Jerônimo Teixeira na Crusoé: “Crime de opinião”
Fico intrigado quando ouço que um crime de opinião está sendo investigado...
Fico intrigado quando ouço que um crime de opinião está sendo investigado. Talvez seja assim porque minha ideia do que seja um investigador seja demasiado literária, e não consigo imaginar Maigret ou Poirot esclarecendo se o tuíte de um aposentado de Santa Catarina constitui incitação ao golpe de Estado. Mas tampouco consigo figurar o procedimento seguido nas delegacias brasileiras para resolver casos assim.
Suponho que um meganha seja escalado para assistir ao stand up em que um humorista faz piadas ruins sobre nordestinos e gays, ou para ver o vídeo em que o youtuber com nome de bicicleta defende a legalização de partidos nazistas, ou para ler tuítes de possíveis inimigos da democracia. Ao final do que podem ser horas à frente do computador, ele deve fazer um relatório sobre o que viu, ouviu e leu, e com base neste documento um processo judicial talvez seja aberto. Espero não ofender o zeloso investigador encarregado de tarefas tão tediosas quando digo que nada disso me parece exigir habilidades detetivescas. São casos em que sequer paira dúvida sobre a identidade do suposto criminoso, pois o material investigado costuma ser ostensivamente autoral.
O que se exige do abnegado agente da lei é estômago. O mercado de opinião – no qual ocupo um modesto lugar – anda, na média, muito insalubre. Sei bem o que o pobre policial enfrenta. Para um artigo sobre neostalinismo na falecida revista Época, me enfronhei nos canais de YouTube de um clubinho de negacionistas da História que conversam trivialmente sobre o emprego humanista do pelotão de fuzilamento. Também já vi o vídeo no qual o então deputado federal Daniel Silveira compartilhou com seus seguidores a fantasia de ver o ministro Edson Fachin ser surrado com um gato morto. No exercício profissional, frequento o Twitter (aliás, X) de lulistas e bolsonaristas, e leio ainda as postagens dos gurus destas duas seitas políticas.
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