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O Ministério da Pesca de Lambaris

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Augusto de Franco
7 minutos de leitura 18.12.2022 09:33 comentários
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O Ministério da Pesca de Lambaris

Alguns bons analistas políticos querem acreditar que estão corretos quando pensam assim. "Olha, o PT é complicado mesmo, mas Lula provou que é um social-democrata de centro-esquerda convertido aos valores liberais. E, como ele é o presidente...

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Augusto de Franco
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O Ministério da Pesca de Lambaris
Foto: Ricardo Stuckert

Alguns bons analistas políticos querem acreditar que estão corretos quando pensam assim. “Olha, o PT é complicado mesmo, mas Lula provou que é um social-democrata de centro-esquerda convertido aos valores liberais. E, como ele é o presidente, vai dobrar os seus radicais”.

A intenção é boa. Eles querem que Lula acerte pelo bem das pessoas. No entanto, tal pensamento positivo (wishful thinking) tem várias falhas. A primeira delas é imaginar que Lula pode mudar a cultura petista, forjada ao longo de 40 anos, a partir da sua vontade, da sua popularidade e dos seus instrumentos de poder.

A segunda falha é avaliar que, sendo Lula maior do que o PT, ele pode fazer o que quiser com o partido. Ora, Lula é maior do que o PT eleitoralmente, não organicamente. Se fosse, não teria precisado da militância ideológica intolerante para se lançar como líder político.

Lula não teria chegado onde chegou apenas pelo seu carisma e pela sua alta gravitatem. Precisou do muque da militância, tanto sindical quanto partidária, para conquistar posições e praticar a política como uma continuação da guerra por outros meios contra “as elites”.

A terceira falha é imaginar que Lula seja uma versão cabocla de um Olaf Scholz ou de uma Sanna Marin. Não é. Nunca foi. Em toda a trajetória de construção do PT a social-democracia foi um dos inimigos principais, chamada de direita, neoliberal, quando não de fascista.

Basta ver quem são os aliados principais de Lula. Não são as democracias liberais e sim os regimes populistas dirigidos por socialistas (Chávez, Evo e Arce, Correa e Moreno, Lugo, Funes e Cerén, Zelaya e Xiomara, Cristina e Fernández, Obrador, Castillo, Petro). Além, é claro, dos populismos de esquerda que viraram ditaduras, como a Venezuela de Maduro e a Nicarágua de Ortega. Isso para não falar das velhas ditaduras do século passado, como Cuba e Angola.

Basta ver, ademais, a falta de proximidade do lulopetismo com as pouquíssimas democracias liberais das Américas, como Canadá, EUA, Barbados, Costa Rica, Uruguai e Chile.

A intenção é boa, convém repetir. Mas é uma ereção do desejo. Eles construiram um PT imaginário e um Lula imaginário. Eles realmente gostariam que fosse assim: um lulopetismo reformado por um Lula 3.0, que aposta numa frente ampla para fazer um governo de transição.

O mais curioso é que esses analistas não têm a menor noção do que é uma organização política de esquerda. Como, em geral, nunca pertenceram a uma, nunca organizaram alguma e foram dirigentes de nenhuma, acreditam que se trata de mais uma sigla, igual às demais.

Ora, uma organização política desse tipo não é o seu líder: são os seus quadros (dirigentes e militantes). Portanto, não é somente Lula. Não são apenas seus representantes eleitos e suas frentes e coalizões nos parlamentos e governos. O PT é – essencialmente – a organização de combate constituída por seus dirigentes e militantes, que almeja converter todas as pessoas em simpatizantes do partido. E esse objetivo orgânico está acima de qualquer outro alvo programático (Hannah Arendt, em 1951, percebeu isso pioneiramente no seu monumental estudo sobre o totalitarismo). Sim, é um organismo com vida própria e, por isso, dificilmente vai deixar de ser o que é: porque não pode mudar naquilo que o define. Não é por outra razão que, em relação ao PT, sempre se lembra do dito de Charles-Maurice de Talleyrand-Périgord sobre os Bourbon: “eles não aprenderam nada e não esqueceram nada”.

