A miséria da violência num futebol de bilhões A miséria da violência num futebol de bilhões
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A miséria da violência num futebol de bilhões

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José Nêumanne Pinto
7 minutos de leitura 27.11.2022 12:28 comentários
Opinião

A miséria da violência num futebol de bilhões

O local onde se joga o torneio quadrienal de um dos negócios mais rentáveis do mundo é a primeira grande prova da falta de noção com que biliardários executivos de clubes, federações, confederações e, particularmente, da Fifa, sempre desafiam até mesmo a certeza do lucro farto e fácil. A única lógica da ocorrência é a que explica, mas não justifica. a ação estúpida dos perdulários: as quantias cobradas pelo espetáculo são tão fabulosas que seus beneficiários atuam como se tivessem certeza de que quanto mais desperdiçarem mais moedas soarão em suas bolsas...

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José Nêumanne Pinto
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A miséria da violência num futebol de bilhões
Foto: André Durão/MowaPress

O local onde se joga o torneio quadrienal de um dos negócios mais rentáveis do mundo é a primeira grande prova da falta de noção com que biliardários executivos de clubes, federações, confederações e, particularmente, da Fifa, sempre desafiam até mesmo a certeza do lucro farto e fácil. A única lógica da ocorrência é a que explica, mas não justifica. a ação estúpida dos perdulários: as quantias cobradas pelo espetáculo são tão fabulosas que seus beneficiários atuam como se tivessem certeza de que quanto mais desperdiçarem mais moedas soarão em suas bolsas.

Levar as melhores seleções nacionais do mundo para disputarem um campeonato de um turno só sob o calor escaldante do deserto seria um ritual de adoração do bezerro de ouro alterando o velho calendário romano. A agenda da disputa é absolutamente irracional, por permitir que um golpe de azar decida a saída antes do tempo de astros da arena. Casos do argentino Messi, aos 35 anos, muitas vezes escolhido o melhor do mundo, e do alemão Muslala, de 19, esperança de revelação, mas que agora tende a gorar. Isso assemelha-se a apostar numa roleta russa paralisada. E está para acontecer em Doha. Pode ser até considerado uma fatalidade, como a distensão de Pelé contra o México no Chile, em 1962, ou a contusão que acaba de impedir a participação do argelino Benzema, melhor jogador da temporada, pela França, campeã do mundo, pouco antes desta Copa.

O que mais revoltou na primeira rodada da Copa do calor à sombra é a continuação da violência impune contra os astros nunca preservados. Sem patriotada nem nada, foram os casos de Danilo e, principalmente, de  Neymar, no jogo do Brasil contra a Sérvia. O caso mais exemplar é do goleador do Paris Saint German, que torceu o tornozelo sob o joelho do adversário agressor, que sequer foi advertido. Após jogar 11 minutos no sacrifício, sem suportar as dores, Neymar Júnior foi substituído, como se isso fosse a coisa mais normal do mundo. O número 10 foi o jogador que mais foi agredido por adversários na primeira rodada da Copa sem que o árbitro iraniano Alirheza Faghani tomasse atitude alguma para proteger jogadores habilidosos da truculência de pernas de pau.

O árbitro, que também apitara a final da Opimpíada no Rio, na qual o Brasil saiu vitorioso, tem na Fifa a única oportunidade para brilhar nas transmissões de televisão do Ocidente, de vez que, apesar da vitória do Irã sobre Gales na rodada inicial, nos campeonatos de seu país não se joga algo próximo do melhor futebol jogado no planeta. O craque brasileiro, que não prima pela elegância com adversários, já sofreu entrada mais violenta do colombiano Zúniga neste país, cujo selecionado conquistou cinco títulos mundiais nos últimos 64 anos. Da mesma forma que nenhum torcedor sensato cobraria de Neymar Júnior cavalheirismo na forma de atuar, não há justificativa para que valentões impeçam não apenas as torcidas do Brasil e do time parisiense de usufruírem de sua genialidade como esportista, mas a do mundo todo.

A violência de 2014, que o atingira em Fortaleza, voltou na caça dele agora em Doha: o meia foi o jogador mais atingido por adversários na primeira rodada no Qatar. Não foi, não é, não será a única vítima a comprovar a evidência de que nem a indisponibilidade de astros de sua dimensão reduza a violência, mesmo sendo ela agora flagrada pela sofisticada, mas inútil, tecnologia do VAR. É útil lembrar que o joelho do adversário que atingiu sua vértebra no Castelão, em 2014, continuou fazendo vítimas em outros jogos. E o mesmo acontecerá com o atual carrasco, agora sérvio, da nacionalidade de Petkovic, estrela do time mais popular do Brasil, o Flamengo. Zico, o maior astro do rubro-negro da Gávea, foi atingido, em 1985, pela entrada criminosa do zagueiro do Bangu Márcio Nunes, que três anos depois sofreria o mesmo tipo de contusão. O que não alivia em nada a agressão que cometeu.

Essa violência impune nem sempre é cometida pelo pior contra o melhor. Um jogo histórico permitiu ver o contrário: o brilhante Benfica de Eusébio massacrou o gênio Pelé na Grã Bretanha no jogo contra nossa então amarelinha amarelada. O selecionado português, treinado pelo brasileiro Oto Glória, seria alijado do campeonato depois pelo English Team, que atuou em casa, em Copa conquistada no apito, como fora a da Argentina em casa,em 1978.  E a do Brasil no Chile, em 1962. A Fifa, como se sabe, nunca foi exemplo de lisura administrativa. O brasileiro José Maria Marin, que a presidiu, foi condenado e levado à prisão em Nova York. E os escândalos se sucedem sem, contudo, seus maiorais, ditos cartolas, serem sempre punidos, como deveriam. O charme do futebol e a popularidade nas massas atraem maus gestores públicos, que, contando com os votos das torcidas, buscam acesso aos cofres da Viúva.

A contaminação da corrupção simultânea em política e em futebol produziu uma figura emérita, o dirigente vascaíno Eurico Miranda. O fiasco da liga se reproduziu nas seguidas descidas para a segunda divisão do já chamado expresso da Vitória, que forneceu a base da seleção brasileira vice-campeã do mundo no Maracanã, em 1950. No ano que vem, o Vasco da Gama estará de volta ao que se chama de elite do futebol brasileiro, uma expressão que não tem nenhum significado moral ou de qualidade de gestão. Mas ainda terá de provar maior competência em gerência e jogo para reconquistar a honra de pioneiro na presença de negros envergando sua camiseta. Pelé é o maior símbolo da excelência de um futebolista negro, é torcedor do cruzmaltino, embora nunca tenha vesido o celebrado uniforme honrado por Ademir de Menezes.

O ícone mais vergonhoso desse conúbio malogrado entre gramado e cargo público é a foto do presidente Jair Bolsonaro, talvez inspirado no êxito de seu ídolo, Mussolini, em 1934, na Copa em que a Itália fascista foi sede e campeã, levantando a taça do Flamengo campeão da Libertadores da América na véspera de sua derrota inédita nas urnas numa reeleição lograda. O futebol milionário convive com a miséria da violência sem punição sem medo de ser campeão. Mas definitivamente tirar lasquinha de campeonato não seduz o cidadão torcedor. O general Médici freqüentava o Maracanã de radinho de pilha no ouvido, mas foi sepultado na fossa inglória dos inimigos da Pátria. E o deputado Wadih Helu não conseguiu na Assembleia Legislativa de São Paulo decretar o desuso da frase “faz-me rir” para definir seu Corinthians, submetido à humilhação de perder sempre para Palmeiras, Santos e São Paulo.

*Jornalista, poeta e escritor

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