Coletiva de Lewandowski violou direitos e escancarou argumentos de ocasião
Moraes também atropelou a lei, a julgar pelo relato do ministro de Lula
A coletiva de Ricardo Lewandowski (foto), ministro da Justiça e Segurança Pública do governo Lula que assumiu o papel de porta-voz de Alexandre de Moraes ao anunciar a decisão do relator de homologar a delação premiada de Ronnie Lessa no caso Marielle, violou direitos do colaborador previstos em lei e escancarou argumentos de ocasião usados contra a Lava Jato e agora ignorados pelos detratares da força-tarefa.
“Eu acabo de estar com o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, e que me comunicou oficialmente que ele homologou a colaboração premiada do ex-policial Ronnie Lessa, depois de ter passado no dia de ontem por uma audiência com o juiz auxiliar do ministro Alexandre de Moraes, em que ele confirma todos os termos da colaboração premiada”, disse Lewandowski na noite de terça-feira, 19.
O artigo 5º da Lei 12.850/2013 diz que “são direitos do colaborador”:
- “II – ter nome, qualificação, imagem e demais informações pessoais preservados”;
- “V – não ter sua identidade revelada pelos meios de comunicação, nem ser fotografado ou filmado, sem sua prévia autorização por escrito”.
Os três trechos destacados em negrito por O Antagonista foram violados na referida declaração do ministro de Lula, sendo que os dois primeiros, a julgar por seu relato, também foram violados por seu ex-colega de STF.
Violação
Moraes, ao relatar para Lewandowski o teor de sua decisão, a presença do colaborador em audiência com seu juiz auxiliar e a confirmação de todos os termos, deixou de preservar o nome de Ronnie Lessa e demais informações pessoais sobre o ex-policial, assim como fez o ministro de Lula, com o agravante de ter revelado a meios de comunicação a sua identidade.
O fato de Lewandowski e Moraes serem ex-colegas com intimidade entre si não deveria levar profissionais da comunicação a naturalizar a troca de informações sigilosas entre membros dos Poderes Judiciário e Executivo, nem o atropelo da lei por aqueles que se dizem defensores do Estado Democrático de Direito.
Na cadeia
Um procurador ouvido por O Antagonista comentou: “Imagine a situação desse colaborador lá na cadeia, onde está convivendo com presos perigosos, cujo código de conduta reputa gravíssima a conduta de quem delata os comparsas. O Ministério da Justiça colocou em risco a segurança do colaborador. Além de mandar um recado para outros candidatos a colaboradores: ‘Vocês tem direito ao sigilo e à preservação do nome e de outras informações, mas nós não vamos respeitar isso.’ Ronnie Lessa pode processar a União e pedir indenização.”
A lei garante que a colaboração é sigilosa até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, de modo que nem o magistrado pode levantar o sigilo do caso, ou vazar informações, antes delas. Diz o artigo 7º, que não inclui ministro de governo entre pessoas com acesso aos autos:
“O pedido de homologação do acordo será sigilosamente distribuído, contendo apenas informações que não possam identificar o colaborador e o seu objeto.
§ 1º As informações pormenorizadas da colaboração serão dirigidas diretamente ao juiz a que recair a distribuição, que decidirá no prazo de 48 (quarenta e oito) horas.
§ 2º O acesso aos autos será restrito ao juiz, ao Ministério Público e ao delegado de polícia, como forma de garantir o êxito das investigações, assegurando-se ao defensor, no interesse do representado, amplo acesso aos elementos de prova que digam respeito ao exercício do direito de defesa, devidamente precedido de autorização judicial, ressalvados os referentes às diligências em andamento.
§ 3º O acordo de colaboração premiada e os depoimentos do colaborador serão mantidos em sigilo até o recebimento da denúncia ou da queixa-crime, sendo vedado ao magistrado decidir por sua publicidade em qualquer hipótese. (Redação dada pela Lei nº 13.964, de 2019)”.
“Pacote Anticrime”
Isto significa que o “Pacote Anticrime” aprovado no Congresso vedava “em qualquer hipótese” que Moraes desse publicidade ao acordo, colocando em risco o êxito das investigações. Ou seja, a hipótese de fofocar com um amigo de outro Poder também está excluída por lei, mesmo que o amigo convoque coletiva para dar ares institucionais a fofocas e vazamentos.
Listados na edição especial da Crusoé sobre os dez anos da Lava Jato, os argumentos de ocasião usados contra a força-tarefa ficaram ainda mais evidentes no episódio, que merece uma lista específica, com os seguintes exemplos:
- 1. “Conluio entre juiz, parte e imprensa, com vazamentos seletivos”. O relator Moraes tem não apenas acesso direto à “PF do Xandão”, mas também vaza ao amigo ministro do governo Lula, em cuja base está o partido da vítima de assassinato, o PSOL, informações de colaboração premiada, depois repassadas por Lewandowski à imprensa. No dia seguinte, a imprensa ainda publicou outro material vazado, confirmando que Ronnie Lessa citou o deputado federal Chiquinho Brazão.
- 2. “Espetacularização midiática”. Até a viúva de Marielle, Monica Benicio, reclamou do “espetáculo” de Lewandowski que “nada colabora com a esperança, apenas aumenta as especulações e uma disputa de protagonismo político que não honram as duas pessoas assassinadas”. A outra foi o motorista Anderson Gomes. Monica ainda criticou o “fechamento vazio” do pronunciamento do ministro, ao dizer “brevemente pensamos que teremos resultados concretos”. “Espero que a próxima coletiva convocada seja para fazer um pronunciamento de ordem concreta e realmente comprometida com a justiça”, reagiu ela. O governo Lula usou a máquina pública para transformar a homologação de uma delação em evento midiático, sem apresentar qualquer resultado prático.
- 3. Por último, vale citar Gilmar Mendes: “As pessoas só eram soltas, liberadas, depois de confessarem e fazerem acordo. Isso é uma vergonha e nós não podemos ter esse tipo de ônus. Coisa de pervertidos. Claramente se tratava de prática de tortura usando o poder do Estado”. A maioria das delações na Lava Jato, no entanto, foram fechadas com colaboradores soltos. Já Ronnie Lessa está preso desde 2019. São quase cinco anos de cadeia antes da homologação vazada por Moraes e anunciada por Lewandowski, que celebrou os “elementos importantíssimos que nos levam a crer que em breve teremos a solução do assassinato da vereadora”. Coisa de pervertidos?
De resto, o contexto político da coletiva só agrava o quadro acima descrito.
Ela ocorreu no dia seguinte à reunião ministerial sobre a queda de popularidade de Lula, quando o presidente, culpando os outros, reclamou da “comunicação” do governo e exortou seus ministros a pautarem agendas positivas. Moraes, que havia emplacado dois aliados no Tribunal Superior Eleitoral por indicação de Lula, tentou dar uma forcinha a Lewandowski, desgastado com a fuga de dois criminosos do Comando Vermelho do presídio de suposta segurança máxima de Mossoró.
Mas esse tiro, pelo visto, saiu pela culatra.
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