Apartheid condominial: exclusão de moradores em áreas comuns
Estatuto da Criança e do Adolescente e Estatuto do Idoso asseguram direitos fundamentais à convivência comunitária e ao lazer
A vida em condomínio deveria ser sinônimo de convivência, compartilhamento e igualdade no uso dos espaços coletivos.
No entanto, em muitos empreendimentos, surgem práticas discriminatórias que restringem o acesso de determinados moradores às áreas comuns, criando o que especialistas já chamam de “apartheid condominial”.
Crianças proibidas de brincar em jardins, idosos impedidos de circular livremente e usuários de plataformas de aluguel por temporada, como Airbnb, tratados como cidadãos de segunda categoria: esses são exemplos de exclusão que desafiam os princípios de convivência.
O problema em números
Um levantamento do portal SíndicoNet (2024) mostrou que 26% dos condomínios brasileiros possuem algum tipo de restrição às crianças em áreas comuns, como proibição de brincar em halls, bicicletários ou piscinas fora de horários específicos.
Já em relação a idosos, a Defensoria Pública de São Paulo recebeu mais de 800 denúncias em 2023 de discriminação em prédios residenciais, muitas relacionadas a limitações arbitrárias de circulação ou uso de espaços.
No caso dos moradores temporários via Airbnb, uma pesquisa da Associação Brasileira de Locação por Temporada revelou que 41% dos usuários relataram já ter sofrido algum tipo de restrição ou tratamento diferenciado em condomínios.
O que diz a lei
O Código Civil (art. 1.335, I) é claro: todos os condôminos têm o direito de usar, conforme sua destinação, as partes comuns do edifício. Nenhuma norma condominial pode excluir moradores ou criar distinções arbitrárias entre proprietários, inquilinos ou usuários temporários.
Além disso, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e o Estatuto do Idoso asseguram direitos fundamentais à convivência comunitária e ao lazer. Restrições que impeçam crianças de brincar ou idosos de circular configuram discriminação passível de questionamento judicial.
Jurisprudência recente
A Justiça brasileira tem sido firme:
- O TJ-SP (2022) considerou abusiva a proibição de crianças em áreas de lazer, afirmando que a convenção condominial não pode suprimir direitos fundamentais.
- Em 2023, o TJ-RJ anulou regras internas que proibiam idosos de circular com acompanhantes em determinadas áreas, reconhecendo a medida como discriminatória.
- Quanto ao Airbnb, o STJ, em julgamento de 2021, reconheceu que o condomínio pode regular o uso da locação por temporada, mas não pode discriminar moradores ou visitantes, sob pena de violar o direito de propriedade.
Segundo o advogado Felipe Faustino, especialista em direito condominial, “o condomínio não pode ser espaço de segregação. Toda limitação deve ser razoável, proporcional e fundamentada em questões de segurança ou bem-estar coletivo, nunca em preconceito ou discriminação. Restrições que criam exclusão arbitrária são passíveis de nulidade e podem gerar responsabilidade civil.”
Como combater o apartheid condominial
- Exigir transparência: assembleias devem fundamentar qualquer restrição com base em normas legais e não em preconceito;
- Acionar a Defensoria Pública ou o Ministério Público em casos de discriminação contra crianças ou idosos;
- Fiscalizar normas internas e impugnar cláusulas abusivas em assembleia ou judicialmente;
- Promover campanhas de convivência, reforçando o caráter coletivo dos espaços.
O chamado “apartheid condominial” reflete um desequilíbrio perigoso entre o direito de convivência e regras internas muitas vezes abusivas. A exclusão de crianças, idosos ou moradores de locação por temporada não só é ilegal, como mina a função social da moradia e aumenta o risco de judicialização.
“O condomínio é uma comunidade e deve ser regido por princípios de igualdade. Qualquer tentativa de segregar moradores, seja por idade, condição ou forma de ocupação, representa um retrocesso jurídico e social”, conclui Felipe Faustino.
Por Rafael Bernardes, CEO do Síndicolab, e Felipe Faustino, advogado no escritório Faustino & Teles
Os comentários não representam a opinião do site; a responsabilidade pelo conteúdo postado é do autor da mensagem.
Comentários (0)