ANTAGONISTA DOCS: Os donos da Amazônia ANTAGONISTA DOCS: Os donos da Amazônia
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04.02.2023

ANTAGONISTA DOCS: Os donos da Amazônia

A invasão começou com a ampliação de uma pista de pouso, em 1986. O povo yanomami já era afetado pela atividade de garimpeiros desde a década de 1970, como registram os documentos da Comissão Nacional da Verdade, mas a obra numa antiga pista mudou tudo. Assista a reportagem sobre como o destino da maior floresta tropical do mundo é definido por caciques dentro dos gabinetes de Brasília...

A invasão começou com a ampliação de uma pista de pouso, em 1986. O povo yanomami já era afetado pela atividade de garimpeiros desde a década de 1970, como registram os documentos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), mas a obra numa antiga pista de pouso, decidida nos gabinetes de Brasília e executada pela Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (Comara), liberou um fluxo nunca antes visto. 

É assim que um relatório da CNV registra esse momento: “O caso mais flagrante de apoio do poder público à invasão garimpeira se deu na gestão de Romero Jucá à frente da Funai, na região do Paapiu/Couto de Magalhães”. O documento segue: “A Funai e os demais agentes públicos abandonaram a região, deixando a área livre para a ação dos garimpeiros. Não havia justificativas para a expansão dessa pista, uma vez que não havia pelotões de fronteira planejados para a região”.

(Imagem: Reprodução)

Entre maio de 1986 e setembro de 1988, o ex-senador Romero Jucá ocupou a presidência da Funai. Ele foi indicado pelo então presidente da República, José Sarney, do PMDB (hoje MDB). O relatório da CNV cita ainda que, no ano seguinte, o então presidente da Funai determinou a retirada das equipes de saúde em meio a uma série de epidemias, sobretudo de gripe e malária, agravando ainda mais a situação dos indígenas. Jucá conseguiu se eleger senador em 1994 e, durante seus mandatos, usou a tribuna do Senado para defender a mineração em terras indígenas.

“Quem tem que ter interesse na regulamentação da mineração nas terras indígenas do Brasil é o governo brasileiro. E o governo brasileiro não tem trabalhado para que essa questão seja equacionada. O governo brasileiro tem estado ao longo dos anos omisso numa questão que é extremamente relevante para a economia brasileira”, disse em 11 de fevereiro de 2014, como registra a TV Senado.

Segundo o professor de geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração Luiz Jardim, a região habitada pelo povo yanomami em Roraima se tornou um dos destinos dos garimpeiros que atuavam na região de Serra Pelada, onde já não se encontrava mais ouro de forma manual.

O Estado brasileiro passa a destinar áreas para que os garimpeiros se desloquem de Serra Pelada. Tapajós foi um desses lugares, e também Roraima, em particular a Terra Yanomami, destinados para deslocamento dos garimpeiros, no final de década de 1980 e início da década de 1990 também”, explica.

Jardim aponta o interesse de mineradoras de diferentes portes, do Brasil e do exterior, no subsolo amazônico e nas terras indígenas. “É bom dizer isso também, porque as organizações que representam as grandes mineradoras apoiaram o PL [projeto de lei] da mineração em terra indígena. Só que o garimpo produz insegurança jurídica, que faz com que as grandes corporações não assumam o risco de operarem em área de garimpo. O garimpo de alguma forma espanta as grandes mineradoras”, analisa.

Jucá não conseguiu se reeleger senador em 2018 e, por conta de investigações de corrupção, se isolou. A reportagem o procurou, mas o ex-senador não quis se pronunciar.

Governo Bolsonaro

A repercussão da crise sanitária dos yanomami, em janeiro deste ano, trouxe à tona a influência do senador Mecias de Jesus (Republicanos) no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y). Em entrevista a O Antagonista, o ex-coordenador do DSEI-Y Rômulo Pinheiro admite ter sido indicado para o cargo pelo parlamentar, para quem trabalhou em campanhas políticas.

“O senador me indicou. Somente isso. Eu nunca tive qualquer pressão ou qualquer ingerência dele dentro do Distrito. Eu conheço ele através das campanhas políticas. Ele foi cinco ou seis vezes deputado estadual aqui, foi candidato a prefeito no município”, revela.

