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Augusto de Franco: “O Brasil Paralelo do PT”

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8 minutos de leitura 24.02.2023 12:08 comentários
Opinião

Augusto de Franco: “O Brasil Paralelo do PT”

Lula (foto) deu a senha ao dizer – na sua entrevista à CNN (em 16/02/2022) – que temos (quer dizer, que o PT tem) que criar uma nova narrativa e difundí-la na sociedade brasileira...

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Augusto de Franco: “O Brasil Paralelo do PT”
Foto: Adriano Machado/ O Antagonista

Lula (foto) deu a senha ao dizer – na sua entrevista à CNN (em 16/02/2022) – que temos (quer dizer, que o PT tem) que criar uma nova narrativa e difundí-la na sociedade brasileira.

Para a turma que reclamava de falsa simetria, eis aí uma verdadeira e perfeita simetria. A tal “guerra cultural”, encarada como uma forma de luta do populismo de extrema-direita, agora também é a do populismo de esquerda.

A construção de um Brasil Paralelo do PT já começou. Não começou na campanha eleitoral, pois Lula precisava dos votos dos não-petistas que queriam remover Bolsonaro. Começou logo após a proclamação do resultado do pleito de 2022.

O bordão “O Brasil Voltou”, usado na propaganda governista, significa exatamente o seguinte: “O PT Voltou”. Não um novo PT e sim o velho partido de sempre.

Para entender qual o PT que voltou basta ler a última resolução do Diretório Nacional do PT, aprovada na sua reunião de 13/02/2023, em Brasília.

Examinemos alguns pontos, mais escandalosos, do documento.

O texto começa dizendo que vivemos em um “histórico momento de retomada do projeto democrático, popular e soberano no Brasil, sob a liderança excepcional do Presidente Lula”. Ora, numa democracia um projeto partidário não pode ser soberano. Só a lei, democraticamente aprovada, é soberana. Não é de hoje que o PT insiste nesse conceito autocrático de soberania (uma remanescência das monarquias absolutistas).

Em seguida afirma que “a coalizão democrática representada pela chapa Lula -Alckmin, liderada pelo PT, reconheceu em Lula e em seu programa o único caminho possível para o resgate de nosso povo e de nosso país na encruzilhada histórica em que estava”. É um embuste. A maioria da população (quer dizer, do eleitorado que votou) não reconheceu em Lula e em seu programa o único caminho possível. Simplesmente votou em Lula porque, numa eleição em dois turnos, era ele ou Bolsonaro. Votaria em Lula fosse qual fosse o seu programa (que, aliás, jamais foi apresentado durante a campanha) porque queria remover o irresponsável Bolsonaro.

Mais adiante a resolução diz que “para derrotar tanto o neoliberalismo quanto o neofascismo será necessário ampliar a unidade das nossas forças políticas e sociais do campo da esquerda, ancoradas nos movimentos sociais e na classe trabalhadora”. Ou seja, o PT tirou do arquivo-morto dos anos 90 o fantasma do neoliberalismo, igualado – em termos de inimigo principal a ser destruído, quer dizer, construído – ao neofascismo.

Os que acharam que a unidade perseguida pelo novo governo era a dos democratas contra o bolsonarismo, consolidada em uma frente ampla, podem perder as ilusões. A unidade é classista, forjada no campo da esquerda.

E quem são os neoliberais que devem ser derrotados ? Neste momento Simone Tebet e Geraldo Alckmin, os dois enfeites da falsa frente ampla petista (anunciada apenas para vencer as eleições), devem estar preocupados. Pois sabem que o PT propositalmente confunde neoliberal com liberal.

Prosseguindo, o texto afirma que “cabe ao governo do Presidente Lula, com toda a dimensão de sua autoridade política, social e moral, e ao PT como seu partido, reconstruir o tecido social”. Ora, reconstruir o tecido social é uma tarefa da sociedade pelo exercício continuado de suas diversas formas de sociabilidade; não cabe a um governo com base em sua autoridade (ou seja, de cima para baixo). Além de tudo, é pelo menos discutível essa “autoridade… moral” de Lula. A rigor é mesmo uma farsa. Lula foi condenado por corrupção e outros crimes por muitos juízes (não apenas pelo parcial Sergio Moro), em vários tribunais. E jamais foi absolvido. Suas condenações foram anuladas por razões procedimentais (foro errado), não tendo sido julgado novamente o mérito das acusações por efeito de prescrição em razão da idade avançada do réu.

