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Os amigos da corrupção querem convencer você de que combatem a corrupção 

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Carlos Graieb
7 minutos de leitura 19.03.2024 17:28 comentários
Análise

Os amigos da corrupção querem convencer você de que combatem a corrupção 

Advogado que ajudou a suspender acordos de leniência diz que objetivo é "salvar alguns resultados positivos da Lava Jato"

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Carlos Graieb
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Os amigos da corrupção querem convencer você de que combatem a corrupção 
Foto: Reprodução/YouTube

Walfrido Warde foi o advogado escolhido pelos partidos de esquerda – PSOL, PCdoB e Solidariedade, guarde os nomes – que se compadeceram das empresas flagradas pela Lava Jato e entraram com uma ação no STF para que elas paguem menos multas, menos ressarcimentos.

Há uma entrevista dele à Folha de S. Paulo nesta terça-feira (19), argumentando que o único interesse dessa claque de amigos da corrupção, veja só, é combater a corrupção.  

Warde afirma que a ação que ele patrocina tem um único objetivo: “criar um ambiente regulatório sólido para combater a corrupção no Brasil”. Mais ainda, ele diz e os partidos de esquerda – que rodeiam o PT assim como as naves do Império orbitam a Estrela da Morte, em Guerra nas Estrelas – têm o propósito de “salvar alguns resultados positivos da Lava Jato”. Nada a ver com beneficiar corruptos.  

Pois é: nós que observamos há anos as reviravoltas de jurisprudência do STF, a anulação de provas hígidas para enterrar processos, os ataques políticos e o revisionismo histórico realizados sem descanso – nós estávamos completamente enganados. Ainda bem que existe um Walfrido Warde para nos tirar do erro, com esse cinismo que é um santo remédio. Ainda bem que existem os advogados milionários de esquerda do Prerrogativas.  

CGU e AGU vão entrar nessa?

O que diz Walfrido Warde? Não exatamente que as empresas foram coagidas a confessar seus crimes, porque aí já seria demais, se lembrarmos das risadas de Emilio Odebrecht diante dos procuradores da Lava Jato, relatando como os políticos tentavam engambelar sua empresa para arrancar mais propina do que o combinado.

A alegação é que as empresas foram coagidas a pagar valores exorbitantes e que isso pôs sua sobrevivência em risco.  

O curioso é que a lei prevê um mecanismo para que as empresas rediscutam as obrigações que assumiram, se isso for necessário para que se mantenham no mercado. E alguma das empresas havia acionado esse mecanismo antes da ação ajuizada pelos amigos da corrupção?  

Não! Nenhuma delas! Certamente porque previam as dificuldades que experimentam agora, em meio à renegociação autorizada pelo ministro André Mendonça: nem a CGU nem a AGU estão dispostas a reduzir drasticamente os valores.  

Talvez até existisse alguma boa vontade em relação à causa das empresas por parte de figuras como Jorge Messias, o AGU indicado por Lula. Mas ele e sua equipe sabem que a medida, além de afetar a imagem da instituição, deixaria o Tesouro a ver navios – lembremos, estamos falando de bilhões de reais. 

Mais importante ainda, CGU e AGU sabem que os dois órgãos fecharam, ao menos com a Odebrecht, um acordo idêntico ao que havia sido feito pelo Ministério Público Federal. Idêntico. Não estão dispostos a macular a si próprios com essa lorota de coação.  

O MPF na mira

Pois é, as empresas não se mexeram, mas de repente aparece Walfrido Warde, vestido numa armadura brilhante como a de São Jorge, com uma tese que não diz respeito somente à capacidade financeira das empresas de pagar o seu castigo, mas que é político-jurídica: a Lava Jato criou um “estado de coisas inconstitucional”.

Estado de coisas inconstitucional é um negócio cabeludo, significa que todos os poderes da República falharam simultaneamente em proteger os direitos humanos de uma massa de pessoas, criando uma situação sistêmica calamitosa. 

E por que, segundo Warde, isso teria acontecido no Brasil? Porque foi o Ministério Público Federal quem fechou a maioria dos acordos de leniência da Lava Jato.

