Por que dizer sim à PEC do Plasma Por que dizer sim à PEC do Plasma
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Por que dizer sim à PEC do Plasma

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Carlos Graieb
6 minutos de leitura 04.10.2023 15:22 comentários
Opinião

Por que dizer sim à PEC do Plasma

A PEC do Plasma, que pode ser votada nesta quarta-feira (4) na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, trata de um tema delicado tanto política quanto eticamente...

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Carlos Graieb
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Por que dizer sim à PEC do Plasma
Foto: PublicDomainPictures/Pixabay

A PEC do Plasma, que pode ser votada nesta quarta-feira (4) na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, trata de um tema delicado tanto política quanto eticamente. Por causa disso, a discussão sobre o assunto também deveria ser encaminhada de maneira cuidadosa – mas está sendo tomada pela má-fé.

Refiro-me à declaração dada nesta terça-feira (3) ao jornal Valor Econômico por Carlos Gadelha, secretário de Ciência, Tecnologia e Complexo da Saúde do governo federal. Gadelha afirmou que “a PEC pode estar representando em 2023 o que foi a cloroquina e a campanha antivacina durante a pandemia da covid-19”.

A ideia é ainda pior que o horrendo gerúndio (“pode estar representando”…) usado pelo secretário.

As campanhas contra as vacinas da covid-19 e a favor da cloroquina eram obscurantistas. Atacavam a ciência, ignorando evidências colhidas no mundo todo, e fomentavam o medo com histórias estapafúrdias sobre efeitos colaterais que os imunizantes  jamais causaram em qualquer escala significativa.

Não há nada disso na proposta sobre coleta e produção de plasma. Pode-se discordar da ideia, inclusive com veemência máxima, mas querer equipará-la ao que se viu durante a pandemia é pura manipulação – uma tentativa de despertar o pânico moral contra o projeto combatido. 

O plasma é um material biológico precioso, utilizado na produção de diversos produtos e medicamentos capazes de salvar vidas. Como é parte do sangue, sua disponibilidade no Brasil está ligada às coletas que acontecem no sistema de saúde. Pela legislação vigente, o plasma é destinado ao SUS. O país, no entanto, não tem capacidade de processar a substância para produzir outros insumos. A estatal Hemobrás, criada há 13 anos para suprir essa deficiência, produz muito pouco. Consegue processar apenas 500 mil litros de plasma por ano e suprir cerca de 30% da demanda nacional. Isso significa duas coisas: que há desperdício de plasma que não é processado e que o Brasil depende de importações.

O governo tem dito que a fábrica da Hemobrás estará operando a pleno vapor em 2025. Mas não há garantias disso em um país com grandes restrições orçamentárias e baixíssima eficiência nos investimentos públicos.

A PEC do Plasma propõe três mudanças nas regras vigentes: autorizar que doadores de sangue recebam uma “compensação”, cuja natureza não foi claramente definida; que o plasma seja comercializável; e que a iniciativa privada possa atuar no setor que é um monopólio virtual da Hemobrás (virtual porque a estatal produz muito pouco).

Inimigos da proposta como Carlos Gadelha, quando se dispõem a argumentar e não apenas a estigmatizar a PEC, apontam para riscos que precisam ser levados em conta. Dizem que a possibilidade de comercialização do plasma, inclusive com exportação da substância, poderia afastar o Brasil da desejada autossuficiência nessa área; que a “compensação” na coleta de sangue, além de tornar o sangue uma mercadoria, pode reduzir as doações voluntárias, impactando hospitais, e piorar a qualidade do suprimento, uma vez que pessoas doentes poderiam esconder sua condição para receber a remuneração; e ainda que os investimentos já feitos na Hemobrás poderiam ser perdidos, caso a estatal sofra competição antes de se firmar.

Nenhum desses dilemas é apenas brasileiro. No mundo todo há pouco plasma para usos médicos. Uma diretriz da Organização Mundial de Saúde (OMS) orienta os países a buscar a autossuficiência nesse campo incentivando as doações voluntárias de sangue e investindo em meios de produção – como faz o Brasil. A prática de remunerar as coletas pagas, no entanto, jamais foi proscrita.

Na União Europeia, onde o debate sobre o assunto é acirrado, há países como a Alemanha, a Áustria e a República Checa que mantêm sistemas híbridos, em que a doação voluntária convive com as coletas pagas.

Sempre pragmáticos, os Estados Unidos há tempos remuneram os doadores, o que fez com que se tornassem o maior exportador de plasma e derivados do mundo. Essa é uma razão por que o horror dos adversários da PEC à possibilidade de que o Brasil exporte plasma não tem fundamento: se o comércio entre países não existisse, os pacientes brasileiros simplesmente não teriam como ser atendidos. A existência de um mercado global para o produto salva vidas, e não o contrário. 

A experiência dos países que remuneram a coleta mostra que ela aumenta os volumes de plasma disponíveis. Os países europeus mencionados acima coletam entre 32 e 66 litros de plasma por mil habitantes, enquanto os vizinhos que rejeitam a prática coletam uma média de 15,5 a 21,5 litros de plasma por mil habitantes. Ao mesmo tempo, é verdade que a base de doadores voluntários se reduz onde há comércio, o que tem impactado a disponibilidade de sangue para transfusões e outros produtos derivados da substância.

Quanto à qualidade do sangue, tanto o caso europeu quanto o americano mostram que a questão pode ser controlada por meio de regulamentação cuidadosa, em vez de proibição.

Dos argumentos contrários à PEC do Plasma, o mais absurdo é o de que é preciso proteger a Hemobrás. Qualquer ação nesse campo deve ter como objetivo primordial salvar vidas, e não garantir a saúde de uma estatal brasileira.

Sobra a questão moral: é aceitável tratar algo como o sangue como mercadoria? Entendo a preocupação, mas creio que, mais uma vez, raciocínio deve se pautar pelas consequências: o que vai permitir que mais vidas sejam salvas? Mesmo que as previsões mais otimistas do governo se materializem, a Hemobrás em pleno funcionamento só conseguiria suprir cerca de 80% das necessidades brasileiras. Ainda seria preciso contar ou com importações, ou com alguma medida de participação da iniciativa privada no setor. Nesse caso, é mais sábio abrir o mercado de uma vez, no lugar de fomentar um monopólio que, como todo monopólio, tende a trazer mais problemas do que soluções.

Alguém perguntará se estou mesmo disposto a entregar meu sangue ao mercado e suas empresas. Aí vai do gosto. Esta é minha opinião: se os produtos derivados do plasma têm de ser produzidos por alguém, ainda acho mais seguro que seja por diversas empresas, controladas por diversos donos, do que por uma única estatal controlada por políticos. 

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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