Dennys Xavier na Crusoé: Platão para o século 21
Não há espaço para os melhores onde o bem deixou de ser a medida última das coisas. E é nesse momento que os piores começam a governar
O clássico diálogo de Platão A República não é um estudo sobre a construção da cidade-ideal, da pólis perfeita, como muitos imaginam.
Aliás, essa é uma leitura que reduz Platão a um arquiteto de cidades utópicas, ignorando que seu verdadeiro ofício era mais profundo: Platão era um topógrafo da alma e, quando pensa a cidade, pensa na mais bem ajustada estrutura comunitária para acolher o melhor da natureza humana e para afastar, tanto quanto possível, o pior de nós.
A cidade, n’A República, é apenas imagem, símbolo, um espelho ampliado do que se passa no interior do ser humano.
O que se organiza ali não é um Estado, mas a psique, o interior de cada um de nós: é o óbvio magistralmente exposto; não se pode esperar que uma cidade (que é, em última instância, a projeção coletiva das almas que a compõem) seja justa, livre ou virtuosa, se seus cidadãos estão desordenados em seu interior.
Quando a alma está doente, dominada pela epithymía (o desejo desenfreado), sem a regência do logos (razão) e o equilíbrio do thymós (ânimo, coragem), o que se projeta no espaço público é uma cidade corrupta, injusta, tirânica.
Nesse sentido, as formas de governo descritas por Platão não são modelos institucionais abstratos, mas arquétipos de tipos humanos (oligarca, democrata, tirano) conforme a alma que os anima.
Platão nos fala, pois, de nós mesmos. Quando aponta a necessidade de uma educação rigorosa, de uma ginástica da alma e de uma vigilância permanente da razão sobre os apetites, está desenhando um ideal de vida filosófica, não de regime político.
A justiça que se busca não nasce de instituições, mas da integridade que pode ser virtualmente encontrada em cada um de nós.
A pólis verdadeira, nesse sentido, é a que se realiza em cada um: quando se consente, livremente, à autoridade do logos, e não à sedução do desejo.
A cidade moderna, fundada não na ordem da alma, mas na desordem das massas, se tornou hostil à excelência.
Não há lugar para os melhores onde impera…
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