Em outras palavras, ao fechar acordos que foram revisados e ratificados em várias instâncias, o MPF teria desrespeitado os “direitos humanos” de pessoas jurídicas, criando o tal estado de coisas inconstitucional. Hahahahaha. É engraçado demais.  

Mas aqui chegamos num ponto importante dessa história. O seu segundo objetivo principal – além de aliviar as contas dos corruptos – parece ser o de afastar o Ministério Público dos acordos de leniência para sempre. Essa pode ser a grande mudança estrutural no combate à corrupção decorrente do episódio todo. O extraordinário avanço anunciado por Walfrido Warde.  

Teoria da conspiração

Sim, existe uma discussão relevante aí. A lei menciona a CGU como órgão responsável por fazer acordos de leniência em casos semelhantes aos da Lava Jato. Mas uma interpretação do sistema legal e processual brasileiro, com base em princípios constitucionais e na maneira como investigações e processos contra a corrupção funcionam na prática, torna perfeitamente sustentável a participação do MP nesses casos. Isso vem acontecendo há anos, aos olhos de todos, inclusive do STF, que ratificou todos os acordos assinados até hoje.  

E é mentira que os acordos feitos pelo MP são carentes de qualquer metodologia – que não representam “um combate à corrupção racional”, nas palavras de Warde.

Toda novidade – e as leniências são uma novidade no Brasil – demanda algum tempo para ser devidamente operacionalizada. Ora, 5ª Câmara do MPF, órgão colegiado encarregado de revisar as leniências dentro da instituição, não ficou inerte. Estabeleceu diversas diretrizes que hoje precisam ser seguidas por todos os procuradores. O que o MPF não fez, foi aderir a um acordo firmado em 2020 pela AGU e pela CGU, sob auspícios do STF.  

Diante dessa situação, o STF pode decidir várias coisas. Por exemplo, que tudo continua como está. Ou que o MPF precisa aderir às regras criadas pelos outros órgãos. Pode decidir, inclusive, que é inconstitucional o MPF atuar em leniências. O ministro Gilmar Mendes, por exemplo, já deixou claro no plenário e nas entrevistas que não se cansa de dar, que está salivando para tomar fazer isso.

O que o STF não pode é tratar tudo que aconteceu até hoje como uma grande conspiração criminosa do Ministério Público, na qual os próprios ministros, coitados, caíram como patinhos.  Esse tipo de teoria da conspiração não vai “criar um ambiente regulatório sólido” nem fornecer as bases para um “combate à corrupção racional”.  

A corte também terá de provar que banir o órgão das leniências é a melhor solução para o combate à corrupção no futuro. Ou será que ela, que legisla o tempo todo, agora vai se apegar estritamente à letra da lei? Há uma primeira vez para tudo… 

Cartel

Encerro com uma última observação sobre a entrevista de Walfrido Warde. Ele diz que os partidos de esquerda amigos da corrupção o contrataram porque “sabem que se as empresas perecerem, não haverá empregos”. E mais bonito ainda: “Como esses patriotas trabalham com setores mais carentes, talvez sejam mais sensíveis do que os de direita.” 

Warde, como ele faz questão de lembrar, é advogado empresarial. Ele sabe muito bem, portanto, que as empreiteiras flagradas na Lava Jato, além de corromperem políticos e agentes públicos, formaram um esquema de cartel.

Esse cartel viciou por anos o mercado de infraestrutura brasileiro. Certamente abortou ou assassinou outras empresas no berço. Depois que ele foi desfeito, o ranking da engenharia no Brasil mudou, com a ascensão de novas companhias.

O setor vive. Aliás, nem todas as empresas da Lava Jato morreram nesse novo cenário. Algumas, como Odebrecht-Novonor e Andrade Gutierrez, continuam grandes e inclusive estão voltando a disputar contratos públicos.

Se outras estão com o pé na cova, certamente não é por causa das multas que se comprometeram a pagar, mas porque cresceram naquele ambiente viciado e não sabem competir ao ar livre.

Não somos nós, contribuintes, que precisamos tirá-las do coma, ao contrário do que dizem Warde e seus “patriotas”.  

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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