Mecias é pai do deputado federal Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), que foi apoiado pela bancada do PT na Câmara para assumir o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) — seu nome foi aprovado com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e falta apenas ser referendado pelo Sendo. Rômulo, que aparece em imagens ao lado do parlamentar, deixou o cargo por suspeitas de irregularidades na sua gestão. Ele nega qualquer irregularidade.

Jhonatan de Jesus e Rômulo Pinheiro são os dois do meio. (Foto: Reprodução)

“O dedo é apontado na maioria das vezes para o mais fraco, e eu me coloco nessa parte mais fraca. Estou terminando de levantar de todas as ações do que era feito, o que não foi feito. Ali é uma loucura! Você trabalha num nível de pressão com que eu nunca trabalhei na minha vida”, diz Rômulo.

Foi também durante o governo de Jair Bolsonaro que a pressão se intensificou nos órgãos federais de fiscalização, denuncia um servidor que está há 20 anos em um órgão ambiental federal. Segundo ele, que prefere não se identificar, as condutas para que dificultar a fiscalização ficaram evidentes.

“Houve redirecionamento de operações, corte de recursos, paralisação nos julgamentos nos últimos quatro anos. Acho que tudo isso foi de caso pensado. Analisando o conjunto como um todo, percebe-se que era uma estratégia montada para justamente dificultar a fiscalização. Seja das áreas de garimpo, seja das áreas de desmatamento mais sensíveis”, analisa.

Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) revelou, em janeiro, a existência de quase 30 mil multas ambientais próximas de prescreverem — 7.490 neste ano e 22.438 no ano que vem. O órgão esclarece que isso acontece quando o processo fica sem movimentação por três anos.

Em paralelo, há quem acredite que são as organizações não governamentais (ONGs) que atuam na Amazônia que precisam ser investigadas. O caminho para isso seria uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na avaliação do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Ele se dizfavorável também à redução da demarcação de terras indígenas.

“A gente conseguiu traçar, fazer uma pirâmide das ONGs que atuam no Amazonas, principalmente no Alto Rio Negro. Para quem não sabe, a região do Alto Rio Negro é a mais rica do planeta. Só para ter uma ideia, a reserva de nióbio lá passa de 90% da reserva mundial. O Fundo Amazônia é a peça central dessa trama. É através do Fundo Amazônia que se dá dinheiro para essa gente, para essas ONGs fazerem esse desserviço para o país”, diz.

Procurado, o parlamentar disse que a CPI das ONGs precisa ser instalada para expor as pessoas que enriquecem utilizando os indígenas e enviou uma carta que recebeu de uma cooperativa de indígenas criada para a extração de recursos naturais e minerais. Eles reclamam da atuação de ongs que impediriam atividades econômicas na região.

O trecho inicial da carta.

Em janeiro de 2022, o senador foi acusado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro de estimular a disputa entre os indígenas em prol da mineração. A organização representa 23 povos indígenas da tríplice fronteira do Brasil com Venezuela e Colômbia.

“Os interesses de grupos empresariais que desejam explorar as terras indígenas sem passar pela consulta livre, prévia e informada parecem mover o senador Plínio Valério. O senador tenta criar um ambiente de hostilidade e de acusações infundadas contra organizações da sociedade civil que lutam pelos direitos indígenas no Noroeste Amazônico há mais de duas décadas e lutam por políticas públicas efetivas para o desenvolvimento da região e do bem viver dos povos indígenas”, diz o documento.

Para a única brasileira indígena a discursar na abertura da Conferência da Cúpula do Clima (COP 26) de 2021, Txai Suruí, os povos originários precisam ser ouvidos e respeitados.

“Quem quer vender e tomar a posse do território é o não-indígena. Nós, povos indígenas, estamos aqui para guardá-la e para protegê-la, assim como ela faz com a gente. Então, quando se fala em floresta, somos nós que devemos ser ouvidos. Como é que você pode continuar mantendo a floresta em pé se não conversa com quem vive lá?”

O Antagonista procurou todos os citados na reportagem e aguarda posicionamento. 

