Governo Lula desiste do arroz estatal
Após vexame que levou a cancelamento de leilão, ministro da Agricultura destaca monitoramento e estímulo à produção nacional como alternativa a compras do exterior
O Ministro da Agricultura, Carlos Fávaro (foto), anunciou nesta quarta-feira, 3, que o governo Lula não pretende, por enquanto, realizar novos leilões para a importação de arroz. A declaração foi feita durante entrevista à Globonews, quase um mês após Crusoé ter exposto que o pequeno supermercado “Queijo Minas” seria responsável por entregar 147,3 mil toneladas do grão, em uma transação superior a 736 milhões de reais (mais detalhes adiante).
No mês passado, o governo federal cancelou um leilão para a importação de 263 mil toneladas de arroz, devido a suspeitas de incapacidade técnica e financeira de algumas empresas vencedoras.
“Tivemos problemas, é fato, e cancelamos esses leilões. No entanto, o mais importante é que, com a sinalização do governo de comprar arroz importado para abastecer o mercado brasileiro, além da normalização das estradas, os preços do arroz já caíram, retornando aos níveis normais“, explicou Fávaro.
Só agora governo assume que não é necessário leilão do arroz
Atualmente, os preços do arroz em diversas regiões do país estão variando entre R$ 19 e R$ 25 por pacote de cinco quilos, valores considerados dentro da normalidade pelo ministro. “Me parece mais sensato, neste momento, monitorar o mercado. Não havendo especulação, na minha avaliação, não se faz necessário novos leilões“, afirmou ele.
Fávaro também mencionou que o governo possui um edital pronto e que haverá uma reunião com a Federação dos Arrozeiros do Rio Grande do Sul (Federarroz) e representantes da indústria ainda nesta quarta-feira. “Vamos buscar alguns compromissos com eles, incluindo a estabilidade de preço, logística e frete. Eles mesmos podem nos informar, se necessário, sobre uma eventual intervenção do governo. Por enquanto, é mais prudente, dado que os preços caíram, que tomemos outras medidas para estimular a produção. Não vejo a necessidade de novos leilões de importação“, completou.
Fávaro já estudava desistir do leilão
Em 22 de junho, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, afirmou que o governo “estava aberto” para desistir do leilão de compra do arroz importado.
“Se tiver outro mecanismo que faça com que o abastecimento se regularize a preços normais, sem especulação, o governo está sempre aberto ao diálogo”, disse o ministro em entrevista ao UOL.
Como noticiamos, o cancelamento da primeira tentativa de realizar o leilão foi anunciado pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) no último dia 11, mesmo dia em que o próprio Fávaro anunciou a saída do então secretário de Política Agrícola, Neri Geller, do governo.
Um ex-assessor de Geller, que também é sócio do filho dele em uma empresa, foi um dos negociadores do leilão. Entidades agrícolas e membros da oposição apontaram um suposto favorecimento da corretora do ex-funcionário de Neri Geller na concorrência.
Fávaro disse ainda que, se dependesse dele, já teria demitido o diretor da Conab responsável pelo leilão, Thiago José dos Santos.
“Não entendo por que não saiu ainda”, acrescentou.
Em 21 de junho o presidente Lula afirmou que a anulação do leilão do arroz ocorreu porque houve uma “falcatrua numa empresa”.
“Tomei a decisão de importar 1 milhão de toneladas. Depois tivemos anulação do leilão porque houve uma falcatrua numa empresa. O arroz tem que chegar na mesa do povo no mínimo a R$ 20 o pacote de cinco quilos. Não dá pra ser um preço exorbitante”, disse o petista.
Quais são as suspeitas sobre o leilão?
Como mostrou Crusoé, no leilão realizado em 6 de junho, para a compra de 263,3 mil toneladas de arroz, o governo federal aceitou que um pequeno supermercado, na região central de Macapá, fosse responsável por negociar mais da metade do valor negociado. A Wisley A. de Sousa LTDA, nome empresarial do supermercado “Queijo Minas”, ficaria sob a responsabilidade de entregar 147,3 mil toneladas do grão, em uma transação superior a 736 milhões de reais.
O governo Lula anunciou a compra de arroz logo após o início das enchentes no Rio Grande do Sul. O estado é responsável por 70% da produção nacional do grão, mas já havia colhido 80% do cereal antes das inundações.
A Conab afirmou que, no atual modelo de leilão, a estatal só fica sabendo quem são as empresas vencedoras após os resultados da operação. Isso porque quem intermedia as negociações são as bolsas de cereais.
