Cada qual na sua caixa Cada qual na sua caixa
O Antagonista

Cada qual na sua caixa

avatar
José Nêumanne Pinto
6 minutos de leitura 13.11.2022 11:06 comentários
Opinião

Cada qual na sua caixa

Às vésperas da chegada do verão e das festas de fim de ano, as atenções do Brasil voltam-se para a Copa do Mundo da Fifa, a transição do desgoverno Bolsonaro para a frente amplíssima comandada por Lula e os palpites dos militares sobre a liberdade da palavra e da ação das instituições democráticas. Em jogo estão a paz e a prosperidade de um País ameaçado...

avatar
José Nêumanne Pinto
6 minutos de leitura 13.11.2022 11:06 comentários 0
Cada qual na sua caixa
Foto: Nelson Jr./SCO/STF

Às vésperas da chegada do verão e das festas de fim de ano, as atenções do Brasil voltam-se para a Copa do Mundo da Fifa, a transição do desgoverno Bolsonaro para a frente amplíssima comandada por Lula e os palpites dos militares sobre a liberdade da palavra e da ação das instituições democráticas. Em jogo estão a paz e a prosperidade de um País ameaçado.

Em óbvio abuso do nepotismo, o treinador da seleção nacional, Adenor Bachi, vulgo Tite, mantém um filho na comissão técnica, pôs o gente fina Dani Alves no avião para o Qatar e manteve no Brasil o craque do Brasileirão, Gustavo Scarpa, do Palmeiras. Treinando no Barcelona B, o lateral direito baiano está distante de atender às exigências da disputa de um torneio rápido e de excelência. Mas exerce, segundo notícias da cobertura da aventura nas Arábias, a habilidade de pandeirista-mor no ônibus que transporta o time do hotel para os estádios e de volta. A ausência do melhor jogador do mais disputado campeonato nacional do planeta torna o sonho do hexa uma miragem nos desertos dos emirados.

Com 60 milhões de votos na bagagem, o ex-dirigente sindical Luiz Inácio Lula da Silva, compareceu na mesma semana ao Centro Cultural do Banco do Brasil para escalar a equipe que receberá os dados oficiais do desgoverno do ex-presidente em exercício e de folga, Jair Bolsonaro, para começar o ano novo conduzindo a reconstrução do Brasil destroçado. No discurso de abertura dos trabalhos, ele exaltou a isonomia ao lembrar que os derrotados na disputa eleitoral não são menores do que os vencedores. Conceito vago, mas precioso.

Cometeu, porém, o deslize inoportuno de tratar sua terceira gestão presidencial como oportunidade para se vingar do juiz que o condenou, Sérgio Moro, e do procurador que o acusou, Deltan Dallagnol. Este lembrou, oportunamente, que o primeiro não foi o único magistrado a apenar o chefão do Partido dos Trabalhadores (PT), mas teve a companhia de mais nove. E agora? A mancada não impedirá o vencedor de exercer o terceiro mandato, mas este perdeu a oportunosa ensancha de virar a página e manter no esquecimento as vantagens que recebeu da cúpula do Poder Judiciário para disputar o pleito.

Outra falta de oportunidade dessa fala foi a confissão de descrença no teto de gastos e, por extensão, na estabilidade fiscal. Nisso ele não difere do antecessor desastrado, mas, como este, jogou no tal do mercado uma bomba desnecessária e infeliz. Lula manterá seu posto no pódio dos ex-presidentes mais populares se conseguir cumprir a promessa de tornar possível aos brasileiros mais pobres fazerem três refeições ao dia. Chorou. Foi aplaudido. Sua frente amplíssima protagonizará um capítulo bom da história se conseguir os prodígios possíveis de dar emprego e título de propriedade senão a todos pelo menos à maioria, como lembrou o jurista Joaquim Falcão em entrevista no canal José Nêumanne Pinto no YouTube. Para tanto terá de usar os melhores gestores de quaisquer posições ideológicas na administração de uma economia debilitada pela educação fragilizada pela má gestão e pelo desperdício de recursos por uma máquina pública dispendiosa e ineficiente.