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ANTAGONISTA DOCS: Os donos da Amazônia

A invasão começou com a ampliação de uma pista de pouso, em 1986. O povo yanomami já era afetado pela atividade de garimpeiros desde a década de 1970, como registram os documentos da Comissão Nacional da Verdade, mas a obra numa antiga pista mudou tudo. Assista a reportagem sobre como o destino da maior floresta tropical do mundo é definido por caciques dentro dos gabinetes de Brasília...

A invasão começou com a ampliação de uma pista de pouso, em 1986. O povo yanomami já era afetado pela atividade de garimpeiros desde a década de 1970, como registram os documentos da Comissão Nacional da Verdade (CNV), mas a obra numa antiga pista de pouso, decidida nos gabinetes de Brasília e executada pela Comissão de Aeroportos da Região Amazônica (Comara), liberou um fluxo nunca antes visto. 

É assim que um relatório da CNV registra esse momento: “O caso mais flagrante de apoio do poder público à invasão garimpeira se deu na gestão de Romero Jucá à frente da Funai, na região do Paapiu/Couto de Magalhães”. O documento segue: “A Funai e os demais agentes públicos abandonaram a região, deixando a área livre para a ação dos garimpeiros. Não havia justificativas para a expansão dessa pista, uma vez que não havia pelotões de fronteira planejados para a região”.

(Imagem: Reprodução)

Entre maio de 1986 e setembro de 1988, o ex-senador Romero Jucá ocupou a presidência da Funai. Ele foi indicado pelo então presidente da República, José Sarney, do PMDB (hoje MDB). O relatório da CNV cita ainda que, no ano seguinte, o então presidente da Funai determinou a retirada das equipes de saúde em meio a uma série de epidemias, sobretudo de gripe e malária, agravando ainda mais a situação dos indígenas. Jucá conseguiu se eleger senador em 1994 e, durante seus mandatos, usou a tribuna do Senado para defender a mineração em terras indígenas.

“Quem tem que ter interesse na regulamentação da mineração nas terras indígenas do Brasil é o governo brasileiro. E o governo brasileiro não tem trabalhado para que essa questão seja equacionada. O governo brasileiro tem estado ao longo dos anos omisso numa questão que é extremamente relevante para a economia brasileira”, disse em 11 de fevereiro de 2014, como registra a TV Senado.

Segundo o professor de geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF) e pesquisador do Comitê Nacional em Defesa dos Territórios frente à Mineração Luiz Jardim, a região habitada pelo povo yanomami em Roraima se tornou um dos destinos dos garimpeiros que atuavam na região de Serra Pelada, onde já não se encontrava mais ouro de forma manual.

O Estado brasileiro passa a destinar áreas para que os garimpeiros se desloquem de Serra Pelada. Tapajós foi um desses lugares, e também Roraima, em particular a Terra Yanomami, destinados para deslocamento dos garimpeiros, no final de década de 1980 e início da década de 1990 também”, explica.

Jardim aponta o interesse de mineradoras de diferentes portes, do Brasil e do exterior, no subsolo amazônico e nas terras indígenas. “É bom dizer isso também, porque as organizações que representam as grandes mineradoras apoiaram o PL [projeto de lei] da mineração em terra indígena. Só que o garimpo produz insegurança jurídica, que faz com que as grandes corporações não assumam o risco de operarem em área de garimpo. O garimpo de alguma forma espanta as grandes mineradoras”, analisa.

Jucá não conseguiu se reeleger senador em 2018 e, por conta de investigações de corrupção, se isolou. A reportagem o procurou, mas o ex-senador não quis se pronunciar.

Governo Bolsonaro

A repercussão da crise sanitária dos yanomami, em janeiro deste ano, trouxe à tona a influência do senador Mecias de Jesus (Republicanos) no Distrito Sanitário Especial Indígena Yanomami (DSEI-Y). Em entrevista a O Antagonista, o ex-coordenador do DSEI-Y Rômulo Pinheiro admite ter sido indicado para o cargo pelo parlamentar, para quem trabalhou em campanhas políticas.

“O senador me indicou. Somente isso. Eu nunca tive qualquer pressão ou qualquer ingerência dele dentro do Distrito. Eu conheço ele através das campanhas políticas. Ele foi cinco ou seis vezes deputado estadual aqui, foi candidato a prefeito no município”, revela.

