Anistia é coisa nossa
Os últimos anistiados na nossa longa história de perdão oficial foram Lula e os condenados pelo petrolão, e eles nem sequer demonstraram arrependimento
Tarcísio de Freitas (Republicanos) recuperou em suas redes sociais discurso de uma das recentes manifestações por anistia aos condenados pelo 8 de janeiro de 2023, convocadas na verdade para anistiar Jair Bolsonaro, quando defendeu o perdão oficial como uma característica brasileira.
“Na história do Brasil, sempre tivemos anistia. Foi assim no período colonial, foi assim no período regencial, foi assim no Segundo Império, foi assim no início da República. Vocês sabiam que Prudente de Morais deu anistia para aquelas pessoas que se revoltaram nos primeiros anos da República? Vocês sabiam que [Getúlio] Vargas deu anistia para quem participou da intentona comunista? Vocês sabiam que Juscelino Kubitschek deu anistia para as pessoas que se revoltaram em [19]55? E a Lei da Anistia em [19]79? E por que não anistia agora? Pedir anistia não é uma heresia. Pedir anistia é algo justo, é algo real, é algo importante. A anistia para essas pessoas é o reencontro com a liberdade, é o reencontro com a justiça, é o reencontro com a esperança. E nós precisamos nos reencontrar com a esperança”, defendeu o governador de São Paulo.
O ex-ministro Aldo Rebelo foi ainda mais longe. Ao publicar seu próprio vídeo, ele definiu o Brasil como “o país da anistia”. “Da monarquia à República, de Vargas a Figueiredo, de Dom Pedro a Juscelino, permanece uma máxima brasileira: nós anistiamos para seguir em frente”, disse.
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Os donos do poder
Nenhum dos dois está mentindo. Ao longo do tempo, a elite política brasileira sempre deu um jeito de se entender. É o que Raymundo Faoro chamou de “social enormity” em Os Donos do Poder, uma situação “segundo a qual velhos quadros e instituições anacrônicas frustram o florescimento do mundo virgem”. Quem defende a anistia, agora, deve se questionar se isso faz bem ao país.
O Brasil nunca teve uma guerra civil, como a americana, e há um lado positivo evidente nisso: menos pessoas morreram por causa de conflitos armados. Mas, diante da distância atual entre as condições do Brasil e dos Estados Unidos, é de se questionar se algum desentendimento não faz bem ao país, para que possa ocorrer o “florescimento do mundo virgem”, como descreveu Faoro.
O que Tarcísio e Aldo não citaram é que a anistia brasileira não se manifesta apenas em momentos de atrito político. Da redemocratização, em 1988, até o escândalo do mensalão, julgado em 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF) não condenou um único político por corrupção.
Corrupção
Os crimes sempre prescreveram antes da sentença final, porque os processos corriam quase sem querer pelas instâncias inferiores. A condenação de José Dirceu e companhia — com a exceção destacada de Lula — sinalizava para o fim da impunidade, mas o desmonte da Operação Lava Jato, anos depois, sugeriu que o julgamento do mensalão foi a exceção que confirma a regra.
Os últimos anistiados na longa história de perdão oficial brasileira foram Lula e os condenados do petrolão. E o perdão oficial, feito pela anulação de condenações, veio sem o arrependimento. Pelo contrário: é com orgulho que o atual presidente bate no peito para dizer que não havia provas contra ele.
Não há possibilidade de perdão sem arrependimento, e esse é o grande problema da história brasileira: os anistiados não se arrependem, eles nem sequer admitem qualquer tipo de culpa ao receber o benefício, o que significa que, provavelmente, tentarão repetir aquilo por que foram perdoados.
Em meio a todos os atropelos do julgamento da trama golpista, uma nova oportunidade de romper com a história de acomodação do Brasil se apresenta, ainda que as linhas sempre sejam tortas.
