O STF faz o Brasil regredir dez anos no combate à corrupção
Nesta terça-feira (6), a 1ª Turma do STF (foto) arquivou mais uma das denúncias nascidas da Lava Jato contra o deputado federal Arthur Lira. Com decisões como essa, que não é isolada, voltamos ao período anterior ao julgamento do mensalão...
Nesta terça-feira (6), a 1ª Turma do STF (foto) arquivou mais uma das denúncias nascidas da Lava Jato contra o deputado federal Arthur Lira.
Com decisões como essa, que não é isolada, o tribunal faz Brasil regredir pelo menos 10 anos no combate à corrupção. Voltamos ao período anterior ao julgamento do mensalão.
O que o STF vem descartando na lata de lixo é o aparato necessário para que os crimes praticados por gente rica e poderosa sejam punidos.
Crimes de colarinho branco são notoriamente difíceis de investigar porque envolvem, quase sempre, esquemas de acobertamento e de lavagem de dinheiro.
Seus chefões também são notoriamente difíceis de alcançar, porque se encontram no topo de uma estrutura com vários tipos de operador – desde o homem que carrega a mala com dinheiro vivo até o expert financeiro que gerencia contas em paraísos fiscais.
Por causa disso, países que levam a sério o combate à corrupção desenvolveram, ao longo do tempo, ferramentas especiais para o combate ao crime organizado e aos delitos de colarinho branco.
Importada recentemente dos Estados Unidos, a delação premiada é uma dessas ferramentas. No seu melhor figurino, ela obedece ao “princípio da escalada”: o pé-rapado preso em flagrante recebe um benefício, como não ir para a cadeia, se ajudar os investigadores a subir na hierarquia do crime, aproximando-se dos mandantes.
Quem acompanhou o julgamento do mensalão, em 2012, provavelmente se lembra da “teoria do domínio do fato”. Nascida na Alemanha, ela tem propósito semelhante ao da delação premiada: permitir que a lei alcance quem dá ordens aos soldados rasos da criminalidade, aqueles que recebem a propina num estacionamento ou puxam o gatilho da arma.
Também se falou muito no mensalão das “provas indiciárias” – aquele conjunto de sinais que permite ao juiz ter certeza sobre o crime, seus autores e suas circunstâncias, mesmo que falte alguma peça no quebra-cabeça.
Se a denúncia contra Arthur Lira tivesse sido julgada nesta semana por ministros imbuídos do mesmo espírito que tomou o STF na época do mensalão, o caso não teria sido arquivado.
É mentira que a denúncia estivesse amparada tão somente na delação premiada do doleiro Alberto Youssef. O que deu origem à investigação foi algo muito concreto: um assessor de Arthur Lira foi preso tentando embarcar num avião carregando clandestinamente R$ 106 mil. Depois disso, a Polícia Federal coletou 12 tipos de provas apontando para a hipótese de que o dinheiro era propina endereçada ao deputado federal — exatamente da maneira como Youssef havia relatado.
O STF não precisava ter acompanhado a vergonhosa cambalhota da procuradora Lindôra Araújo, que fez a PGR primeiro denunciar Arthur Lira e depois voltar atrás. Se a corte valorizasse, como já fez no passado, o papel das provas indiciárias para punir crimes que de outra maneira tendem a ficar impunes, teria mantido a sua decisão original de processar o deputado.
O que se abortou no Brasil, desde que o STF decidiu não apenas desmoralizar Sergio Moro e outros protagonistas da Lava Jato, mas também menosprezar ou invalidar o acervo de provas colhido pela operação, foi o desenvolvimento dessa mentalidade que trata a corrupção como um tipo diferenciado de crime, que costuma valer a pena se não for combatido com armas jurídicas especiais.
Advogados criminalistas endinheirados, que odeiam delações premiadas e outros institutos semelhantes, pois eles reduzem suas chances de vencer processos, dizem que a aniquilação de todo o legado da Lava Jato (que também significa a aniquilação do legado do julgamento do mensalão) restitui o Brasil ao bom caminho do garantismo jurídico.
Não é isso. Na verdade, ao retroceder uma década no julgamento de processos sobre corrupção, o STF restitui o Brasil ao velho caminho da seletividade penal.
Essa foi uma expressão forjada por juristas como o italiano Alessandro Baratta, que é de esquerda como Ricardo Lewandowski, nosso grande ideólogo do garantismo penal, mas que ao contrário dele não se alegra com a ideia de manter corruptos fora da cadeia.
O caminho da seletividade penal é aquele em que a lei não é para todos e só pune a arraia miúda, sem jamais chegar aos grandes.
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