O Magazine Luiza, a ilegalidade e a cota do bom senso

03.03.2025

logo-crusoe-new
O Antagonista

O Magazine Luiza, a ilegalidade e a cota do bom senso

avatar
Redação O Antagonista
4 minutos de leitura 21.09.2020 12:27 comentários
Sociedade

O Magazine Luiza, a ilegalidade e a cota do bom senso

A decisão do Magazine Luiza de selecionar apenas candidatos negros para um programa de trainees causou mais uma briga nas redes sociais. Briga, não debate. De um lado, a Ku Klux Klan do politicamente correto, que linchou quem ousou discordar civilizadamente da medida tomada pela loja; de outro, a SA bolsonarista, que depredou vidraças com o argumento do "racismo reverso"...

avatar
Redação O Antagonista
4 minutos de leitura 21.09.2020 12:27 comentários 0
O Magazine Luiza, a ilegalidade e a cota do bom senso
amagalu

A decisão do Magazine Luiza de selecionar apenas candidatos negros para um programa de trainees causou mais uma briga nas redes sociais. Briga, não debate. De um lado, a Ku Klux Klan do politicamente correto, que linchou quem ousou discordar civilizadamente da medida tomada pela loja; de outro, a SA bolsonarista, que depredou vidraças com o argumento do “racismo reverso”.

Não se discute aqui a boa intenção do gesto do Magazine Luiza, ainda que temperado com razoável dose de marketing. Ele está inserido no movimento de ações afirmativas que buscam compensar a população negra pelos séculos de escravidão e as sequelas socioeconômicas deixadas por essa monstruosidade. O que deve ser colocado em debate é a constitucionalidade e legalidade da decisão. A Constituição, no artigo sétimo, proíbe diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil. E não poderia ser mais cristalina a lei que regulamenta o preceito que proíbe qualquer tipo de discriminação no mundo do trabalho:

Ficará sujeito às penas de multa e de prestação de serviços à comunidade, incluindo atividades de promoção da igualdade racial, quem, em anúncios ou qualquer outra forma de recrutamento de trabalhadores, exigir aspectos de aparência próprios de raça ou etnia para emprego cujas atividades não justifiquem essas exigências.    

Interpretar escravos na televisão, cinema ou teatro exige que os atores sejam negros, obviamente. Se a escrava for Isaura, no entanto, ela terá de ser branca. Para ser funcionário do Magazine Luiza, não há exigência necessária de aspectos de aparência próprios de raça ou etnia, como prevê a exceção prevista na lei. É evidente, portanto, que a decisão é ilegal.

O Magazine Luiza deu o passo amparado em pareceres de advogados. O terreno pisado, imagino, são convenções e legislações internacionais que preconizam ações afirmativas baseadas na “discriminação positiva”, bem como a sua interpretação no Brasil. O Supremo Tribunal Federal reconheceu, em 2012, a constitucionalidade do regime de cotas para negros em universidades, sob o argumento de que essa grande parcela de cidadãos, a maioria da população quando se incluem os que se autodeclaram pardos, jamais atingiria a igualdade prevista pela Constituição se continuasse alijada de frequentar os bancos universitários por motivos que independem da sua capacidade. Desde então, o regime de cotas vem se estendendo formal e informalmente em várias áreas, para combater iniquidades sociais e os seus substratos intoleráveis: o racismo e o sexismo.

O regime de cotas teve a sua legalidade condicionada à temporalidade e à proporcionalidade — como o próprio nome diz, é cota, não integralidade. Apesar de ser improvável que, uma vez provocado, o STF se disponha a considerar inconstitucional um programa para trainees que visa a preencher com pessoas negras cargos de direção de uma loja — temos ministros muito sujeitos a patrulha –, nada apaga o fato de a iniciativa do Magazine Luiza ferir o regime de cotas e ser amplamente discriminatório. Dela ficaram de fora outros grupos que também demandariam ações afirmativas, já que a diversidade não é apenas de negros e brancos. Ao optar tão somente pela cor da pele como critério de seleção, portanto, a loja está discriminando uma enorme quantidade de pobres, mulheres, indígenas, asiáticos, ciganos, deficientes físicos, gays, lésbicas e transexuais.

