de função. O STF desmontou a Lava Jato por muito menos, e o constraste com o caso de Bolsonaro só deixa a desfaçatez do que ocorreu ainda mais gritante.
Por mais rígida que venha a ser a condenação do ex-presidente, ela terá seu impacto diluído por um tribunal moralmente enfraquecido. Esse é o resumo do custo que o STF impõe ao Brasil, bem maior do que os bilhões de reais por ano do Judiciário que Luís Roberto Barroso não conseguiu justificar.
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Comentários (8)
Marcelo José Dias Baratta
23.02.2025 18:53Parabêns pela sua análise, apontou com precisão onde está o problema. Quando temos uma Corte Suprema que julga sem imparcialidade, tudo se pode esperar. Óbvio que Bolsonaro e Cia tentaram, mas e o outro, não só tentou, o outro perpetrou, foi alçado da cadeia para a cadeira, agora "guenta coração". Café a 64,00 o quilo, ovo 20,00 cartela com 20, carne um absurdo, o congresso querendo mais e mais e o governo se virando pra arrumar grana pra eles em nome de uma governabilidade. Tudo falácia.
Angelo Sanchez
21.02.2025 17:28Um tribunal que absolve toda a corrupção do Lava-Jato, é um verdadeiro lixo da democracia, o verdadeiro atentado ao estado de direito democrático são estas atrocidades que este Supremo está fazendo, não tem nenhuma moral para julgar Bolsonaro que jamais atentou contra a Democracia e esta história de golpe, ou prender o ex=presidente, nada mais é que provocar um levante civil contra tudo isto que está errado neste país.
FRANCISCO JUNIOR
20.02.2025 23:02Eu ainda prefiro um tribunal que acerte 50% (condenando bolsonaro - correto, e anulando LJ - errado), do acertando 0%, não condenando ninguém. Mas concordo que o erro (anular LJ) vai custar caro à moral do STF (e que custe mesmo, desserviço ao país).
Alexandre Ataliba Do Couto Resende
20.02.2025 15:00Parabéns pela análise. Um primor de objetividade. Em poucas palavras conseguiu, de forma clara, mostrar o contexto atual.
Claudemir Silvestre
20.02.2025 14:00Acabou os problemas da Inflação Alta, Juros Alto, Dolar Alto, Rombo nas contos do governo !!! Tá tudo bem agora no Brasil !!! Só que não …
MARCOS
20.02.2025 12:01OU SEJA, O stf É INCOMPETENTE PARA JULGAR BOLSONARO. É TOTALMENTE SUSPEITO E FERE OS PRINCÍPIOS DO DIREITO. NÃO SERÁ UM JULGAMENTO JUSTO. A SENTENÇA JÁ FOI ANUNCIADA: CULPADOS. O stf É HOJE UM TRIBUNAL POLÍTICO E NADA MAIS. INOCENTA CRIMINOSOS E CULPA INOCENTES. O SEU PRESIDENTE DEVERIA SER O NICOLAS MADURO.
Denise Pereira da Silva
20.02.2025 11:31Brasil, um país onde mocinhos estão cada vez mais escassos e bandidos proliferam à luz do dia, sob o olhar passivo e desalentado de seus habitantes de bem. E os bandidos mais hipócritas estão na nossa corte judiciária suprema “iluminada”. Deus, afaste-me desta “luz”.
Eduardo Monteiro Moreira César
20.02.2025 10:41Quais provas? No artigo menciona mensagens e powerponit.. é isso? quais? qual conteúdo? contexto?