Uso de cannabis por jovens aumenta chances de experiências psicóticas, diz estudo
Pesquisa com gêmeos aponta maior frequência de experiências semelhantes à psicose entre usuários recreativos, sem envolvimento direto de mudanças estruturais na rede de saliência cerebral
Cientistas da Universidade Bilkent e da Escola de Medicina Icahn no Mount Sinai publicaram, neste mês de outubro, uma investigação com 217 gêmeos adolescentes e jovens adultos, com o objetivo de compreender os efeitos do consumo recreativo de cannabis nessa população.
O estudo, realizado com participantes na Turquia e divulgado no periódico Psychological Medicine, estabelece que, de fato, o uso da substância, em especial em pessoas jovens, está associado a uma maior incidência de experiências psicológicas atípicas, ou semelhantes à psicose (PLEs).
A associação foi analisada por meio de questionários de autorrelato e exames de ressonância magnética. O objetivo do trabalho foi discernir o caminho biológico que conecta o uso da substância a esses efeitos, em um período sensível para o desenvolvimento do cérebro.
Conexão psicológica e maturidade cerebral
A adolescência e o início da vida adulta representam estágios vitais para a maturação cerebral e para o surgimento de problemas de saúde mental. Com a crescente permissão ou legalização da cannabis, aumentam as preocupações sobre seus efeitos no desenvolvimento juvenil. As experiências semelhantes à psicose, que podem incluir alucinações leves ou pensamentos delirantes sem atingir um limiar clínico, são consideradas indicadores de vulnerabilidade a distúrbios mentais.
O estudo, que excluiu usuários diários para focar em efeitos iniciais, comparou 62 indivíduos que usavam cannabis de forma recreativa com 155 que nunca haviam consumido. Os resultados indicaram que o uso da substância estava ligado a uma maior frequência de experiências psicológicas atípicas. Entre os usuários, o total de PLEs e o subtotal de experiências positivas (como pensamentos delirantes) foram superiores em relação aos que não consumiam. Essa associação permaneceu válida mesmo após o ajuste de variáveis como sexo, idade e inteligência.
Rede de saliência e fatores ambientais
Uma explicação considerada para essa ligação envolve a rede de saliência do cérebro, que abrange áreas como a ínsula anterior e o córtex cingulado anterior. Esta rede é responsável por determinar a relevância dos estímulos externos e internos. Sabe-se que interrupções no funcionamento desta rede estão relacionadas à psicose.
Os pesquisadores, através de ressonância magnética por difusão (diffusion MRI), examinaram a conectividade estrutural dentro da rede de saliência. Um dos fatores de conectividade cerebral estudados, relacionado ao córtex cingulado anterior e à ínsula, também demonstrou associação com as experiências psicológicas atípicas.
A professora Timothea Toulopoulou, uma das autoras do estudo, disse que “um achado notável foi que as mudanças nas conexões da rede de saliência foram consistentemente associadas a episódios semelhantes à psicose em várias áreas do cérebro. Isso sugere que a rede de saliência, em vez de áreas cerebrais separadas, desempenha um papel fundamental na vulnerabilidade. Os efeitos que encontramos foram modestos, mas significativos. Mesmo pequenas alterações na conectividade cerebral durante a adolescência podem ser importantes ao longo do tempo, especialmente quando combinadas com outros fatores de risco genéticos ou ambientais”.
Contudo, ao investigar se este fator de conectividade cerebral mediava a relação entre o uso de cannabis e as experiências atípicas, os cientistas não encontraram evidências de tal efeito. Em outras palavras, apesar de ambos estarem ligados às PLEs separadamente, a estrutura da rede de saliência não era o canal pelo qual o consumo da substância exercia sua influência.
A análise, que utilizou o modelo de gêmeos para aprimorar o controle sobre influências genéticas e ambientais, indicou que fatores ambientais individuais – em vez de genética ou ambiente familiar compartilhado – foram os principais responsáveis tanto pelo uso da cannabis quanto pelo surgimento das experiências psicológicas atípicas. Isso sugere que as duas características provavelmente se desenvolveram de maneira independente em cada pessoa, moldadas por suas experiências particulares.
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