Nem Lula nem os empresários da fé têm razão
A revogação da norma que assegurava que entidades religiosas são isentas de impostos sobre a contribuição previdenciária de seus ministros foi uma burrada da Receita Federal e, por consequência, do governo Lula, ao qual ela está submetida...
A suspensão da norma que assegurava que entidades religiosas são isentas de impostos sobre a contribuição previdenciária de seus ministros foi uma burrada da Receita Federal e, por consequência, do governo Lula, ao qual ela está submetida.
Toda a legislação brasileira vigente, a começar pelo artigo 150 da Constituição, está orientada no sentido de garantir às religiões a mais ampla imunidade possível ao recolhimento de tributos.
Leis de 1991, no governo Fernando Henrique Cardoso, e de 2015, no governo Dilma Rousseff, procuraram esclarecer que os templos e igrejas não pagam tributo sobre a remuneração de sacerdotes – as chamadas “prebendas”.
Estão certos os líderes evangélicos ao dizer que a regra editada no final do governo Bolsonaro, e agora suspensa, tinha sobretudo finalidade elucidativa, ou seja, pretendia deixar claro aos fiscais da Receita como interpretar a legislação.
Eles também estão certos, portanto, ao julgar que o governo quis dar uma de esperto (certamente para aumentar a arrecadação), criando circunstâncias em que algumas entidades acabarão sendo autuadas e outras passarão incólumes. Tudo vai depender do entendimento do fiscal. O judiciário e as instâncias administrativas acabarão sendo acionadas por recursos.
Artimanhas da esquerda
Parece ser mais uma daquelas situações em que a esquerda recorre a uma artimanha para cassar um benefício que considera injusto – uma vantagem concedida a gente que a esquerda abomina.
Eu também acho que essa isenção particular é injustificada. Nem por isso, acredito que ela possa ser revogada por um ato da Receita.
A discussão deveria ser feita às claras, no Congresso – ainda que seja mais fácil um camelo passar pelo buraco de uma agulha do que um líder religioso abrir mão de uma vantagem fiscal.
A primeira coisa que precisa ficar clara é que são as instituições as beneficiárias da isenção. Os clérigos que recebem o dinheiro, por outro lado, são considerados contribuintes obrigatórios da Previdência Social.
Os pequeninos de Jesus arcam com o pagamento, enquanto as igrejas não têm de enfiar a mão no bolso. Não é à toa que o patrimônio de Edir Macedo é estimado em mais de R$ 2 bilhões e o de Silas Malafaia, em mais de R$ 300 milhões.
Casa construída na areia
A argumentação que livra templos e igrejas de recolher qualquer tipo de contribuição patronal por aquilo que pagam aos seus ministros é toda cheia de contorcionismos, mostrando que é uma casa construída sobre a areia.
O primeiro malabarismo é dizer que o ministério religioso é uma “vocação” e, portanto, não deve estar sujeita à lógica das profissões.
Se for assim, donos de clínicas médicas que abraçaram por vocação a tarefa de cuidar da saúde física dos pacientes deveriam ser isentos – com maior razão ainda, pois são mais generosos ao tratar tanto dos crentes quanto dos ateus. O mesmo vale para psicólogos e psiquiatras, que também são médicos de almas.
Existe ainda a história da “prebenda”, palavra utilizada para fingir que os pregadores não ganham salário.
Pouco importa o termo usado. A religião está cada vez mais organizada como empreendimento.
Não faltam histórias de pastores obrigados a cumprir metas, como se trabalhassem nas empresas de Jorge Paulo Lemann, Beto Sicupira e Marcel Telles.
Lojas Americanas do espírito
Os donos dos megaempreendimentos da fé – as lojas Americanas do espírito – deveriam ter a decência de contribuir com nosso sistema previdenciário, que tem déficit e onera todos os brasileiros.
Não vou brigar por causa de todas as isenções dadas a entidades religiosas. Mas, se Deus me ouvisse, fulminaria essa benesse específica concedida aos patrões da religião, Igreja católica inclusa.
Lula, que se acha um deus, resolveu fulminar sozinho aquilo que vem sendo construído ao longo de muitas décadas de legislação. Vai apanhar por causa disso, amém.
Teria sido mais digno se, para alcançar o que pretende, fosse pregar naquele deserto que é o Congresso.
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