Galípolo no trem fantasma
Novo presidente do Banco Central terá de enfrentar Lula, Gleisi, Lindbergh, Mantega, Belluzzo e uma série de outras assombrações enquanto tenta controlar a inflação
Gabriel Galípolo assume oficialmente o comando do Banco Central em 1º de janeiro de 2025. Mas já estava liderando, com um peso progressivamente maior como diretor de Política Monetária, as decisões da instituição responsável por controlar a inflação, segundo Roberto Campos Neto, de quem Galípolo assumirá o lugar.
Os dois trocaram amabilidades em 19 de dezembro, quando Campos Neto protagonizou sua última entrevista coletiva como presidente do BC.
Naquela apresentação do relatório de inflação, os dois disseram que foi Galípolo que esteve à frente da decisão, muito criticada pelos petistas, de elevar a taxa básica de juros em um ponto percentual e de contratar mais duas altas da mesma intensidade nas primeiras reuniões de 2025.
Confiança
“Todos os diretores deram todo o apoio para que a gente tomasse a frente do processo de decisão do que aconteceria neste Copom, inclusive o guidance. O Roberto foi muito claro, na reunião, que entendia que essa era uma reunião para se deixar a responsabilidade comigo, que a minha voz tinha que ter uma voz distinta, e agradeço ao Roberto e a todos os diretores”, disse Galípolo.
A passagem de bastão foi tão suave naquela quinta-feira, quando o futuro presidente do BC aproveitou para desmentir a narrativa petista contra o mercado financeiro, que ajudou a conter a alta do dólar iniciada em 27 de novembro, após a atrapalhada apresentação do pacote fiscal pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Depois que a moeda americana chegou ao pico de 6,30 reais, naquela mesma quinta, o BC vem segurando a alta ao custo do leilão de 30 bilhões de dólares em reservas internacionais.
Desconfiança
Um dia depois da coletiva de Campos Neto e Galípolo, o presidente Lula apresentou ao Brasil em um anúncio feito por vídeo “esse jovem chamado Galípolo“, a quem prometeu “que jamais, jamais haverá da parte da presidência qualquer interferência no trabalho que você tem que fazer do Banco Central“.
Lula não pode interferir no trabalho do presidente do Banco Central, autônomo por lei desde 2021, mas passou os dois primeiros anos de seu governo reclamando de Campos Neto. É por isso que a indicação de Galípolo para comandar a instituição gerou tanta desconfiança.
Cinco dias antes de elogiar seu indicado em mensagem de vídeo, o petista tinha tido em entrevista que “a única coisa errada nesse país é a taxa de juros estar acima de 12%”, e não o fato de seu governo gastar muito além do que prometeu fazer no novo arcabouço fiscal.
“A inflação está quatro e pouco, é uma inflação totalmente controlada. Totalmente controlada. A irresponsabilidade é de quem aumenta a taxa de juros todo dia. Não é do governo federal. Mas nós vamos cuidar disso também”, prometeu Lula. Como? Interferindo no BC?
Trem fantasma
Lula é a principal assombração do trem fantasma que promete ser a gestão de Galípolo no BC. Não por acaso o economista comandará suas duas primeiras reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom) com a promessa já contratada de duas elevações contundentes da taxa Selic, para amenizar o desgaste político de levar a taxa básica de juros para além de 14% ao ano.
Campos Neto também foi alvo de desconfiança, principalmente depois de ter ido votar com camisa da seleção brasileira em 2022, numa demonstração de apoio a Jair Bolsonaro, que o indicou para o BC. “Hoje eu teria feito diferente“, disse em entrevista, mas o fato é que essa camisa valeu a Lula o discurso de que seu governo estava sendo sabotado por um adversário.
É o que repetiu o ex-ministro da Fazenda Guido Mantega, outra das assombrações do trem fantasma de Galípolo, em entrevista recente ao Uol: “Ele [Campos Neto] é um cavalo de troia do governo Bolsonaro”. O pai da nova matiz econômica disse que Campos Neto criou uma “crise artificial”.
Henrique Meirelles, presidente do BC nos dois primeiros mandatos de Lula, tem dito o contrário: “O nervosismo recente do mercado mostra a necessidade de um ajuste fiscal para conter a trajetória ascendente da dívida pública”.
“Agora a gente tem influência“
Quem também promete jogar contra os esforços de Galípolo para ganhar a confiança dos agentes financeiros é o deputado federal Lingbergh Farias (PT-RJ), futuro líder do PT na Câmara. “Agora a gente tem influência na política cambial, monetária e fiscal”, celebrou o parlamentar em entrevista. Para o petista, Galípolo tem de se preocupar em não desacelerar a economia ao combater a inflação.
Não bastasse esse time de assombrações, que conta também com os palpites infinitos da presidente do PT, Gleisi Hoffmann (PR), ressurgiu o fantasma de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista heterodoxo com que Galípolo publicou diversos livros, como “A escassez na abundância capitalista” (2019) e “Manda Quem Pode, Obedece Quem tem Prejuízo” (2017).
“Eu comparo o governo a um time que quer atacar e está enfrentando outro time que faz retranca – e a retranca é a opinião, sobretudo, do mercado financeiro”, disse Belluzzo em entrevista publicada em agosto, numa análise com a qual o Galípolo do BC não concordaria, porque, como ele mesmo disse, “não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico”.
O tamanho do desafio
A pesquisa Genial/Quaest com agentes do mercado financeiro divulgada em 4 de dezembro indicou que 70% deles confiam muito em Campos Neto; 26% confiam mais ou menos e apenas 4%, pouco ou nada.
No caso de Galípolo, só 5% confiam muito, enquanto 40% confiam mais ou menos e 55% confiam pouco ou nada. Além disso, 44% disseram acreditar que ele tomará decisões sob influência política no comando do BC.
Num momento em que se fala no risco de dominância fiscal, uma situação em que a dívida pública aumenta tanto que a taxa básica de juros perde a força para controlar a inflação, o passeio de Galípolo no trem fantasma do BC promete emoção não apenas para ele, mas para o Brasil inteiro.
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Comentários (1)
Clayton De Souza pontes
28.12.2024 13:20Não será fácil o Galipolo se descolar desses petistas aloprados pra aumentar a confiança dos agentes do mercado. O tempo é o senhor da razão