Projeto que proíbe casamento gay quer impor religião ao país
Depois de diversas tentativas, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados conseguiu aprovar nesta terça-feira (10) um projeto de lei que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os deputados que chancelaram o projeto pegaram carona em um debate correto...
Depois de diversas tentativas, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados conseguiu aprovar nesta terça-feira (10) um projeto de lei que proíbe o casamento entre pessoas do mesmo sexo.
Os deputados que chancelaram o projeto pegaram carona em um debate correto, sobre os limites da atuação do Supremo Tribunal Federal (STF), para emplacar uma tese claramente inconstitucional, uma vez que passa por cima de direitos fundamentais à igualdade e à não-discriminação.
Os deputados fingem que não, mas querem impor a um país laico o pior tipo de lógica religiosa – aquela que usa a religião para estigmatizar e oprimir.
Isso é visível no relatório apresentado pelo deputado Pastor Eurico (foto): “O Brasil, desde sua constituição e como nação cristã, embora obedeça ao princípio da laicidade, mantém, na própria Constituição e nas leis, os valores da família, decorrentes da cultura de seu povo e do Direito Natural. Nesse sentido, toda lei feita pelos homens tem razão de lei porquanto deriva da lei natural.”
A trapaça consiste em substituir religião por “direito natural” e decretar, com base nisso, que “o casamento entre pessoas do mesmo sexo é contrário à verdade do ser humano”.
O relatório também é desonesto ao afirmar que o ponto de vista do pastor Eurico representa “o da maioria dos brasileiros”. Nenhuma pesquisa de opinião permite que se diga isso. Segundo a mais recente, divulgada pelo instituto Ipsos em junho deste ano, 51% acreditam que o casamento homoafetivo deve ser aceito, enquanto 69% dizem que casais do mesmo sexo devem ter o direito de adotar. Uma pesquisa um pouco anterior, divulgada pelo PoderData em fevereiro, pôs a rejeição e o apoio ao casamento homoafetivo em empate técnico: 46% e 44% respectivamente, sendo que a margem de erro era de 2 pontos percentuais para mais ou para menos.
Nem mesmo a ideia de que o reconhecimento do casamento gay pelo STF representa um caso extremo de ativismo é correta. O julgamento, realizado em 2011, foi bem diferente de outros que estão no centro das discussões atuais sobre excessos do tribunal.
Naquela ocasião, o STF não passou por cima de nenhuma vedação explícita da legislação brasileira, como acontece na ação sobre aborto, nem abriu uma brecha para que um crime – como o tráfico de pequenas quantidades de drogas – seja cometido impunemente. Pelo contrário.
Como diz a ementa do julgamento, a corte apenas respeitou o princípio de que “não se proíbe nada a ninguém senão em face de um direito ou da proteção de um legítimo interesse de outrem”. Assegurou, além disso, que brasileiros não seriam tratados como cidadãos de segunda categoria por causa de sua orientação sexual.
O fato de todas essas decisões serem postas no mesmo balaio é mais uma consequência infeliz da arrogância com que o STF se comportou nos últimos anos. Vai custar muito trabalho à corte restaurar a autoridade que não lhe deve ser negada de fazer valer direitos implícitos na Constituição e mostrar que nem sempre isso representa um avanço indevido sobre as competências do Legislativo.
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PS: Escrevi dias atrás que os primeiros movimentos do ministro Luis Roberto Barroso na presidência do STF indicavam que o ativismo seguiria forte durante o seu mandato, mas logo em seguida ele tomou uma decisão prudente e acertada: disse que não dará prosseguimento ao julgamento sobre aborto depois do voto da ministra Rosa Weber, que se aposentou, porque o tema precisa ser discutido pela sociedade. Parabéns ao ministro.
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