O arroz seria vendido em pacotes de 5 quilos por um preço tabelado de R$ 20 e teria o rótulo do governo.
Arroz estatal derrubou mais de um
Na semana passada, o ministro Paulo Teixeira, do Desenvolvimento e Agricultura Familiar, anunciou a exoneração do diretor-executivo Thiago José dos Santos, responsável por ter elaborado a compra, fracassada, do grão.
Este cargo é responsável pela gestão dos leilões realizados pela companhia, que desempenham um papel fundamental na regulação dos preços e na garantia do abastecimento nacional.
“Isso já está resolvido [a exoneração do diretor]. O governo já resolveu isso. O próprio conselho hoje vai encaminhar“, disse o ministro.
Segundo a Conab, Thiago dos Santos é especialista em gestão pública e funcionário de carreira da esfera municipal de Mato Grosso. Foi assessor na Comissão de Agricultura, Pecuária, Abastecimento e Desenvolvimento Rural na Câmara dos Deputados, onde atuou na coordenadoria e na Vice-Presidência da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).
Nome do MST deixa a Conab
Milton Fornazieri deixou, no dia 10, o cargo de secretário de Abastecimento, Cooperativismo e Soberania Alimentar do Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura Familiar.
Fornazieri, ex-coordenador do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), teve sua exoneração publicada em portaria no Diário Oficial da União.
Em seu lugar, assumiu Ana Terra Reis, pesquisadora que tem como objeto de estudo o próprio MST e a reforma agrária no estado de São Paulo.
Nota técnica elaborada após o agendamento do leilão
Uma nota de uma página da Conab, sem informações técnicas e atualizadas sobre o estoque de arroz, é o único documento a justificar a compra de quase 300 mil toneladas do grão planejada pelo governo. O primeiro leilão, realizado no início do mês, foi anulado pelo governo por suspeitas graves de irregularidades.
A nota técnica, obtida pela Crusoé, foi assinada pelo diretor-executivo da Diretoria de Política Agrícola e Informações (Dipai) da Conab, Silvio Porto.
A primeira justificativa é baseada em dados da Associação Brasileira de Supermercados (Abras): “Os preços do arroz, após registrarem recuo nos meses de março (-0,90%) e abril (-1,93%), em decorrência de maior oferta desse cereal no mercado interno, devido ao período da colheita”, diz a nota .“Porém, entre 25 de abril e 28 de maio, o pacote de 5 kg do arroz tipo 1 subiu, em média, 11,31% nas marcas mais baratas, atingindo diretamente a população de baixa renda”. Outro dado utilizado por ele é o aumento no preço apurado pelo Procon do DF.
Sobre o leilão, que estava marcado para ocorrer um dia após a edição da nota técnica, a pasta se limita a dizer que a compra “é fundamental para contribuir para a normalidade no abastecimento interno de arroz”.
Não há, em nenhum momento da nota técnica, indicação do quanto dos estoques de grãos foram afetados pelas enchentes no Rio Grande do Sul. O estado, afetado pelas piores chuvas de sua história em maio, concentra 70% da produção de arroz no país. Os dados de danos aos estoques nunca foram apresentados publicamente, e especialistas ouvidos pela Crusoé nas últimas semanas indicam que a estatal, ligada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, possa estar trabalhando com números defasados.
A nota é assinada no dia 6 de junho, quase duas semanas após o governo já ter batido o martelo na compra por meio de Medida Provisória. Uma fonte ouvida pela reportagem diz que só essa troca de ordem na emissão da nota — que deveria ser antes da MP — seria suficiente para abrir um processo administrativo.
Compra do arroz estatal
O objetivo da compra do grão seria, na versão oficial do governo, repor o arroz que teria sido perdido pelas chuvas do Rio Grande do Sul. Estado responsável por 70% da produção nacional de arroz, a quebra de safra e perda do que já foi colhido em silos inundados poderia colocar a demanda nacional, hoje em 11 milhões de toneladas/ano, em risco.
Produtores gaúchos indicaram que o risco de desabastecimento é pequeno, e ex-presidentes da Conab cobraram dados técnicos atualizados e recentes da Conab que justifiquem o investimento de 1,3 bilhão em arroz. Comprado a cerca de 5 reais o quilo, o governo o venderá de maneira subsidiada, a 4 reais o quilo.
A estratégia de uso da Conab no governo do PT, intervindo no mercado com o aumento da oferta do grão do arroz, foi defendida por Edegar Pretto, o atual presidente da Conab e ele próprio ligado a uma família histórica do MST gaúcho.
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