Não vou discutir o o mérito da efetividade de ações afirmativas. Noto somente que, ao contrário do que se pensa, elas não parecem ser capazes de transformar a sociedade, como mostram os Estados Unidos. Os seus defensores apontam como exemplo de sucesso o caso da Índia, onde elas nasceram para eliminar as castas. Pessoalmente, acho que o modelo indiano está mais para abolição de escravatura. O que funciona para cancelar o preconceito e diminuir dramaticamente as diferenças sociais nascidas dele é escola pública de boa qualidade para todos, como escrevi na Crusoé (artigo aberto para não assinantes). A escola pública de boa qualidade derrubaria barreiras, propiciaria convivências e forneceria a base necessária para que cada indivíduo desenvolvesse ao máximo as sua potencialidades e pudesse trilhar o seu caminho.

A boa escola pública é a cota do bom senso. O Magazine Luiza poderia adotar escolas públicas com prazo indeterminado, ou mais escolas públicas se já o faz, embora o marketing nesse caso seja menos eficiente.

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Capitão América contra os ministros do STF

Visualizar notícia
2

Moraes cobra parecer da PGR sobre denúncia contra Eduardo Bolsonaro

Visualizar notícia
3

Alimento altamente benéfico na prevenção do câncer, segundo Harvard 

Visualizar notícia
4

Sem a mínima autoridade moral, Lula sai em defesa de Zelensky

Visualizar notícia
5

Elon Musk defende saída dos EUA da ONU e da Otan

Visualizar notícia
6

Reino Unido, França e Ucrânia trabalham em plano de cessar-fogo

Visualizar notícia
7

“Temos urgentemente de rearmar a Europa”

Visualizar notícia
8

Pressionado, Lula visita acampamento do MST

Visualizar notícia
9

Mercosul só serviu para enriquecer industriais brasileiros, diz Milei

Visualizar notícia
10

Maduro eleva tensão com Guiana e ameaça resposta militar

Visualizar notícia
1

Sem a mínima autoridade moral, Lula sai em defesa de Zelensky

Visualizar notícia
2

Moraes cobra parecer da PGR sobre denúncia contra Eduardo Bolsonaro

Visualizar notícia
3

Elon Musk defende saída dos EUA da ONU e da Otan

Visualizar notícia
4

Reino Unido, França e Ucrânia trabalham em plano de cessar-fogo

Visualizar notícia
5

“Temos urgentemente de rearmar a Europa”

Visualizar notícia
6

AtlasIntel: Maioria acha que reforma ministerial de Lula não vai mudar nada

Visualizar notícia
7

Capitão América contra os ministros do STF

Visualizar notícia
8

Dois foragidos são presos no Carnaval de SP após reconhecimento facial

Visualizar notícia
9

Pressionado, Lula visita acampamento do MST

Visualizar notícia
10

Mercosul só serviu para enriquecer industriais brasileiros, diz Milei

Visualizar notícia
1

Trump nomeia Bitcoin e mais quatro criptomoedas para reserva dos EUA

Visualizar notícia
2

Papa não precisa mais de ventilação, mas estado é delicado, diz Vaticano

Visualizar notícia
3

Daniel Silveira pede a Moraes direito à “saidinha” na Páscoa

Visualizar notícia
4

Reino Unido anuncia 2 bilhões de dólares em ajuda militar à Ucrânia

Visualizar notícia
5

“Tão tão distante”! A cidade no lugar mais remoto do mundo

Visualizar notícia
6

Conselheiro de Trump compara Zelensky a “ex-namorada”

Visualizar notícia
7

Não é apenas delicioso! Os benefícios do Iogurte Grego para a saúde

Visualizar notícia
8

Maduro eleva tensão com Guiana e ameaça resposta militar

Visualizar notícia
9

“Temos urgentemente de rearmar a Europa”

Visualizar notícia
10

Saiba qual é a cidade dos recordes

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

brancos cotas Magazine Luiza negros programa para trainees racismo
< Notícia Anterior

Marco Aurélio libera R$ 508 milhões da Andrade Gutierrez

21.09.2020 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Ministério do Meio Ambiente cria secretaria para Amazônia

21.09.2020 00:00 4 minutos de leitura
avatar

Redação O Antagonista

Suas redes

Instagram

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

&quot;Fim de festa para os militantes corporativos&quot;

"Fim de festa para os militantes corporativos"

Alexandre Borges Visualizar notícia
Autora de Harry Potter desabafa sobre ideologia woke

Autora de Harry Potter desabafa sobre ideologia woke

Alexandre Borges Visualizar notícia
Ativista britânica chega ao Brasil para defender mulheres contra wokismo

Ativista britânica chega ao Brasil para defender mulheres contra wokismo

Alexandre Borges Visualizar notícia
&quot;Deixem as Mulheres Falarem&quot; chega ao Brasil questionando dados do transativismo

"Deixem as Mulheres Falarem" chega ao Brasil questionando dados do transativismo

Alexandre Borges Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.