Se for mesmo para anistiar quem queria dar um golpe de Estado, como admitiram os advogados do julgamento da trama golpista, que os perdoados pelo menos demonstrem algum tipo de arrependimento e parem de posar de injustiçados, ou ninguém estará “seguindo em frente”.
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Comentários (6)
Fabio B
06.09.2025 19:27Marian, o golpe em questão pouco é sobre esses doidinhos e atrapalhados. O 8/1 foi só um espetáculo, um rescaldo de toda uma lavagem cerebral que esses pobres diabos sofreram; Mas a tentativa de ruptura não foi daquele espetáculo patético, vem bem de antes e só foi mais posto a prática após a derrota de 2022. Segundo a PF, Bolsonaro teve 14 reuniões com os comandantes das Forças buscando adesão a um plano para anular o resultado. Nessas tratativas, ele apresentou a tal “minuta” de um decreto aos comandantes. No entanto, Exército e Aeronáutica recusaram; o comandante do Exército, Gen. Freire Gomes, teria dito até que prenderia o Bolsonaro se ele insistisse, enquanto o então chefe da Marinha, Almir Garnier, sinalizou apoio em versões registradas em depoimentos dos outros comandantes no inquérito. E o Bolsonaro se desesperou após essa negativa e ameaça de prisão, ficou bastante abalado, foi até noticiado que ele estava abalado e não saia do quarto. Tanto que poucos dias depois fugiu para Flórida logo, nem esperou a posse do Lula. Ele só voltou por ganância, porque o Valdemar Costa Neto garantiu impunidade, que não daria em nada, mas a para o azar dele, deu em algo, kkkkk
Marian
06.09.2025 17:44Que golpe de Estado é esse com pipoqueiro, vendedor de algodão doce, velhinhas com bíblia nas mãos, morador de rua, senhor autista? Heim? Hoje em dia há registro de imagens em qualquer bar, qualquer quitanda, como não há registro do que essas pessoas fizeram? Anistia sim, se houve anistia para sequestradores, ladrões de banco e guerrilheiros tem que ter para essas pessoas .
FRANCISCO JUNIOR
06.09.2025 16:00Fábio B disse tudo, só acrescento que nos últimos dias meu voto migrou de Tarcísio para Ratinho ou Eduardo Leite (Zema já descartei por outro dia não ter se posicionado contra a ditadura militar).
Ariadne
06.09.2025 15:23Correção: não ressarciu!
Ariadne
06.09.2025 15:22De Anistia em Anistia, estamos sempre a dar voltas e a não sair do lugar! Tá explicado: o problema do país sãos as eternas Anistias! Getúlio Vargas anistiou os participantes da Intentona comunista mas ressarciu os prejudicados pela ideologia destes. Meu bisavô foi um homem honesto e trabalhou a vida inteira para sua família. Depois q Carlos Prestes e seus companheiros destruíram tudo o q ele havia construído, a saúde foi definhando e ficou para a família a tarefa de seguirem suas vidas sem os recursos q possuíam antes. Viva a Anistia?
Fabio B
06.09.2025 11:39Sempre é bom pontuar que os doidinhos atrapalhados que estão presos hoje são nada mais que lixo descartável, servem apenas de escudo para o Bolsonaro usar em benefício próprio. A liberdade deles não é o que de fato está em jogo, pois o Bolsonaro manteria todos em cana se isso implicasse na sua liberdade. Então o Tarcísio vem reforçando o discurso de anistia do Bolsonaro justamente para ter seu apoio mais declarado, indicando que possivelmente ele tem alinhamento com o STF para, no mínimo, garantir uma prisão domiciliar depois de um tempo. Agora, falar em volta à política é delírio, pois com certeza a inelegibilidade é definitiva. Mas acredito que o Bolsonaro poderia ainda concorre a síndico de algum condomínio da sua centena de imóveis comprados em cash com dinheiro vivo, fruto de roubo de dinheiro público.