Temos agora um exemplo concreto para examinar: o da falsa frente ampla. A mentira de que havia frente ampla foi divulgada com exemplos, igualmente mentirosos, de que economistas liberais de centro – como Armínio, Malan, Pérsio, Bacha e Meirelles – iam compor o governo. Era tão grande seu desejo de que assim fosse, para que se concretizasse o seu Brasil imaginário, que nossas pollyannas da análise política não conseguiram acreditar que isso não fosse verdade.

Mas, não! O governo Lula não será um governo de frente ampla. Será um governo quase puro-sangue do PT. Basta ver quem ocupa os ministérios realmente importantes. Ninguém imaginou que Lula não indicaria nomes do PT. O que estamos dizendo é que, até agora, para os aparatos fundamentais de governo, só indicou nomes do PT ou subordinados ao PT. Vejamos:

Fazenda – Fernando Haddad do PT

Casa Civil – Rui Costa do PT

Justiça e Segurança Pública – Flávio Dino, ex-PCdoB, atual PSB, satelizado pelo PT

Defesa – José Múcio, ex-ministro de Lula

Relações Exteriores – Mauro Vieira, ex-ministro de Dilma

Educação – Camilo Santana do PT

Saúde – Além da Nísia Trindade (simpatizante do PT), os demais cotados são todos do PT (Temporão, Padilha, Chioro, Humberto)

Planejamento – Wellington Dias do PT (cotado) ou Renan Filho (também cotado), neosatelizado pelo PT.

BNDES – Aloizio Mercadante do PT

Petrobras – Jean Paul Prates (cotado) do PT

Desenvolvimento Social – Se Simone Tebet for convidada e aceitar, será apenas uma cereja simbólica num bolo inchado, um enfeite em um ministério hegemonicamente petista.

Para os aliados sobrará, quem sabe, os ministérios que ainda serão inventados, como o poderoso Ministério da Pesca de Lambaris (ou, quem sabe, um Ministério dos Cuidados Paliativos).

E se está assim no tocante aos dez ministérios de verdade, imagine-se o que não acontecerá em cargos de segundo e terceiro escalões nesses e em outros trinta ministérios a ser inventados. Pode-se continuar acompanhando novas nomeações, mas não sem antes aplicar um infalível “Teste de Frente Ampla”. Quando forem anunciados os nomes dos ministros que não são petistas, nem da esquerda satelizada pelo PT, procurem saber o nomes dos secretários executivos e outros de segundo e terceiro escalões, para ver se são petistas ou da esquerda satelizada pelo PT.

Nada disso será divulgado com a necessária ênfase (o jornalismo chapa-branca, ao que parece hoje dominante, é mesmo insuportável). Mas a coisa que mais dói na gente não é nem isso. É ver nossos amigos analistas fingindo que não estão vendo o que está acontecendo ou passando pano:

Violar o teto fiscal? “Ah! Já foi mais do que perfurado por Bolsonaro”.

Gastar o triplo (ou, quem sabe, o quádruplo) do necessário para o Bolsa Família? “Ora, Lula precisa mesmo de dinheiro para outros projetos importantes”.

Rasgar a Lei das Estatais para fazer nomeações políticas? “Ah! Mas agora é para o bem”.

Interromper o programa de privatizações? “Sim, temos de parar de vender nossas empresas públicas e provar que elas são rentáveis. Afinal, nossa soberania depende disso”.

Nomear só petistas ou satelizados pelo PT para todos os cargos realmente importantes? “Ora, nada mais natural. Afinal foi Lula que ganhou a eleição”.

E a frente ampla? “Vai de vento em popa. Mas o papel da frente ampla agora é impedir que Bolsonaro volte”.

E uma oposição democrática, não é necessária? “Quem fará oposição é o bolsonarismo. Não podemos ficar juntos com os fascistas. Ser democrata agora exige ser governista. O destino da democracia no Brasil depende do governo Lula dar certo”.

Então tudo que o governo Lula fizer estará certo.

*Augusto de Franco é escritor e palestrante.

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