Avanço de cotas para pessoas trans é estupidez autoritária
Intolerante, irracional e antiuniversalista, o identitarismo ou wokismo, uma vez disseminado nas universidades, subverte toda a lógica dessas instituições, corrompendo sua própria essência

Acabo de ler que a Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), instituição onde fiz meu doutorado em Filosofia, é a quarta universidade paulista a aprovar cotas para pessoas trans e travestis no curso de graduação. Tal política pública insensata não se limita a São Paulo.
Até abril de 2025, pelo menos 21 universidades públicas no Brasil adotaram políticas de cotas para pessoas trans, travestis e não binárias. Desse total, 15 são universidades federais e 6 são estaduais, conforme dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (ANTRA).
Por que afirmo que se trata de uma política pública insensata? Por diversas razões, tanto técnicas quanto ético-morais.
Para uma apreciação pormenorizada dos aspectos técnicos, sugiro a leitura da nota técnica formulada pela Associação de Mulheres, Mães e Trabalhadoras do Brasil (Matria), cujos principais pontos passo a resumir aqui.
Falta de evidências de desvantagem material
O relatório da Matria mostra que a adoção das cotas trans não se sustenta em dados censitários ou estatísticos confiáveis sobre a população transgênero no Brasil que comprovem um grau de desvantagem material e discriminação comparável àqueles enfrentados por grupos raciais e econômicos historicamente marginalizados.
O que houve, de fato, foi uma generalização, sem rigor estatístico, de dados de “grupos muito pequenos de pessoas muito vulneráveis” para toda a população autodeclarada trans. Os dados, manipulados por ativistas, são contraditórios e enviesados.
Sob o termo “trans”, há um contingente de pessoas “altamente escolarizado, bem empregado e capaz de usufruir de bens e serviços típico das classes média e alta”.
Embora algumas pessoas trans em situação de vulnerabilidade mereçam políticas públicas específicas, as cotas trans, tal como estão sendo implementadas, não parecem direcionadas a esse público e tendem a desmoralizar ainda mais as ações afirmativas no Brasil.
O relatório da Matria também refuta alegações frequentemente usadas para justificar as cotas trans: “É comum afirmar que a expectativa de vida de pessoas trans no Brasil é de apenas 35 anos. Porém, essa afirmação é infundada e falsa.”
A metodologia do Trans Murder Monitoring, frequentemente citada para afirmar que o Brasil é o país que mais mata trans no mundo, é severamente criticada no referido relatório, por comparar números absolutos em vez de taxas de mortalidade por 100 mil habitantes e por depender de fontes não oficiais como notícias de internet, que não refletem a realidade da violência.
Indefinição dos beneficiários e dificuldade de controle
A nota técnica argumenta que a indefinição da categoria “transgênero” e a base exclusiva na autoidentificação tornam as cotas trans vulneráveis a fraudes e impossibilitam mecanismos de controle eficazes, em contraste com outras modalidades de cotas que possuem critérios objetivos e verificáveis.
A definição de “transgênero” se baseia em “estados interiores subjetivos dos indivíduos, que não podem ser contestados, refutados ou verificados”.
O documento destaca que o ordenamento jurídico brasileiro atual valoriza o princípio da auto-declaração para identidade de gênero, o que significa que a identidade não depende de ações como alteração de documentos, medicalização ou cirurgias: “No ordenamento jurídico brasileiro de hoje vale o princípio inegociável da auto-declaração.”
O próprio movimento transativista representa qualquer tentativa de verificação externa da identidade de gênero como uma forma de transfobia. Assim sendo, as cotas trans, baseadas na autoidentificação, impossibilitam mecanismos de controle.
Implementação sem debate público ou legislativo
Segundo o relatório da Matria, o processo de implementação das cotas trans está sendo introduzido de forma “açodada e antidemocrática”, sem o devido escrutínio público, acadêmico ou legislativo.
A nota cita o longo processo que levou à implementação das cotas raciais no Brasil, que envolveu décadas de debate público, acadêmico, midiático, legislativo e judiciário, culminando em leis específicas e decisões do STF:
“Independentemente de se ser a favor ou contra as cotas raciais, o fato é que seu processo de implementação foi longo, com muitas etapas e amplamente debatido pela sociedade, pela academia, pela mídia, pelo legislativo e pelo judiciário brasileiro.”
A adoção das cotas trans, por sua vez, tem ocorrido principalmente através de “resoluções dos conselhos universitários das próprias universidades ou dos colegiados de curso de pós-graduação”, frequentemente “provocadas” pelo Ministério Público Federal, sem passar pelo legislativo.
