Os “judeus da vacina” não existem
Há uma semana, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que, para entrar em cafés, restaurantes, academias, cinemas, teatros, shopping centers e em meios de transporte para viagens longas, será preciso ter um passe sanitário que ateste que o cidadão tomou a vacina contra a Covid. É um jeito de fazer com que as pessoas se sintam obrigadas a imunizar-se, sem que a vacina seja formalmente obrigatória. Desde o anúncio, mais de dois milhões de franceses correram para marcar horário nos postos que aplicam o imunizante...
Há uma semana, o presidente francês Emmanuel Macron anunciou que, para entrar em cafés, restaurantes, academias, cinemas, teatros, shopping centers e em meios de transporte para viagens longas, será preciso ter um passe sanitário que ateste que o cidadão tomou a vacina contra a Covid. É um jeito de fazer com que as pessoas se sintam obrigadas a imunizar-se, sem que a vacina seja formalmente obrigatória. Desde o anúncio, mais de dois milhões de franceses correram para marcar horário nos postos que aplicam o imunizante.
O medo é que ocorra uma quarta onda de Covid depois do verão europeu, impulsionada pela variante Delta, antes conhecida como indiana, muito mais contagiosa do que o vírus original. Como metade dos franceses estava adiando a própria vacinação ou se recusando a proteger-se da maneira preconizada pela ciência, o remédio foi dificultar a vida para os não vacinados.
A decisão de Emmanuel Macron causou uma onda de protestos. Essa gente peculiar que não quer se vacinar foi para as ruas gritar por “liberdade”. Estão no seu direito, embora seja inexplicável que achem que governantes eleitos democraticamente queiram matar os cidadãos que governam, por meio de vacinas que representariam um risco desmesurado para milhões de pessoas. Ou que os laboratórios que as criaram e produzem estão fazendo um experimento perigosíssimo que poderia levá-los à ruína.
Os manifestantes, contudo, foram muito além do direito de serem cretinos. Para protestar contra o passe sanitário, muitos usaram a estrela de Davi na cor amarela, o símbolo que os nazistas utilizavam para identificar e estigmatizar os judeus. Os não vacinados seriam, assim, os “judeus da vacina“, impossibilitados de circular livremente e obrigados a ficar numa espécie de gueto — ou campo de concentração — invisível. A coisa foi tão longe que, não bastassem as estrelas de Davi amarelas, com a inscrição “não vacinado”, eles exibiram uma fotomontagem da entrada do campo de Auschwitz, com a frase “O passe sanitário liberta“, em substituição ao “O trabalho liberta” dos nazistas.
A indignação foi geral, da esquerda à direita. Associações judaicas protestaram contra a infâmia de se comparar um massacre de 6 milhões de pessoas, perpetrado por um regime totalitário de crueldade em escala industrial, com uma decisão de um regime democrático que, na direção completamente oposta, procura salvar vidas de um vírus. O Memorial de Auschwitz denunciou a “instrumentalização” do Holocausto e lamentou o que disse ser “um triste sintoma de declínio moral e intelectual” da sociedade.
Um sobrevivente do Holocausto, Joseph Szwarc, mostrou a sua indignação, ao discursar na comemoração que lembra o aprisionamento de milhares de judeus no velódromo de Paris, durante a ocupação nazista. Ele disse: “Estou indignado com o que se passou nesta semana. Essa comparação é odiosa. Vocês não podem imaginar a que ponto fui atingido, derramei lágrimas. Eu usei a estrela. Eu sei o que é. Eu ainda a tenho na minha carne. Acho que é dever de todos, de todos os concidadãos, de impedir essa onda ultrajante, antissemita, racista, que ronda na esquina. É um dever primordial.”
Os “judeus da vacina” não existem. O que existe é uma gente repulsiva, ignorante e irracional, que se apropria de discursos libertários e banaliza símbolos da barbárie, para dar vazão aos seus instintos primitivos.
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