Milei e a internacionalização da direita
A direita brasileira torceu muito pela vitória de Javier Milei (foto) nas eleições da Argentina. Sei disso porque entrevistei várias pessoas ligadas a partidos e centros de estudo da direita enquanto apurava a reportagem de capa de Crusoé desta semana, e todos estavam de dedos cruzados. Além da preferência pela agenda econômica do candidato libertário...
A direita brasileira torceu muito pela vitória de Javier Milei (foto) nas eleições da Argentina.
Sei disso porque entrevistei várias pessoas ligadas a partidos e centros de estudo da direita enquanto apurava a reportagem de capa de Crusoé desta semana, e todos estavam de dedos cruzados.
Além da preferência pela agenda econômica do candidato libertário (privatizações, gastos públicos contidos, apoio à iniciativa privada), havia uma dose de pensamento mágico nessa torcida.
Mais de um entrevistado disse que as corridas presidenciais na Argentina têm antecipado tendências nos Estados Unidos e no Brasil: quando Maurício Macri ganhou, seguiram-se as vitórias de Donald Trump e Jair Bolsonaro; depois de Alberto Fernández, vieram Joe Biden e Lula.
A vitória de Milei, portanto, poderia muito bem ser prenuncio de um retorno de Trump à Casa Branca, no ano que vem, e da eleição de um político de direita nas eleições brasileiras de 2026.
Obviamente, essa correlação não existe. Não dessa maneira automática.
Ainda que a identificação ideológica entre eleitores e candidatos pareça ter ganhado peso em todo o mundo na última década, fatores domésticos continuam sendo determinantes na definição do voto: a situação da economia, sempre; a capacidade do candidato de entregar suas promessas de campanha; atitudes que espantam ou atraem a simpatia do eleitorado que não se alinha a priori nem com a esquerda nem com a direita…
Mas há razões concretas para que a eleição de Milei seja uma boa notícia para a direita brasileira.
O intercâmbio entre os representantes de vários países nesse campo ideológico se consolidou nos últimos anos. Há um esforço para mostrar que todos fazem parte de uma grande família com valores e propósitos comuns.
Políticos como Eduardo Bolsonaro e Marcel van Hattem viajaram para a Argentina durante a campanha. Trump e Jair Bolsonaro se apressaram em parabenizar Milei pela vitória em termos entusiásticos e não apenas protocolares.
Milei poderá ser um aliado significativo se mantiver o tom crítico a Lula, mesmo que mais comedidamente que durante a campanha, e se oferecer palanque para os brasileiros.
Bolsonaro não hesitou um segundo em agarrar a oportunidade. Além da mensagem de parabéns, telefonou para Milei e já articula sua presença na posse, no começo de dezembro. Ainda que esteja impedido de disputar as presidenciais de 2026, Bolsonaro poderá usar o status de “liderança internacional” que esse tipo de conexão lhe proporciona para manter seu cacife na campanha e abençoar um sucessor.
Qualquer político que queira representar a direita brasileira sem identificar-se com o bolsonarismo já está em desvantagem, caso creia ser relevante demonstrar intimidade com sua contraparte da Argentina.
Por certo, também existe um grande risco nessa estratégia de internacionalização da direita. A missão de Milei não é simples: suas ideias, como a dolarização da economia, não são de fácil implementação; sua base no Congresso argentino é ínfima; medidas impopulares de cortes de subsídios terão de ser tomadas mais cedo ou mais tarde para acertar as contas do governo. Num país com imensas problemas e muita pressa em ver soluções, o entusiasmo pode se converter rapidamente em decepção.
Sim, é verdade que o vento soprou na mesma direção nas últimas eleições da Argentina, dos Estados Unidos e do Brasil. Mas derrotas podem ser tão compartilhadas quanto vitórias.
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