A folha, a árvore, a floresta e Jair Bolsonaro
Provas não faltam contra Bolsonaro e um monte de gente. Ânimo por parte do Supremo Tribunal Federal, sobretudo Alexandre de Moraes, tampouco
Algumas das coisas que mais me perturbam são vídeos sobre astronomia – assunto que gosto muito, aliás – mostrando as relações de tamanho e grandeza entre corpos no universo observável. O sentimento de insignificância que me bate – e me abate – quando constato que sou absolutamente nada perante o cosmos, é avassalador e mais ou menos curável após muitos Carajillos (um drink à base de licor e café expresso).
E com quase tudo é assim. Até mesmo com uma simples cebola, se vista (cortada) do alto. Quanto mais nos afastamos, mais conseguimos identificar as linhas, ou camadas, a partir do seu núcleo. Para entendermos bem o que se passou na porção conspiracionista e golpista da sociedade brasileira nos últimos anos, precisamos nos distanciar e observar “por cima” a floresta, depois a árvore e, finalmente, a folha.
A pré-campanha eleitoral de 2018 já dava mostras do que teríamos pela frente. Durante a campanha, propriamente dita, o então candidato à Presidência da República, Jair Bolsonaro, falava abertamente em “Fuzilar a petralhada”, até ser vítima, ele mesmo, de uma facada em Juiz de Fora (MG), asquerosamente chamada de “fakeada” pela esquerda. Ali, eu diria, se iniciava uma escalada de cisão, rancor e ódio irreversível.
Pregação golpista
Ao vencer as eleições, em seus discursos de posse no Congresso Nacional e no Palácio do Planalto, Bolsonaro deu continuidade à crispação ideológica. Pior. Alguns meses depois, começou a apoiar abertamente movimentos golpistas que pediam o fechamento do Congresso e do STF. Frequentou manifestações, sobrevoou a Praça dos Três Poderes e apontou o dedo para o Supremo (as imagens, à época, falavam por si).
Antes mesmo do primeiro turno das eleições de 2018, Eduardo Bolsonaro, vulgo Dudu Bananinha, já dizia que bastava um cabo e um soldado para fechar o STF. Mas a investida bolsonarista contra a ordem democrática iniciou-se de verdade a partir da ira contra o deputado federal Rodrigo Maia, presidente da Câmara. Em seguida, com a pandemia do coronavírus e as decisões da Suprema Corte, o caldo entornou de vez.
Aos trancos e barrancos, o Brasil chegou à pré-campanha de 2022. Após tudo o que fez de grotescamente desastroso ao país – inclusive aliar-se ao que havia de “mais centrão”, e também a uma parte da alta casta do Judiciário (Aras, Toffoli, Mendes, Lindôra e companhia), para salvar o senador e filho “Flavinho Wonka”, Jair Bolsonaro tinha agora como rival Lula da Silva, solto e ficha-limpa, em boa parte por sua própria culpa.
Bateu o desespero
Em meio a um Brasil – e mundo – pós-pandemia, com muito mais incertezas que certezas, medo que esperança, desorganização econômica e um ambiente político absolutamente tóxico, tendo centenas de milhares de mortos por Covid-19 espetados na conta, o “mito” e sua turba golpista foram dando passos cada vez mais aloprados, principalmente com o início da campanha eleitoral e os indícios de que seriam derrotados.
As lives patéticas, as manifestações de 7 de setembro, os atos ministeriais, o uso eleitoral descarado da máquina pública, o financiamento de blogueiros sujos e veículos de imprensa, aliados políticos fora de controle (Daniel Silveira, Carla Zambelli, Roberto Jefferson), tudo foi se somando e se misturando de forma indissociável, criando um arcabouço ilegal de toda sorte (eleitoral, criminal, cível) ao redor do “imbrochável, incomível e imorrível”.
Reuniões gravadas em que se discutia abertamente crimes – de responsabilidade e comuns -, desde o uso da Polícia Federal em favor do presidente à formas de governo após um possível golpe de Estado, advogados pessoais envolvidos com criminosos, milicianos e assassinos de aluguel ao redor da família presidencial, mansões, rachadinhas… Bolsonaro fez a própria cama como ninguém mais poderia fazer. E nela acabou deitando.