O negacionismo petista volta mais adiante no documento ao mencionar “as falsas denúncias engendradas contra nossos governos, nosso partido e nossas lideranças, desde o primeiro governo do presidente Lula e que se seguiram nos governos da presidenta Dilma”. No Brasil Paralelo do PT todas as denúncias contra os dirigentes partidários, com destaque para os processos do mensalão e do petrolão, foram falsas. As “lideranças” petistas envolvidas em múltiplas falcatruas, que lesaram “o patrimônio do povo brasileiro” (para usar uma expressão do próprio documento), foram vítimas de um golpe. Sim, a resolução do PT está dizendo que Dirceu, Genoíno, Delúbio, Vaccari, Ferreira, Palocci, João Paulo, Bernardo, Lacerda, Vaccarezza, Delcídio, Vargas e Silvinho Land Rover — entre tantos e tantos outros, foram todos injustiçados. Não é só uma mentira. É um acinte.

Mas o documento acrescenta em seguida que esse foi “um projeto articulado de fora”. Ou seja, como não se cansa de repetir a militância petista, tudo não passou de um golpe das elites, apoiadas pela CIA e pelo FBI, para destruir a Petrobrás e as empreiteiras, tomar o pré-sal e prender o Lula. Além de fake news, é muito descaramento.

O negacionismo não para por aí. Ao descrever o papel do PT, a resolução afirma que “desde o golpe contra a presidenta Dilma, em 2016, nosso partido passou por um longo processo de luta e resistência”. Mais uma fake news. A de que o impeachment constitucional de Dilma Rousseff foi um golpe de Estado. A direção do partido não explica como abrigou no seio do governo vários golpistas. E não explica por que nunca fez um movimento concreto sequer para denunciar os golpistas, inclusive o do Supremo Tribunal Federal, que presidiu o processo de impedimento no Senado.

Após o negacionismo, vem o hegemonismo. “Ao nosso Governo cabe liderar o maior processo de participação popular da história do país, combinando participação, fortalecimento da organização popular nos territórios, educação popular e comunicação de massas”. Ou seja, a participação popular deve ser liderada (organizada, conduzida) pelo governo do PT. Numa democracia, essa participação não deveria ser plural, diversa e autônoma? Na final fica claro que, para o PT, é o Estado que deve educar a sociedade.

O “fecho de ouro” da resolução da direção petista é a política externa – o calcanhar de Aquiles de todos os populismos. O documento afirma que “acertadamente, o Presidente Lula descartou o alinhamento neste conflito” [Rússia x Ucrânia]. Aqui o PT endossa a posição vergonhosa de Lula (e do seu governo – repetindo, aliás, a posição do governo Bolsonaro – olha aí, mais uma vez, a verdadeira simetria) de não apoiar a resistência ucraniana contra a invasão do ditador Vladimir Putin. Ora, como diz a Carta da ONU, os países que defendem a Ucrânia da agressão gratuita da Rússia não são “alinhados” num conflito. Não estão em guerra. E o Brasil defender a vítima de uma invasão militar injustificada não significaria, ao contrário do que declarou Lula, entrar em guerra. Pelo contrário, a posição do PT é, esta sim, de alinhamento ao bloco das autocracias na segunda grande guerra fria que está começando.

E mesmo que Lula e o PT, pressionados pelas nações democráticas, sejam compelidos a mudar de posição em relação à guerra de Putin contra as democracias liberais, isso não significará que eles mudaram a forma de pensar. Continuarão sendo militantes da guerra fria, estatistas, populistas e contra-liberais.

No último parágrafo, em tom grandiloquente, o texto afirma: “Temos a convicção de que só um PT forte e um povo organizado sustentarão um longo ciclo de transformações sociais profundas no Brasil. Só o PT, nascido e criado na luta democrática será capaz de conduzir a nação brasileira no rumo da democracia, da soberania e da justiça social, em consonância com os países da América Latina e do Caribe, para juntos nos inserirmos de forma soberana no sistema mundial como uma região feliz, justa e democrática”. Caberia perguntar: quais países da América Latina? Certamente o PT não está se referindo, preferencialmente, às três únicas democracias liberais do continente (Costa Rica, Chile e Uruguai). E mais uma pergunta: quais países do Caribe? Certamente o PT não está se referindo, preferencialmente, à única democracia liberal da região (Barbados). O leitor não terá dificuldade de identificar que as referências principais aqui são as democracias eleitorais parasitadas por governos populistas de esquerda (como Bolívia, Argentina, México, Colômbia e Peru), as autocracias eleitorais (como Venezuela e Nicarágua) e a única autocracia fechada (Cuba).

Está “serto”. Tudo, no Brasil Paralelo do velho PT que voltou, começa e acaba em Cuba.

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