Nem vergonha, nem culpa Nem vergonha, nem culpa
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Nem vergonha, nem culpa

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Carlos Graieb
4 minutos de leitura 19.01.2022 20:03 comentários
Brasil

Nem vergonha, nem culpa

Há duas semanas, a imprensa britânica está inundada com a palavra "vergonha". São críticas ao primeiro-ministro Boris Johnson, que impôs regras de isolamento na Inglaterra, por causa da covid, mas deixou que organizassem duas festas nos jardins de seu gabinete e residência oficial. Ambas as farras, no estilo "traga sua própria birita", aconteceram em abril do ano passado, às vésperas do enterro do Príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth, o que piorou a situação...

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Carlos Graieb
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Nem vergonha, nem culpa
Foto: Alan Santos/PR

Há duas semanas, a imprensa britânica está inundada com a palavra “vergonha”. São críticas ao primeiro-ministro Boris Johnson (na foto, com Bolsonaro), que impôs regras de isolamento na Inglaterra, por causa da covid, mas deixou que organizassem duas festas nos jardins de seu gabinete e residência oficial. Ambas as farras, no estilo “traga sua própria birita”, aconteceram em abril do ano passado, às vésperas do enterro do Príncipe Philip, marido da rainha Elizabeth, o que piorou a situação. Há uma investigação em curso para saber até que ponto Johnson estava ciente da preparação das festas.

Talvez o mais surpreendente do episódio seja que as acusações de falta de vergonha surtiram efeito. Johnson tem um longo histórico de gafes, grosserias, declarações ultrajantes e mentiras desmascaradas, mas muitíssimo raramente ele condescendeu em pedir desculpas. Desta vez, ele fez uma cara realmente contrita ao pedir que o povo britânico e a rainha o perdoem por ter deixado o pagode correr solto no quintal, enquanto o país estava em luto e trancado em casa. O pedido de perdão pode não surtir efeito, pois há muita gente ofendida dentro do próprio Partido Conservador de Johnson. Depois de escapar de várias crises, é bem provável que ele caia desta vez. 

Boris Johnson é um exemplo daquilo que a linguista e socióloga austríaca Ruth Wodak chamou de “normalização da sem-vergonhice”.  Wodak é autora de um livro influente sobre o populismo, The Politics of Fear (“A Política do Medo”). Segundo ela, um dos traços mais marcantes do ambiente político atual é que antigas regras de comportamento, sobretudo as que dizem respeito à civilidade, passaram a ser tratados como estorvos por muita gente que ocupa o poder e –  agora vem a pior parte – sem que isso traga consequências. Esses políticos mentem sem enrubescer, e não enrubescem quando são pegos na mentira. Eles agridem com atos e palavras quem não pertence à sua alcateia e, principalmente, acham que não devem prestar contas a ninguém. Nem por isso sofrem impeachment ou, no parlamentarismo, recebem uma moção de desconfiança. Trata-se de um mundo em que “pedir desculpas já não parece necessário e todos os insultos saem barato”, diz Wodak.

Uma outra vertente de pensamento prefere olhar a política pelas lentes da psicologia e discorda de Wodak. Acham que mais importante do que exigir que os políticos tenham vergonha na cara é fazer com que eles sintam culpa. São reações parecidas, mas não iguais. A vergonha é um sentimento negativo sobre aquilo que eu sou, enquanto a culpa se refere àquilo que eu fiz. A primeira é uma ferida profunda, que parece não ter cura. É o que leva o samurai a cometer harakiri. Já a culpa pode ser expiada e perdoada. Vários experimentos comportamentais mostram que pessoas que sentem vergonha tendem a se esconder ou negar seus erros, enquanto a culpa pode induzir ações de reparação e reconciliação

Eu não tenho certeza que Johnson sentiu vergonha, como seus eleitores exigem, mas pouco importa. Depois de ver a palavra repetida na imprensa britânica, pensei obviamente em nossa própria tragédia. Jair Bolsonaro é um páreo duro para qualquer concorrente, seja Johnson, Donald Trump ou Victor Orbán. Tentei descobrir o que há por trás do comportamento do nosso antipresidente, mas é complicado. É por ser desavergonhado ou incapaz de sentir culpa que Bolsonaro fez o que fez durante a pandemia? Que ele sambou no jet ski enquanto as pessoas morriam e perdiam as casas em Minas Gerais? Que ontem mesmo ele mentiu, dizendo que baixou regras permitindo a destruição de “buracos de tatu”, quando sabe perfeitamente bem que o dano que ele autorizou será causado a grandes cavernas, com ecossistemas complexos e irrecuperáveis?  

Aliás, o mesmo raciocínio se aplica ao PT, É por falta de vergonha ou incapacidade de sentir culpa que o partido jamais fez a tal “autocrítica”, ou seja, jamais pediu desculpas por ter roubado e deixado roubar loucamente enquanto esteve no poder? 

Passei um tempo pensando nessas coisas e só cheguei a uma conclusão: quando se trata de Lula e Bolsonaro, mais importante que a vergonha ou a culpa sentida, é a vergonha ou a culpa atestada por provas.  Bom mesmo seria ter uma Justiça no Brasil que pusesse e mantivesse na cadeia quem descumpriu as leis. 

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Carlos Graieb

Carlos Graieb é jornalista formado em Direito, editor sênior do portal O Antagonista e da revista Crusoé. Atuou em veículos como Estadão e Veja. Foi secretário de comunicação do Estado de São Paulo (2017-2018). Cursa a pós-graduação em Filosofia do Direito, da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP).

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