Casos Batista e Dallagnol mostram como técnicos contrariam Lula e aliados
O sistema vai atropelar de novo?
I.
A revista Crusoé, publicação semanal do portal O Antagonista, apontou na raiz, em 14 e 22 de dezembro de 2023, a volta do capitalismo de compadrio entre o governo Lula e os irmãos Joesley e Wesley Batista, esmiuçando os métodos utilizados para emplacar a Âmbar, empresa do grupo J&F, no controle da distribuidora Amazonas Energia, às custas dos consumidores de eletricidade.
A matéria “Um choque de anticapitalismo” mostrou que a regulação do setor elétrico deveria garantir segurança aos brasileiros no fornecimento de energia, mas cada vez mais garante demanda e lucros aos amigos de quem faz as leis. Em seguida, a reportagem de capa “De volta para o passado” detalhou a remontagem dos esquemas de outrora – que em 2024 ficaria ainda mais nítida com a medida provisória publicada por Lula em 13 de junho, como mostrou O Antagonista na nota “Conta de luz mais cara para ajudar os irmãos Batista”.
Dez meses se passaram das matérias da revista e, na terça-feira, 24 de setembro, a área técnica da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) recomendou a rejeição do plano apresentado pela Âmbar para assumir a Amazonas Energia.
A conclusão é que a empresa não será capaz de “assegurar a recuperação da sustentabilidade econômico-financeira da concessão e da concessionária no período de até 15 anos, com o menor impacto tarifário para os consumidores”, que teriam de arcar com R$ 15,8 bilhões nas contas de luz, quase o dobro do custo previsto pelos técnicos da agência.
“Não parece razoável, e é por isso que eles recomendaram a caducidade da concessão e a realização de um leilão para selecionar um novo operador”, diz o editorial “Aneel do lado certo da história”, publicado pelo Estadão nesta sexta, 27.
“É preciso ter expertise para assumir um ativo de distribuição, sobretudo no Amazonas, algo que a Âmbar não detém, uma vez que atua nas áreas de geração e comercialização de energia.
Ninguém nega que é preciso encontrar uma solução para a Amazonas Energia, mas isso não significa que ela deve ser entregue a qualquer custo, como parece ser a intenção do ministro Alexandre Silveira. (…)
Para coroar o episódio, a Justiça Federal do Amazonas achou por bem intervir no processo e decidiu, por meio de liminar, obrigar a Aneel a aprovar imediatamente a proposta da Âmbar pela distribuidora, como se a agência reguladora não tivesse autonomia.
Pelo andar da carruagem, é bem possível que todos os riscos apontados pelos técnicos da Aneel sejam ignorados pelo governo, que as questões da Amazonas Energia não sejam resolvidas e que a distribuidora volte a ser um problema no setor elétrico mais cedo do que se imagina. Desta vez, ninguém poderá alegar surpresa”, conclui o jornal.
Ninguém que assina Crusoé está surpreso com os desdobramentos do caso.
II.
Eu, Felipe, publiquei em 10 de julho de 2022, quando assinava coluna em outro portal, o artigo “TCU x Lava Jato: como o sistema atropela análises técnicas”, um título ilustrativo da supremacia de outros interesses no país.
Assim como a Aneel no caso dos irmãos Batista, a área técnica do Tribunal de Contas da União contrariava a ala política do ministro Bruno Dantas, aliado de Renan Calheiros e Lula, no caso das diárias da força-tarefa, usado para retaliar o ex-procurador Deltan Dallagnol.
Eu já havia publicado em 6 de junho daquele ano o artigo “Bruno Dantas é o Zé Neto do TCU”, apontando a hipocrisia do ministro do tribunal que mais torrava dinheiro público com diárias ao tentar criminalizar os gastos da operação que recuperou bilhões de reais roubados no esquema de corrupção da Petrobras.
Em 10 de agosto de 2022, publiquei ainda o artigo categórico “Condenação de Deltan por diárias que nunca ordenou é só vingança”.
Mais de dois anos se passaram e, na quinta-feira, 26 de setembro de 2024, o TRF-4 manteve a anulação da multa de R$ 2,8 milhões ao ex-procurador, resgatando e endossando, como fiz, os argumentos da área técnica do TCU.
Assim como “é bem possível que todos os riscos apontados pelos técnicos da Aneel sejam ignorados pelo governo” no caso dos irmãos Batista, é bem possível que as análises da área técnica do TCU e da primeira e da segunda instâncias do Judiciário sejam ignoradas pelos indicados políticos do STJ, ao qual cabe recurso da União no caso Dallagnol, embora, como apontei em 2022, o interesse mais imediato na condenação fosse macular a Lava Jato para levar a imagem do então pré-candidato Lula.
Em ambos os casos, o tempo só confirmou como as ações baseadas em interesses de outra ordem não se sustentam tecnicamente.
Resta saber se o sistema vai atropelar de novo.
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