Brincando de Suprema Corte
O governo de Jair Bolsonaro despertou no país, entre outros sentimentos, uma expectativa de consistência ideológica no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao prometer indicar um ministro “terrivelmente evangélico”, Bolsonaro animou os seus e aterrorizou a...
O governo de Jair Bolsonaro despertou no país, entre outros sentimentos, uma expectativa de consistência ideológica no Supremo Tribunal Federal (STF). Ao prometer indicar um ministro “terrivelmente evangélico”, Bolsonaro animou os seus e aterrorizou a esquerda nacional. A indicação de Kassio Nunes Marques quebrou um pouco da vibração, mas a posse de André Mendonça, após meses de suspense à espera da sabatina no Senado, instalou a perspectiva da batalha entre esquerda e direita na corte, que agora seria equilibrada, teoricamente, pela indicação de uma mulher negra progressista, a quintessência identitária.
As cobranças públicas, que chegaram à Índia, se espelham na Suprema Corte americana, onde a batalha entre conservadores e progressistas vigora escancarada desde pelo menos o Roe versus Wade, que liberou o aborto em território nacional em 1973. No ano passado, 50 anos depois, os juízes reverteram a decisão, empurrando para cada estado a responsabilidade por legislar sobre o assunto. Isso só foi possível porque Donald Trump nomeou três juízes em quatro anos, revertendo a maioria de progressista para conservadora. O único legado conservador da presidência de Trump está muito longe, contudo, da realidade do Supremo no Brasil.
Enquanto a militância política brinca de Suprema Corte, fantasiando com a pauta da representatividade, Lula se inclina a indicar mais um fiel escudeiro para o tribunal, e não se incomoda que ele seja evangélico. Mas o petista não é de esquerda? Para quem ainda não entendeu: Lula é de não ser preso, assim como Bolsonaro e todos os outros políticos brasileiros de alguma relevância. Essa já era a prioridade no Brasil há décadas, mas se tornou ainda mais urgente depois do julgamento do mensalão e da Operação Lava Jato. Não por acaso, a esquerda pragmática tem sacado o ministro aposentado Joaquim Barbosa (foto) nos debates sobre a sucessão no STF.
Barbosa é usado pelos esquerdistas como prova de que a cor da pele não garante uma boa conduta. É algo que soaria bem se o debate já não estivesse totalmente pervertido pelo racismo antirracista. O relator do processo do mensalão foi indicado por Lula sob a bandeira racial, e foi exatamente seu voluntarismo, em sintonia com o progressismo mais puro, que vitimou a cúpula petista. Por que Lula optaria por se expôr mais uma vez a esse risco? É muito mais seguro ir de Jorge Messias, atual advogado-geral da União, repetindo a indicação do oportuno Antonio Dias Toffoli.
Os votos de Cristiano Zanin já deixaram bem clara a situação. Ainda que sua conduta no STF cause algum desgaste com a base mais ideológica, o importante é que o ministro vai seguir a lei by the book — e a única exceção parece ter sido sua posição no julgamento do marco temporal, por uma questão conjuntural. Em outras palavras, Zanin não deve mandar ninguém para a cadeia. Aliás, hoje, na Corte Suprema, talvez apenas Luís Roberto Barroso ou Edson Fachin seriam capazes de fazer algo do tipo — antes que você questione, Alexandre de Moraes é um caso à parte, de autoproteção do tribunal.
Aos defensores da indicação de mulher negra progressista latino-americana e caribenha cabe, portanto, encontrar uma ministra nesses moldes, o que contentará a esquerda ingênua e bem-intencionada, mas que se encaixe também no rótulo de garantista, para garantir a tranquilidade necessária não apenas a Lula, mas a toda a fauna política brasileira.
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)