O truque barato de Ricardo Lewandowski
Lewandowski diz que projeto das saidinhas foi vetado para proteger valores cristãos e critica retomada do exame criminológico
O ministro da Justiça Ricardo Lewandowski fez uma passagem patética pela Câmara dos Deputados nesta terça-feira (16).
Ele disse que Lula respeitou a vontade dos parlamentares ao analisar o projeto de lei que proibiu as saidinhas de presídios em datas festivas, o que é uma mentira deslavada.
De todas as modificações legislativas estabelecidas pelo Congresso, essa proibição foi a mais significativa – e foi também, justamente, a que Lula vetou.
Quem quer respeitar a vontade do legislador não arranca o coração de um projeto, faz mudanças em dispositivos secundários.
Valor cristão
Pior ainda foi a justificativa para o veto. Segundo Lewandowski, a intenção foi proteger os valores fundamentais da dignidade humana e da família, abrigados na Constituição. “Nós estamos defendendo um valor cristão”, disse o ministro.
Foi um truque barato, uma tentativa canhestra de angariar simpatia entre os conservadores do Congresso, empregando a linguagem da religião. A artimanha está fadada ao fracasso.
Os deputados sabem que o aceno é fingido e que por trás dele estão as ideias da esquerda: a redução de todos os problemas de segurança pública a questões de desigualdade social e uma profunda hostilidade aos “aparatos repressivos” de que o Estado dispõe.
Não é porque Lewandowski se expressa no tom de voz jeitosinho dos seminaristas que o Congresso vai se esquecer de onde ele vem e a quem está ligado.
Exame criminológico
Lewandowski também criticou a retomada dos exames criminológicos como requisito para a progressão de regime prisional e para que os detentos possam sair da cadeia para estudar e trabalhar.
Ele disse que existem dúvidas sobre a efetividade desse tipo de exame e que o procedimento é caro.
Nesse caso, ele falou a verdade.
Há de fato muita controvérsia, no Brasil e no mundo, a respeito da utilização dos exames criminológicos, que, basicamente, tentam estabelecer probabilidades de reincidência no crime.
Adversários do método afirmam tratar-se de uma “pseudociência”, que até hoje compartilha do espírito das teorias lombrosianas (que associavam o formato do crânio a tendências criminosas).
No Brasil, dizem esses detratores, o exame seria utilizado principalmente como meio de retardar a concessão do benefício da progressão penal.
Mas nem todas as avaliações são tão negativas. Hoje, há uma variedade de abordagens nesse campo, calcadas tanto em disciplinas como a psicologia quanto em métodos sociológicos ou até econômicos.
Executivo não é Judiciário
Se o ministro acreditava que a retorno dos exames criminológicos era um problema, deveria ter tido a coragem de vetá-lo, apresentando os motivos que mencionou ao Congresso.
Mas ele não tomou esse caminho – talvez na esperança de que o STF faça o serviço por ele e declare o dispositivo da nova lei inconstitucional. Sendo assim, não cabe o nhém-nhém-nhém desta terça.
Em vez de reclamar, Lewandowski deveria ter apontado as medidas que pretende adotar para reintroduzir o exame criminológico de maneira consistente e padronizada no Brasil, abordando inclusive o problema de custo para o qual ele chamou atenção.
São questões em que o Executivo pode influir, por exemplo, com propostas de regulamentação.
Lewandowski parece não ter compreendido que seu trabalho não é mais invocar os princípios constitucionais, como fazia no STF. Sua missão como ministro da Justiça é encontrar soluções para problemas concretos e também implementar as leis votadas pelo Congresso – sempre num contexto de recursos escassos.
Será que um dia a ficha cai?
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