Vivemos um profundo déficit democrático
Muitos eleitores que não querem Jair Bolsonaro nem Lula têm defendido o voto branco ou nulo nas eleições de outubro. Seria uma forma de protesto, alegam. O problema é que a legislação brasileira não considera o voto branco/nulo no cálculo eleitoral. Na prática, é como protestar no Twitter em vez de ocupar as ruas...
Muitos eleitores que não querem Jair Bolsonaro nem Lula têm defendido o voto branco ou nulo nas eleições de outubro. Alegam que seria uma forma de protesto. O problema é que a legislação brasileira não considera o voto branco/nulo no cálculo eleitoral. Ou seja, na prática, é como protestar no Twitter em vez de ocupar as ruas.
É um assombro, sem dúvida. Qualquer regime democrático que se preze deveria considerar o voto nulo como voto válido e expressão máxima de insatisfação do eleitor diante da oferta precária de candidatos, entre desqualificados e criminosos em geral, incluídos genocidas e corruptos.
O fiasco dos protestos de ontem no Dia do Trabalhador se espelha na pesquisa do Instituto Paraná, divulgada hoje, mostrando que 85% dos eleitores paulistas não têm candidato ao governo estadual.
Se válido fosse o voto de protesto, o eleitorado daria um rotundo ‘cai fora’ a Fernando Haddad, Márcio França, Tarcísio de Freitas, entre outros. O mesmo se daria com Lula, Bolsonaro, Ciro etc. Seria uma revolução política, sem armas. Teriam de ser convocadas novas eleições, até o surgimento de nomes palatáveis. Democracia em estado bruto.
Em artigo publicado em 2013, a analista judiciária do TSE Renata A. de Bessa Dias defendeu o aspecto político e sociológico dos votos brancos e nulos, “como um importante meio de questionamento da ordem política estabelecida no Brasil, sobretudo quando expressos em forma de protesto”.
“A não consideração desses votos para efeito de validade de determinada eleição equivale a desrespeitar o Estado democrático de direito, que tem como um dos pilares a soberania popular”, escreveu.
Ela estava e está certa. Na conclusão do seu texto, Renata lembra que o sufrágio corresponde à “significativa expressão da democracia representativa, motivo pelo qual se pressupõe que a manifestação popular consubstanciada no ato de votar em branco e nulo é legítima e merece ser reconsiderada para efeitos de mudança da atual percepção jurídica do sistema“.
Por fim, conclui que voto consciente “não significa apenas escolher um dos candidatos, senão também protestar”. “Desse modo, mesmo que o voto nulo ou em branco não tenha efeito algum – do ponto de vista legal –, o eleitor tem o direito de se recusar a escolher um candidato, independentemente do motivo, e optar por invalidar o seu voto.”
Para mudar essa realidade hoje seria necessária a aprovação de uma PEC, mas não devemos ter esperança de que o atual Congresso, comandado por Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, se dedicará a tema tão relevante.
Sem falar que temos uma Câmara dos Deputados com apenas 5% de seus integrantes eleitos pelo voto direto. O resto ganhou o mandato via quociente eleitoral, de carona nos puxadores de voto, resultado de um sistema proporcional que só aprofunda o já abissal déficit democrático.
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