Aloprando de vez
Derrotado nas urnas, que amaldiçoou mundo afora, perdido, isolado de cabeças minimamente pensantes e cercado de idiotas de todos os tipos, deprimido, descolado da realidade, sabedor de tudo o que fez nos verões passados, já com um tal de Xandão nos calcanhares, ao que tudo indica, o patriarca do clã das rachadinhas sucumbiu ao plano – que, agora sabemos, já não era não mais uma ideia apenas – de tomar o poder à força.
Há uma sucessão de fatos, declarações, atos, enfim, tudo gravado em vídeos, que quando organizados de forma objetiva e cronológica, somados à todas as provas materiais já obtidas pela Justiça desde então, impedirão qualquer dissociação de Jair Bolsonaro e boa parte do seu “núcleo duro” de uma lista enorme de crimes contra o Estado Democrático de Direito, que certamente lhes renderá pesadas condenações.
Toda essa “floresta” descrita acima é gigantesca e cheia de árvores (capítulos), e como em toda floresta, as árvores estão interligadas por um emaranhado de raízes e solo em que habitam espécies diversas: políticos, militares, servidores públicos, empresários, jornalistas, blogueiros, militantes, enfim, “folhas” que se misturaram e balançaram ao sabor dos ventos golpistas emanados de uma fonte, de uma chama, de um líder: o centro da cebola.
Nada do que foi será
Provas não faltam contra Jair Bolsonaro e um monte de gente. Ânimo por parte do Supremo Tribunal Federal, em especial de Alexandre de Moraes, tampouco. E o governo de turno é liderado por um ex-presidiário, condenado por corrupção e lavagem de dinheiro, que sonha, dia sim e outro também, em se vingar de tudo e de todos que combateram os bilionários esquemas de corrupção protagonizados pelo PT.
Sim, tem muita coisa errada acontecendo. Bandidos tendo o passado criminoso reescrito por juízes complacentes, empresários corruptos sendo novamente beneficiados pelo governo, parte do Judiciário caminhando no sentido autoritário e até mesmo, segundo alguns, inconstitucional, ministros nos papeis de vítima, investigador, acusador e julgador, contas públicas estouradas, política externa desastrosa, enfim, o Brasil sendo Brasil.
Porém, nada do que está errado justifica, valida ou elimina os crimes que estão sendo desnudados. O “mito”, que prometia nos salvar e redimir, chafurdou na mais profunda lama do que ele mesmo chama de sistema. E deixou o DNA de 64 – aquele que defende tortura e eliminação do pensamento divergente – tomar conta do presidente eleito, que tinha tudo para, definitivamente e dentro da lei, figurativamente falando, extirpar a má esquerda do país.
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Comentários (8)
Paulo Pires
21.11.2024 15:11Deus te ouça, Márcio!!!
Márcio Roberto Jorcovix
21.11.2024 14:20Vamos olhar o futuro com otimismo. O Bozo vai preso, Marçal se tornará inelegível; e aí sobra espaço para um nao maluco e não ladrao se eleger, tipo Ratinho Júnior, Zema, Tarcísio e por aí vai. Viajei muito na maionese ??
Paulo Pires
21.11.2024 14:19Perfeito! O nefasto Bozo não só não extirpou a esquerda como fortaleceu-a. Essa praga tem que ficar inelegível para ficarmos livre do Nine em 2026!!!
Rosa
21.11.2024 13:33Parabéns, um artigo muito bom!!! Claro e cronológico, a gente esquece, mas você não
Paulo Pinto
21.11.2024 13:32Provas não faltam contra…. neste lero-lero todo o autor não mostra uma única prova. Dois anos de investigação. E a direita só crescendo.
Luis Eduardo Rezende Caracik
21.11.2024 13:17Mas, se me permite, Ketzman, a coisa mais errada continua sendo o judiciário complacente e prostituído, que atua guiado por leis que visam a impunidade. Já antevejo os julgamentos seguidos de embargos infringentes que demorarão anos a fio, e que envenenarão ainda mais a já altamente tóxica política brasileira. Veja o exemplo de Fenando Collor agora mesmo.
Marian
21.11.2024 13:06Mas quem está no poder agora? Quem está preso? Com vozes silenciadas, a verdade custa aparecer, mas aparece um dia.
Alexandre Ataliba Do Couto Resende
21.11.2024 12:46Isso é algo que dará um grande acórdão com muito toma-lá-dá-cá. Para entender basta assistir a primeira cena do filme O Poderoso Chefão.