Interferência do governo na siderúrgica Tupy é esculhambação
O governo Lula indicou dois de seus ministros para o Conselho de Administração de uma empresa privada. O assunto não fez o barulho que merece porque é muito técnico e as pessoas de fora do meio corporativo ainda...
O governo Lula indicou dois de seus ministros para o Conselho de Administração de uma empresa privada. O assunto não fez o barulho que merece porque é muito técnico e as pessoas de fora do meio corporativo ainda vão demorar a entender o que ocorreu e a gravidade.
Esse precedente carimba todas as empresas brasileiras com a marca da esculhambação. É um balde de água fria em esforços pela governança corporativa de muita gente séria e competente durante décadas em todo o país. Explico por quê.
A Tupy é uma siderúrgica de mais de 80 anos, privada, multinacional, sediada em Joinville, Santa Catarina. Como toda empresa que produz ferro no Brasil, sempre foi próxima dos governos. Numa crise em 1995, o governo fez uma operação de resgate e se tornou o maior acionista.
No ano 2000, a Bolsa de Valores criou uma listagem especial chamada Novo Mercado. Para estar ali, uma empresa tem de alcançar nível de excelência em governança corporativa. Esse termo define o sistema de direção de uma empresa.
Uma boa governança ocorre quando a estrutura e os processos internos são fundados em responsabilidade, zelo e transparência. Isso envolve, segundo o IBGC, “os relacionamentos entre sócios, conselho de administração, diretoria, órgãos de fiscalização e controle e demais partes interessadas”.
A Tupy é uma empresa listada no Novo Mercado da Bolsa de Valores. Isso quer dizer que, segundo os parâmetros e regras vigentes no Brasil, ela tem excelência em governança corporativa. Mesmo assim, acabou com dois ministros de Estado sem nenhuma experiência para o cargo em seu conselho de administração.
Isso ocorreu porque a BNDESPAR, área de participações do BNDES, tem 28,2% das ações. Ela pode indicar dois conselheiros. Os anteriores eram técnicos da instituição. Agora houve a opção de uma indicação política numa empresa privada.
Somos um país sem a menor vergonha na cara e, naturalmente, não é a primeira vez em que essas indicações políticas ocorrem. Aqui, no entanto, é um passo muito além. No Brasil, dois ministros de Estado podem ser enfiados do dia para a noite no órgão que decide estratégia e relações governamentais de uma empresa privada multinacional.
Isso é possível de ocorrer mesmo em empresas que cumprem todas as regras para fazer parte da listagem de excelência em governança corporativa da Bolsa de Valores. É de se perguntar qual a utilidade da listagem ou a eficácia das regras.
Há países em que são normais indicações de membros do governo ou do partido do governo para conselhos de empresas privadas. Na China, por exemplo, é regra do jogo ter um membro do partido comunista e isso já está na conta de quem resolve ter negócios lá. Aqui não estava, é uma democracia.
Vale lembrar que, sob a batuta da atual gestão, o BNDES conseguiu acumular uma impressionante queda de lucro líquido. Foram menos 45% no primeiro semestre em comparação com o primeiro semestre do ano passado.
O combo de expertise e boas escolhas que derrubou o lucro do BNDES é a mesma fonte de sabedoria que escolhe enfiar ministros em empresas privadas. As ações da Tupy, que tem capital aberto, estão caindo desde o anúncio dos novos conselheiros.
Eles já estão saindo bem mais caros que o salário de até R$ 1 milhão por ano. Resta saber se só a Tupy e seus acionistas pagarão a conta ou se a docilidade com que o tema tem sido tratado fará com que a interferência política em empresas privadas vire uma epidemia nacional.
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