O relatório aponta também a falta de cobertura e debate equilibrado sobre as cotas trans na mídia, contrastando com o amplo espaço dedicado ao tema das cotas raciais. Além disso, menciona o tabu em torno do assunto nas universidades e casos de pesquisadores que foram atacados ou constrangidos por questionarem aspectos relacionados à identidade de gênero, o que impede um debate científico razoável.
A Matria argumenta que, ao instituir cotas para pessoas autodeclaradas transgênero, as universidades e outras instituições públicas estão “adentrando na esfera da criação de direitos, ou seja, a esfera legislativa, mesmo sem possuir competência para tal”.
Intolerância, irracionalidade e antiuniversalismo
Uma vez expostas, com ajuda da nota técnica da Matria, as refutações técnicas às cotas trans, passemos a uma argumentação mais filosófica e ético-política.
Antes de tratarmos especificamente da questão das cotas, convém enfatizar que toda essa maluquice em torno de uma suposta variedade de gêneros nada mais é que uma histeria ideológica coletiva que tenta subverter a biologia, negando a natureza e afirmando uma falsidade.
A expressão de ordem “mulher trans é mulher” é, ao mesmo tempo, negação da lógica e da natureza; é arroubo delirante do ser humano rebelde que insiste em confrontar seu desejo com o próprio real, negando o ser para afirmar sua vontade. Em linguagem freudiana, é o princípio de prazer totalmente descolado do princípio de realidade.
Intolerante, irracional e antiuniversalista, o identitarismo ou wokismo, uma vez disseminado nas universidades, subverte toda a lógica dessas instituições, corrompendo sua própria essência, que é a liberdade de pensamento, o cultivo do saber e o zelo pelo talento.
Por não encontrar palavras incisivas o suficiente para caracterizar a situação, trago a pena de Antônio Risério, do livro Identitarismo, em meu auxílio:
“O que se afirma e se exige é que o pensamento e a reflexão das universidades sejam colocados a serviço de objetivos político-ideológicos imediatos, como se a busca da verdade fosse um crime contra a humanidade. E a produção de conhecimento que se dane. […]
Os identitaristas, haters de esquerda, juram desejar instaurar um mundo menos opressivo, na prática, no entanto, onde quer que tenham poder, na universidade como na mídia, eles são a encarnação mesma do que pode haver de mais repressivo e opressivo.”
Sem privilégios
Não há justificativa legítima para cotas trans em universidades ou concursos públicos. Obviamente, não deve haver qualquer empecilho para que essas pessoas tenham acesso a tais instituições e ocupem cargos públicos. Mas elas devem concorrer em igualdade de condições, provar sua aptidão e talento, com qualquer um.
Facilitar acesso ao ensino superior gratuito para determinados grupos, a despeito do seu mérito individual, não faz nenhum sentido e é prejudicial. Uma sociedade na qual opção sexual, gênero ou raça são critérios para ingresso em uma instituição pública é uma sociedade sexista e racista.
Profundamente antiliberal, o identitarismo não combate privilégios, fomenta-os.
O talento está gradualmente se afastando das universidades públicas. Cooptadas, instrumentalizadas, vandalizadas e politizadas, elas tendem a se tornar, na melhor das hipóteses, irrelevantes; na pior, campos de doutrinação de uma sociedade totalitária.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (10)
ALDO FERREIRA DE MORAES ARAUJO
05.05.2025 17:38O único tipo de cota que deveria existir (e olhem lá) seriam cotas por condição econômica da família e para alunos oriundos de escolas públicas. No caso dos oriundos de escola pública, os que cursaram vários anos, pelo menos todo o segundo grau, senão haveria muito "boyzinho" fazendo o terceiro ano em escola pública e com professor particular em casa para dar aquele reforço. Acho melhor do que o critério "cor da pele", afinal a população é muito miscigenada e existem pretos ricos e brancos pobres.
Clayton De Souza pontes
03.05.2025 09:23Muito bom. Essas cotas trans são prejudiciais às cotas por critérios sociais, que são as unicas que considero justificáveis
Glecy Bragazzi Borja
01.05.2025 18:35Excelente artigo. Contra fatos não há argumentos.
Washington
01.05.2025 10:14É isto aí: é preciso defender a liberdade trans e os direitos trans, mas é também importante refutar a tentativa de supremacia trans.
Andre Luis Dos Santos
01.05.2025 01:00V E R G O N H O S O!!!!! PQP 🤬
Maria Aparecida Visconti
30.04.2025 17:40ótima análise
Maria Aparecida Visconti
30.04.2025 17:40ótima análise
Ita
30.04.2025 15:26Viva o mérito!!! fora os privilégios.
Washington
30.04.2025 15:22Excelente! É bom relembrar o seguinte lema universalista: "Liberdade, Igualdade, Fraternidade!". E também se diz que na Democracia "todos são iguais perante a lei".
LEDI MACHADO DOS SANTOS
30.04.2025 14:48Excelente matéria!