Para atingir tal meta, Sua Excelência terá de contar com um Congresso que entenda que orçamento não combina com secreto, um Judiciário mais judicioso e comandos militares infensos à lorota de que suas dragonas e canhões os credenciariam para assumirem o poder moderador. Que, aliás, em vez de moderar, assanha. A intromissão do Ministério da Defesa na Justiça Eleitoral é uma iniciativa kafkiana. A nota imprópria assinada pelo titular, general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira, se intrometendo na tarefa da Justiça Eleitoral para caçar no ovo das urnas eletrônicas o pêlo da fraude é de um ridículo atroz. Mas caiu no vazio, como era de esperar.

E muito menos era de esperar a nota de 31 linhas assinada pelos comandantes  da Marinha, almirante Almir Garnier Santos; do Exército, general Marco Antônio Freire Gomes, e da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Júnior. Claramente destinada a deter os ímpetos dos 11 ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), em especial entre eles o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, é de uma inutilidade limítrofe à tragédia institucional e à comédia de caserna. A defesa dos militantes que se apropriam da bandeira nacional para pedir ditadura, ou seja, liberdade para cassar a liberdade dos civis, tendo como base o dever militar de garantir o contrário, de acordo com a Constituição, recomenda a volta dos signatários ao grupo escolar.

Embora, na verdade, os membros dos tribunais superiores que se aproveitaram da anarquia reinante no desmantelamento do Estado e das instituições no quadriênio Bolsonaro também precisem ser lembrados de que não detêm o poder do paraguaio José Gaspar Rodríguez de Francia, retratado no genial romance de Augusto Roa Bastos, Eu o Supremo.

Ao prestar juramento ao pavilhão pátrio, cada alto magistrado deve, como Tite, Lula, deputados, senadores e comandantes de quaisquer tropas, limitar-se ao poder descrito na Constituição de 1988. O que não fizeram Ricardo Lewandowski, ao rasurar o artigo que impede a um servidor de exercer cargo público por oito anos após sofrer o impeachment, e Dias Toffoli, ao usurpar o dever do Ministério Público Federal para abrir inquéritos judiciais. Essa conclamação a cada qual na sua caixa, conforme prevê a lei maior, não estaria completa se não fosse lembrado, só por exatidão histórica, que ambos foram nomeados por Lula da Silva. O princípio de cada um no limite permitido pela ordem democrática vigente será a primeira garantia de que haverá o progresso, acrescentado à bandeira pelo lema positivista do autores do primeiro golpe dos fardados, o que extinguiu o império dos Bourbouns e criou esta República, que tenta mais uma vez, fugir da pecha do diminutivo republiqueta.

É útil adicionar que o conceito também vale para o ex, que ora antecipa seu lazer, irresponsavelmente. Jair Bolsonaro terá um papel histórico se também cuidar apenas do que deve: liderar a oposição à frente amplíssima, que passará a governar o Brasil, legitimamente. Sem urnas fraudadas nem baionetas em riste.

*José Nêumanne Pinto é jornalista, poeta, escritor e colunista de O Antagonista

  • Mais lidas
  • Mais comentadas
  • Últimas notícias
1

Justiça Eleitoral de Goiás torna Caiado inelegível por 8 anos

Visualizar notícia
2

Lançamento de “The Brutalist”: Tudo sobre o filme que promete virar um clássico

Visualizar notícia
3

Crusoé: Lula não confia em Alckmin?