Mecias é pai do deputado federal Jhonatan de Jesus (Republicanos-RR), que foi apoiado pela bancada do PT na Câmara para assumir o cargo de ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) — seu nome foi aprovado com o apoio do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e falta apenas ser referendado pelo Sendo. Rômulo, que aparece em imagens ao lado do parlamentar, deixou o cargo por suspeitas de irregularidades na sua gestão. Ele nega qualquer irregularidade.

Jhonatan de Jesus e Rômulo Pinheiro são os dois do meio. (Foto: Reprodução)

“O dedo é apontado na maioria das vezes para o mais fraco, e eu me coloco nessa parte mais fraca. Estou terminando de levantar de todas as ações do que era feito, o que não foi feito. Ali é uma loucura! Você trabalha num nível de pressão com que eu nunca trabalhei na minha vida”, diz Rômulo.

Foi também durante o governo de Jair Bolsonaro que a pressão se intensificou nos órgãos federais de fiscalização, denuncia um servidor que está há 20 anos em um órgão ambiental federal. Segundo ele, que prefere não se identificar, as condutas para que dificultar a fiscalização ficaram evidentes.

“Houve redirecionamento de operações, corte de recursos, paralisação nos julgamentos nos últimos quatro anos. Acho que tudo isso foi de caso pensado. Analisando o conjunto como um todo, percebe-se que era uma estratégia montada para justamente dificultar a fiscalização. Seja das áreas de garimpo, seja das áreas de desmatamento mais sensíveis”, analisa.

Por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) revelou, em janeiro, a existência de quase 30 mil multas ambientais próximas de prescreverem — 7.490 neste ano e 22.438 no ano que vem. O órgão esclarece que isso acontece quando o processo fica sem movimentação por três anos.

Em paralelo, há quem acredite que são as organizações não governamentais (ONGs) que atuam na Amazônia que precisam ser investigadas. O caminho para isso seria uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), na avaliação do senador Plínio Valério (PSDB-AM). Ele se dizfavorável também à redução da demarcação de terras indígenas.

“A gente conseguiu traçar, fazer uma pirâmide das ONGs que atuam no Amazonas, principalmente no Alto Rio Negro. Para quem não sabe, a região do Alto Rio Negro é a mais rica do planeta. Só para ter uma ideia, a reserva de nióbio lá passa de 90% da reserva mundial. O Fundo Amazônia é a peça central dessa trama. É através do Fundo Amazônia que se dá dinheiro para essa gente, para essas ONGs fazerem esse desserviço para o país”, diz.

Procurado, o parlamentar disse que a CPI das ONGs precisa ser instalada para expor as pessoas que enriquecem utilizando os indígenas e enviou uma carta que recebeu de uma cooperativa de indígenas criada para a extração de recursos naturais e minerais. Eles reclamam da atuação de ongs que impediriam atividades econômicas na região.

O trecho inicial da carta.

Em janeiro de 2022, o senador foi acusado pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro de estimular a disputa entre os indígenas em prol da mineração. A organização representa 23 povos indígenas da tríplice fronteira do Brasil com Venezuela e Colômbia.

“Os interesses de grupos empresariais que desejam explorar as terras indígenas sem passar pela consulta livre, prévia e informada parecem mover o senador Plínio Valério. O senador tenta criar um ambiente de hostilidade e de acusações infundadas contra organizações da sociedade civil que lutam pelos direitos indígenas no Noroeste Amazônico há mais de duas décadas e lutam por políticas públicas efetivas para o desenvolvimento da região e do bem viver dos povos indígenas”, diz o documento.

Para a única brasileira indígena a discursar na abertura da Conferência da Cúpula do Clima (COP 26) de 2021, Txai Suruí, os povos originários precisam ser ouvidos e respeitados.

“Quem quer vender e tomar a posse do território é o não-indígena. Nós, povos indígenas, estamos aqui para guardá-la e para protegê-la, assim como ela faz com a gente. Então, quando se fala em floresta, somos nós que devemos ser ouvidos. Como é que você pode continuar mantendo a floresta em pé se não conversa com quem vive lá?”

O Antagonista procurou todos os citados na reportagem e aguarda posicionamento. 

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