A China está na moda? A máquina de repressão chinesa também
Dezenas de vítimas entrevistas e documentos do governo revelam que o autoritarismo prossegue firme e forte na China

Uma investigação conduzida pelo Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ) e seus parceiros de mídia revela a vasta e sofisticada campanha do governo chinês para silenciar críticos e dissidentes que vivem fora de suas fronteiras.
Entrevistas com mais de 100 vítimas em 23 países e a análise de documentos internos do governo expõem as táticas implacáveis usadas pela China, que abrangem vigilância digital, assédio financeiro e, principalmente, a coerção de familiares que ficam no país.
Essa estratégia, descrita por analistas como “repressão transnacional”, representa um braço estendido do controle do Partido Comunista Chinês (PCC), que, segundo Scilla Alecci e o ICIJ, tem intensificado suas ações sob a liderança de Xi Jinping.
A operação global tem como alvo uma gama diversificada de indivíduos, incluindo dissidentes políticos da China e Hong Kong, bem como membros das minorias étnicas Uigur e Tibetana. Eles são visados por abordar tópicos considerados tabus pelo PCC, como direitos humanos, independência de Taiwan e Hong Kong, e o movimento espiritual Falun Gong.
Apesar da negação oficial da China, que chama as alegações de “infundadas” e “fabricadas”, as evidências coletadas pelo ICIJ e seus parceiros, incluindo documentos policiais confidenciais e testemunhos de vítimas, contam uma história diferente.
Segundo Michael Kovrig, ex-diplomata canadense e especialista em política externa chinesa, a essência do Partido Comunista não mudou, apenas suas capacidades de repressão foram aprimoradas. Emile Dirks, pesquisador do Citizen Lab da Universidade de Toronto, acredita que “Xi está comprometido em aprofundar o controle do Partido Comunista sobre a China e a diáspora. Nenhuma oposição a esse objetivo, por menor ou mais fraca que seja, é tolerada”.
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O manual da repressão e suas táticas
A investigação do ICIJ, baseada em entrevistas com 105 vítimas e documentos internos, demonstra que as táticas empregadas pela China no exterior espelham diretrizes internas para controlar indivíduos considerados ameaças à segurança doméstica.
Um manual de segurança doméstica descreve o “trabalho de pesquisa no exterior” como uma “luta velada” de longo prazo e direcionada, visando identificar indivíduos e organizações que possam pôr em risco a estabilidade sociopolítica e a segurança nacional da China.
Documentos mais recentes, como uma apresentação de 2013 vazada de um escritório de segurança pública de Xinjiang, descrevem “estratégias e métodos para a educação, reabilitação e controle” de “indivíduos-chave”.
Uma tática particularmente cruel detalhada nos documentos e confirmada pelos testemunhos das vítimas é a “influência emocional do parentesco”. Isso envolve pressionar, interrogar e intimidar familiares que permanecem na China para coagir ativistas no exterior a cessarem suas atividades. Mais da metade das vítimas entrevistadas pelo ICIJ relataram assédio direcionado a seus parentes.
Outros métodos incluem o “cortar o oxigênio”, que busca reduzir a renda dos alvos e controlar suas contas bancárias. “Puxar a escada para fora de casa” refere-se à proibição de ativistas de retornar à China, com oficiais chegando a ameaçar que, se retornassem, nunca mais poderiam sair.
Vigilância online, hacking, campanhas de difamação, ameaças físicas e assaltos por apoiadores civis do PCC também são empregados. A investigação também observou o uso de empresas de segurança privadas, hackers profissionais e até mesmo a coação de vítimas para espionar seus pares.
Impacto nas vítimas e a indecisa resposta global
O custo dessa repressão transnacional para as vítimas é imenso. Muitos vivem com medo constante. Jiang Shengda, um artista e ativista nascido em Pequim que vive na França, por exemplo, sofreu hacking, vigilância e, repetidamente, pressão sobre seus pais na China, que eram forçados pela polícia a contatá-lo para fazê-lo parar.
Carmen Lau, uma ativista pró-democracia de Hong Kong, exilada no Reino Unido, teve um mandado de prisão emitido contra ela pelas autoridades de Hong Kong, sua conta bancária foi congelada, e seus tios foram interrogados pela polícia dias depois de ela participar de um protesto em Londres.
Nuria Zyden, uma Uigur que vive em Dublin, foi seguida na Europa e recebeu ligações de sua mãe, forçada por oficiais chineses a questionar suas atividades ativistas e a segurança da família.
Apesar de buscar refúgio em países democráticos, muitas vítimas sentem que não estão seguras. Uma grande maioria das vítimas entrevistadas pelo ICIJ não denunciou as ameaças patrocinadas pelo Estado às autoridades locais, temendo retaliação ou descrentes na capacidade das autoridades de ajudar.
Aqueles que denunciaram frequentemente encontraram falta de acompanhamento ou a alegação de que não havia evidências de crime. Segundo a investigação, as nações democráticas têm sido lentas em reconhecer a extensão e a complexidade da estratégia de repressão transnacional da China.
Autoridades de diversos países admitem dificuldades em investigar esses casos, muitas vezes devido ao uso de proxies ou por causa da localização dos perpetradores na China, fora de sua jurisdição.
Embora haja uma crescente conscientização e algumas iniciativas, como no Parlamento Europeu e na Suíça, especialistas como Jonas Parello-Plesner, ex-conselheiro sobre a China para o Ministério das Relações Exteriores da Dinamarca, sugerem que muitos países ainda estão diplomaticamente “dormindo” diante do desafio: “Há uma conscientização crescente em alguns setores sobre essa questão. Mas não acredito que haja uma ação totalmente coordenada que seja capaz de lidar com isso”.
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