Crusoé: Vargas Llosa vive!
O escritor peruano foi um dos mais avessos ao populismo latino-americano, seja de esquerda ou de direita

Não pode haver nada mais oposto aos ideais do escritor peruano Mario Vargas Llosa do que a visão mítica de muitos latino-americanos de que seus gurus fazem apenas uma “despedida terrena” na hora da morte, pois continuam atuando no planeta.
O que esses homens deixaram para a América Latina foi um legado de destruição, impedindo que seus países se desenvolvessem e melhorassem as condições de vida da população.
O peruano Mario Vargas Llosa, que morreu em Lima neste domingo, 13, aos 89 anos, foi um dos mais avessos ao populismo latino-americano, seja de esquerda ou de direita.
Antifujimorismo
Nas urnas, ele enfrentou Alberto Fujimori, e acabou sendo derrotado, em 1990. Depois, seguiu como o maior crítico do fujimorismo até que o populismo de esquerda se mostrasse uma ameaça ainda pior.
Apesar de ter uma bagagem de esquerda (ele admirava a Revolução Cubana e chegou a fazer protestos na frente da Embaixada Americana), Vargas Llosa corrigiu o rumo ao constatar o autoritarismo crescente em Cuba, com a prisão de dissidentes e de poetas.
É ainda lá pelos anos 1980 que ele passou a defender ideias liberais. As soluções para os países latino-americanos, segundo ele, deveriam ser aquelas já testadas com sucesso em outros países, como o equilíbrio fiscal, o livre mercado, a força das instituições e a garantia das liberdades individuais.
O problema, porém, é que essas eram soluções chatas, enfadonhas, e iam na contramão do sentimento tão prevalente na América Latina de esperar um salvador poderoso capaz de redimir o mundo.
García Márquez
Vargas Llosa, assim, foi na direção oposta da de outro escritor, o colombiano Gabriel García Márquez, que nutria uma adulação por líderes caquéticos comunistas, mesmo quando eles já tinham destruído tudo ao redor.
A culpa dos insucessos regionais para o colombiano “Gabo” nunca eram das decisões erradas, autoritárias, mas das boas intenções que nunca eram totalmente realizadas, por razões exteriores.
Enquanto García Márquez acreditava religiosamente nas boas intenções dos líderes autoritários, Vargas Llosa os atacava sem piedade.
Seus ensaios publicados no jornal espanhol El País e também no Estadão influenciaram gerações de liberais.
Pé frio
Com seu impacto gigantesco, fruto de uma clareza moral e de uma pena elegante, uma torcida se formou do outro lado para que suas previsões eleitorais nunca se realizassem nas urnas.
De fato, a teimosia de Vargas Llosa em apoiar os candidatos que acabavam sendo derrotados lhe deram a fama de pé frio.
O estado lamentável do Peru de hoje, com uma presidente, Dina Boluarte, inexpressiva e acusada de ostentar relógios caríssimos sem ter salário para tanto, é um sintoma disso.
Sua decepção com o Peru e a acolhida calorosa que sempre teve entre espanhóis encantados com seu texto brilhante o fez dividir seu tempo entre Lima e Madri, onde tornou-se cidadão espanhol.
Ao tornar-se ele mesmo uma ponte entre dois continentes, dialogando com várias tradições, Vargas Llosa se tornou um dos autores mais profícuos da língua espanhola, tanto em ensaios como em romances.
Incas
Vargas Llosa também foi um dos mais animados a resgatar a obra de Inca Garcilaso de la Vega, que nasceu em Cusco, no Peru, logo após a conquista espanhola.
Inca, que morreu na Europa, entrevistou os seus contemporâneos incas no Peru…
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