Difamação no grupo de moradores pode acabar em multa
Houve um aumento de 38% nos relatos de conflitos entre condôminos em grupos digitais entre 2020 e 2024, segundo a AABIC
Com a crescente digitalização da vida cotidiana, a convivência condominial também passou a se estender para os grupos de mensagens como WhatsApp e Telegram.
O que antes era discutido em assembleias, corredores ou elevadores, agora muitas vezes ocorre por meio de mensagens instantâneas. No entanto, essa nova realidade trouxe à tona um problema cada vez mais comum: a difamação digital entre vizinhos.
A facilidade de comunicação, infelizmente, tem sido usada por alguns moradores para ofensas pessoais, acusações sem provas e até campanhas de desinformação contra síndicos, conselheiros ou vizinhos.
Em muitos casos, essas atitudes caracterizam crimes contra a honra como calúnia, injúria e difamação e podem gerar graves consequências judiciais.
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Crescimento dos conflitos digitais em condomínios
Segundo levantamento da Associação das Administradoras de Bens Imóveis e Condomínios de São Paulo (AABIC), houve um aumento de 38% nos relatos de conflitos entre condôminos em grupos digitais entre 2020 e 2024. A pandemia acelerou essa migração para o meio online, mas o problema persiste e se agrava, mesmo com a retomada das assembleias presenciais.
“O ambiente virtual não é terra sem lei. O morador que acusa outro injustamente, espalha boatos ou insinua irregularidades sem apresentar provas pode ser processado judicialmente por danos morais, além de responder por infração ao regulamento interno”, explica o Felipe Faustino, advogado especialista em direito condominial e sócio do escritório Faustino e Teles.
O que caracteriza a difamação digital?
Difamação é o ato de imputar a alguém fato ofensivo à sua reputação. Quando isso acontece por escrito como em mensagens de WhatsApp ela se torna ainda mais grave, por deixar rastros e poder alcançar um número maior de pessoas.
Se um morador, por exemplo, escreve no grupo do condomínio que “o síndico está desviando dinheiro”, sem qualquer comprovação, está cometendo crime de difamação, previsto no artigo 139 do Código Penal, passível de detenção de três meses a um ano, além de multa.
“Mesmo que a pessoa apague a mensagem posteriormente, ela pode ter sido printada ou encaminhada, o que torna a retratação ineficaz perante a Justiça”, alerta o advogado.
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O condomínio pode intervir?
Sim. Além das implicações cíveis e criminais, a conduta ofensiva pode ser enquadrada como infração à convenção ou ao regimento interno do condomínio. Dependendo da gravidade, o infrator pode ser advertido, multado ou até levado à assembleia para avaliação de medidas mais severas.
O síndico, como representante legal do condomínio, pode intervir e documentar as ofensas. “É fundamental que a administração tenha uma postura proativa. O silêncio diante de uma ofensa grave pode ser interpretado como omissão”, destaca Faustino.
Casos que viraram jurisprudência
Tribunais brasileiros já reconhecem a responsabilidade dos autores de mensagens difamatórias em ambientes digitais.
Em 2023, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais condenou uma moradora a pagar 8 mil mil por danos morais a um síndico que foi chamado de “incompetente e corrupto” em um grupo de WhatsApp.
A decisão considerou que a acusação sem prova extrapolava o direito de crítica e feria a honra do gestor.
Já no Distrito Federal, outro caso emblemático, em 2024, envolveu um morador que publicou vídeos e áudios difamatórios sobre uma vizinha, também em grupos de mensagens.
A Justiça determinou indenização de 12 mil reais, além de retratação pública.
Dicas para evitar conflitos e agir diante da difamação
- Evite acusações sem provas – Críticas devem ser feitas com responsabilidade e por canais adequados, como assembleias e reuniões formais.
- Registre o ocorrido – Se for alvo de ofensas, salve as mensagens, prints e nomes dos participantes.
- Comunique o síndico ou a administradora – O gestor pode intermediar a resolução ou aplicar penalidades previstas no regimento.
- Consulte um advogado – Em casos mais graves, a ação judicial pode ser o caminho para reparação e para evitar reincidência.
- Educação digital – Condomínios podem promover campanhas de conscientização sobre o uso ético das ferramentas de comunicação.
A liberdade de expressão não pode servir de escudo para ofensas, difamações e comportamentos tóxicos. Dentro de um condomínio, onde a convivência é diária, o respeito mútuo precisa ser a base de qualquer interação inclusive nos meios digitais.
“O grupo de WhatsApp do condomínio deve ser um instrumento de diálogo e organização, não uma arena de ataques pessoais”, reforça Faustino.
Por Rafael Bernardes, CEO do Síndicolab, e Felipe Faustino, advogado no escritório Faustino & Teles
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