Visualizar notícia
4

Sem liberação de emendas, deputados vão esvaziar pacote fiscal de Haddad

Visualizar notícia
5

Câmara amplia bomba fiscal e aprova refinanciamento da dívida dos Estados

Visualizar notícia
6

“A idolatria mórbida a Luigi Mangione”

Visualizar notícia
7

Crusoé: Fábrica da “droga da jihad” é encontrada na Síria

Visualizar notícia
8

Quase ninguém confia no pacote fiscal de Haddad, indica Quaest

Visualizar notícia
9

Os escolhidos do Planalto para aprovar o pacote fiscal

Visualizar notícia
10

Senador de Alagoas consegue boquinha para sogra na Câmara

Visualizar notícia
1

‘Queimadas do amor’: Toffoli é internado com inflamação no pulmão

Visualizar notícia
2

Sim, Dino assumiu a presidência

Visualizar notícia
3

O pedido de desculpas de Pablo Marçal a Tabata Amaral

Visualizar notícia
4

"Só falta ocuparem nossos gabinetes", diz senador sobre ministros do Supremo

Visualizar notícia
5

Explosões em dispositivos eletrônicos ferem mais de 2.500 no Líbano

Visualizar notícia
6

Datena a Marçal: “Eu não bato em covarde duas vezes”; haja testosterona

Visualizar notícia
7

Governo prepara anúncio de medidas para conter queimadas

Visualizar notícia
8

Crusoé: Missão da ONU conclui que Maduro adotou repressão "sem precedentes"

Visualizar notícia
9

Cadeirada de Datena representa ápice da baixaria nos debates em São Paulo

Visualizar notícia
10

Deputado apresenta PL Pablo Marçal, para conter agressões em debates

Visualizar notícia
1

Câmara aprova criação da ‘Estatal do Lira’

Visualizar notícia
2

Regulamentação da Reforma Tributária avança na CCJ do Senado

Visualizar notícia
3

Israel retira tropas de cidade no Líbano após cessar-fogo

Visualizar notícia
4

Caiado aproveita inelegibilidade para reforçar candidatura em 2026

Visualizar notícia
5

Mais da metade dos americanos estão esperançosos pela volta de Trump, diz pesquisa

Visualizar notícia
6

STF liga gerador de lero-lero sobre imunidade parlamentar

Visualizar notícia
7

Decisão contra Caiado é rigor seletivo?

Visualizar notícia
8

Crusoé: Evo Morales acusa governo boliviano de tentar envenena-lo

Visualizar notícia
9

Y2K: Comédia e inteligência artificial em um filme que promete surpreender

Visualizar notícia
10

Onélia: a quinta esposa de ministro de Lula em tribunais de contas

Visualizar notícia

Assine nossa newsletter

Inscreva-se e receba o conteúdo do O Antagonista em primeira mão!

Tags relacionadas

31 de março Alexandre de Moraes Jair Bolsonaro José Nêumanne Pinto Lula Lula no STF militares STF
< Notícia Anterior

Kherson sem água, pão e remédios

13.11.2022 00:00 4 minutos de leitura
Próxima notícia >

Defesa de Flordelis alega ‘nulidade’ e diz que recorrerá de condenação

13.11.2022 00:00 4 minutos de leitura
avatar

José Nêumanne Pinto

Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.

Comentários (0)

Torne-se um assinante para comentar

Notícias relacionadas

Por que o STF é quem decide se policiais de São Paulo usam câmeras?

Por que o STF é quem decide se policiais de São Paulo usam câmeras?

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Tiririca estava errado: pior do que está fica

Tiririca estava errado: pior do que está fica

Madeleine Lacsko Visualizar notícia
Alexandre Soares Silva para Crusoé: Entre tio Paulo e tio França

Alexandre Soares Silva para Crusoé: Entre tio Paulo e tio França

Visualizar notícia
Josias Teófilo para Crusoé: Morre o último dos grandes

Josias Teófilo para Crusoé: Morre o último dos grandes

Visualizar notícia
Icone casa

Seja nosso assinante

E tenha acesso exclusivo aos nossos conteúdos

Apoie o jornalismo independente. Assine O Antagonista e a Revista Crusoé.