Rebole aí, terceira via
Em abril de 2021, escrevi um artigo intitulado O perigo é Lula virar o polo democrático, quando a terceira via, aquela que foi sem nunca ter sido, ainda se chamava assim -- polo democrático. Um manifesto em prol de uma candidatura alternativa às de Jair Bolsonaro e Lula havia sido divulgado, assinado por Ciro Gomes, Luiz Henrique Mandetta, João Doria, Eduardo Leite, João Amoêdo, Luciano Huck e Sergio Moro. Um ano depois, que no Brasil é sempre um século, todos esses personagens diminuíram de tamanho (alguns conseguiram a façanha de diminuir até moralmente)...
Em abril de 2021, escrevi um artigo intitulado O perigo é Lula virar o polo democrático, quando a terceira via, aquela que foi sem nunca ter sido, ainda se chamava assim — polo democrático. Um manifesto em prol de uma candidatura alternativa às de Jair Bolsonaro e Lula havia sido divulgado, assinado por Ciro Gomes (foto), Luiz Henrique Mandetta, João Doria, Eduardo Leite, João Amoêdo, Luciano Huck e Sergio Moro. Um ano depois, que no Brasil é sempre um século, todos esses personagens diminuíram de tamanho (alguns conseguiram a façanha de diminuir até moralmente). Ciro Gomes, o perdedor nato que pretendia ser novamente uma opção ao PT, vai aderir outra vez a Lula no segundo turno e, se fosse pelo seu partido, o PDT, já seria no primeiro. Ele ainda ataca o chefão petista, visto que a hipocrisia é também uma necessidade imposta pelo vício ao fracasso bem precificado, mas agora virou a sua boca solta contra Sergio Moro, a quem chamou de “inimigo da República”. Como Sergio Moro não está mais na disputa, Ciro Gomes apenas dá uma piscadela ao seu eleitorado — le gauchisme oblige — e uma requebrada para Lula e o sistema ao qual pertencem.
Luiz Henrique Mandetta, por sua vez, é uma vaga lembrança de uma pandemia que, embora ainda esteja aí, é como se não se estivesse mais, graças à vacina e também à admirável capacidade humana de entrar em estado de negação da realidade, imunizante de rebanho potentíssimo. Luiz Henrique Mandetta distanciou-se delicadamente de Sergio Moro, para não parecer traição, jogando “erros políticos” inteiramente nas costas do ex-juiz, e deve se candidatar ao Senado por Mato Grosso do Sul, por aquele Grêmio Recreativo Escola de Samba União Brasil, do qual Sergio Moro foi rebaixado da comissão de frente para puxador de carro alegórico da agremiação que, ao que tudo indica, terá o reto e vertical Luciano Bivar como candidato a presidente.
João Doria é um capítulo à parte, mas muito curto. Mantém-se firme em direção a uma derrota humilhante. Eduardo Leite, que poderia ter sido um candidato viável, se houvesse sido bem trabalhado, permanece na luta contra o incansável e fatigante João Doria, dentro do PSDB, depois de ser cortejado pelo PSD de Gilberto Kassab e pelo Grêmio Recreativo Escola de Samba União Brasil. Se não tomar cuidado, poderá virar um eterno candidato presidencial, assim como Ciro Gomes, só que à direita. Não é uma carreira gloriosa, mas traz vantagens de funcionalismo público, digamos assim.
João Amoêdo abriu mão do nada, uma candidatura pelo Novo, em nome do lugar nenhum. Acho que isso resume bem o seu envelhecimento político precoce. É outro caso de um homem com ideias certas no lugar errado — a política. (Sobre o Partido Novo, outro dia ouvi uma ótima de um candidato do partido: “O nosso candidato, Luiz Felipe D’Ávila, é bom porque ninguém conhece”.) Quanto a Luciano Huck, recém-apoiador de Eduardo Leite, ele só quer mesmo é aparecer nessa outra dança dos famosos.
Ao fim e ao cabo, passado um século — que no Brasil pode ser um ano —, o vaticínio deste escriba cada vez mais pobre (de esperanças, inclusive) se confirmou. Como escrevi lá atrás, “se o Polo Democrático modelo 2021/2022 não lançar um candidato viável a tempo de ser trabalhado eleitoralmente, o perigo é Lula virar o candidato de centro contra Bolsonaro, transmutando-se em Polo Democrático. Como disse, ele está trabalhando para isso. E, ironia, se tudo der certo para o chefão petista, poderemos assistir à maioria dos signatários do manifesto, talvez com a exceção de Sergio Moro e João Amoêdo (coitado do Amoêdo), apoiando Lula no segundo turno ou bancando o isentão, porque, sabe como é, no Brasil ainda se acredita que um extremo é mais centro do que outro. A terceira margem do rio se revelaria, então, finalmente uma miragem. ‘Eu não votaria por nem um nem por outro. No Bolsonaro, eu não voto’, para repetir a frase de Fernando Henrique Cardoso nos tempos do Polo Democrático 2018″.
Rebole aí, terceira via, no telecoteco do chefão petista.
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