Deixem Pelé morrer em paz Deixem Pelé morrer em paz
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Deixem Pelé morrer em paz

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Rodolfo Borges
4 minutos de leitura 07.01.2023 13:00 comentários
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Deixem Pelé morrer em paz

Duzentos milhões de coveiros em ação, pra frente Brasil, salve a inumação. Ou algo assim. Edson Arantes do Nascimento morreu, Pelé é eterno e todos os jogadores de futebol que não foram ao velório do Rei levaram...

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Deixem Pelé morrer em paz
Velório de Pelé, na Vila Belmiro, em Santos. (Foto: Divulgação/Santos FC)

Duzentos milhões de coveiros em ação, pra frente Brasil, salve a inumação. Ou algo assim. Edson Arantes do Nascimento morreu, Pelé é eterno e todos os jogadores de futebol que não foram ao velório do Rei levaram cartão vermelho. Os árbitros que deram o cartão já estavam buscando razão para expulsar todos os heróis do penta, do tetra e da tentativa de hexa há muito tempo.

A crônica esportiva engajada não suporta a falta de engajamento dos craques brasileiros. Como é o ditado? Quando a senzala apoia Jair Bolsonaro, o Casagrande surta. Neymar estava cantando enquanto Pelé era homenageado na Vila Belmiro. Romário estava num shopping center. E Caetano Veloso estacionava o carro no Leblon.

Realmente essa história toda não pegou nada bem, principalmente para Kaká, que mordeu a isca do debate político e disse que o Brasil não liga para o tamanho de seus ídolos — o comentário abriu a lateral para o avanço dos adversários pela ponta-esquerda. São Marcos também foi mal, pegou pilha e botou a própria mãe no meio.

Está claro que Pelé é muito maior do que tudo isso, é infinito, esteve em todas as capas dos jornais que ninguém mais compra e que talvez tenham se prestado à última demonstração de utilidade nas bancas de revista: lembrar da época doce em que a unanimidade existia, ainda que fosse burra. Quer dizer, nem um mísero tuiteiro conseguiu viralizar uma mensagem sobre o pecado mortal do maior jogador da história — há maior demonstração de prestígio atualmente do que isso?

Mas a sanha moralista das redes sociais foi o bastante para enervar alguns jogadores. Como se todos eles não tivessem prestado suas homenagens ao Rei do futebol em vida. Basta checar os feeds de todos eles. Todos têm pelo menos uma foto ao lado do ídolo maior do futebol mundial. As deferências devidas foram prestadas por esses jogadores mais novos ao longo das últimas duas décadas, pessoalmente. É o que Rivaldo disse ao justificar sua ausência, inclusive.

O próprio Pelé foi muito criticado por não ter comparecido ao enterro de Garrincha, em 1983. Mandou uma coroa de flores, como fizeram agora Ronaldo Fenômeno e Romário. Ao se explicar, anos depois, o tricampeão mundial disse que não gostava de enterros. E o que qualquer pessoa tem a ver com isso? Nem ele, nem Walter Casagrande Jr., que se apresenta hoje como a consciência do futebol brasileiro, devem satisfações sobre isso para ninguém.

Durante um bom tempo de sua carreira (e aposentadoria), Pelé foi submetido ao mesmo patrulhamento que os despolitizados craques de hoje têm de enfrentar cotidianamente. O Rei falou sobre isso em documentário lançado em 2021: “Em lugares que eu passo ou chego, em aeroporto, restaurante quando a gente vai almoçar, é uma coisa engraçada, porque os caras misturam as coisas, vêm me cobrando”. “Eu era jogador de futebol, gostava de jogar, gostava muito, mas eu não sou político, eu sou brasileiro”, completou.

No documentário Pelé, o protagonista diz torcer “para que o povo não sofra, para que os políticos honestos estejam para administrar o país, mas infelizmente não podemos mudar”. “Não posso mudar a lei. O pessoal às vezes confunde e vem cobrando coisas que não estão ao meu alcance. Já criticamos vários governantes, agora, resolver o problema, nós não vamos”, constata.

Na simplicidade do maior jogador de todos os tempos, Pelé estava certo. Quando não se sabe do que está falando, o melhor a fazer é exatamente calar. Para não ser usado politicamente. Para não permitir que seu prestígio seja instrumentalizado. É uma opção muito melhor do que ceder à pressão da massa — moralmente melhor, claro, porque, do ponto de vista de relações públicas, o ideal seria cada jogador pegar um jatinho, abraçar o caixão e tirar uma selfie ao lado do corpo.

É o que qualquer político experiente faria, para os aplausos do eleitorado. É a alternativa óbvia para quem adotou a política como religião, para quem acha que cobrar um escanteio ou um lateral é um ato político, mas principalmente para quem não percebe que subir em cima de um caixão para fazer discurso político é muito mais desrespeitoso do que não comparecer ao enterro.

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Rodolfo Borges

Rodolfo Borges é jornalista formado pela Universidade de Brasília (UnB). Trabalhou em veículos como Correio Braziliense, Istoé Dinheiro, portal R7 e El País Brasil.

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