“A classe média brasileira ainda vive à beira da pobreza”, diz economista
Pedro Fernando Nery analisa os desafios estruturais e a fragilidade da mobilidade social no Brasil
Em entrevista a O Antagonista, o doutor em economia Pedro Fernando Nery, consultor legislativo do Senado Federal e autor do livro Extremos: um mapa para entender as desigualdades no Brasil, comentou as recentes tendências da classe média brasileira.
Nery abordou questões como o impacto de critérios de renda, as comparações internacionais e as vulnerabilidades que ameaçam os avanços socioeconômicos do país. Abaixo, a íntegra da entrevista:
1. Como o senhor avalia a expansão da classe média no Brasil com base no critério de renda de R$ 3.400, em comparação com os padrões internacionais?
É um dado que evidencia que houve melhora no mercado de trabalho, e que o bom momento da economia não se resume ao impacto das transferências de renda. Mas, de fato, é preciso algum ceticismo na interpretação. A renda do Brasil ainda é bastante baixa na comparação internacional, mesmo considerando as diferenças de custo de vida. A renda com que alguém é considerado classe média no Brasil fica abaixo da linha da pobreza em lugares como os Estados Unidos e a Europa.
2. A renda média da classe C no Brasil garante mobilidade social ou reforça a permanência das famílias em uma condição econômica vulnerável?
Por trás da boa notícia há o desafio de que estes ganhos sejam permanentes. Muitas famílias estão a um choque de cair na pobreza: uma demissão, uma doença, um desastre natural, até uma gravidez. É importante que haja proteção a essa renda, principalmente em famílias com crianças, onde a vulnerabilidade e o seu impacto são maiores.
3. O dado do DIEESE, que aponta um salário mínimo necessário de R$ 6.912,69 em abril de 2024, reforça a fragilidade do poder de compra da classe média brasileira?
Sim. O salário mínimo do DIEESE é uma aspiração que evidencia o hiato que existe entre a renda da população e o padrão de vida de outros países, por exemplo.
4. O recente aumento da representatividade da classe média no Brasil reflete avanços concretos ou é apenas um efeito temporário de políticas de transferência de renda?
Ainda é cedo para avaliar. Só agora estamos recuperando números de antes da crise de 2015 e 2016. Queremos que sejam permanentes e que se aprofundem, mas há uma indefinição grande na questão fiscal. O Ministro da Fazenda já vocalizou propostas para garantir a sustentabilidade da dívida e a queda dos juros, mas não tem conseguido que essas medidas sejam defendidas dentro do governo e fora dele. Sem dúvida, os juros altos trazidos pela questão da dívida ameaçam esses ganhos. Não há consenso sobre como nem quando, mas há um medo generalizado entre os analistas de que essa onda chegue em algum momento.
5. Em seu livro Extremos, o senhor destaca desigualdades estruturais. A expansão da classe média é suficiente para reduzir essas desigualdades no longo prazo?
Não são. Infelizmente existem muitos níveis de desigualdade no Brasil. A própria extrema pobreza, que está na mínima histórica, ainda é de 4,4%. São quase 10 milhões de pessoas vivendo com menos que 200 e poucos reais por mês. O avanço da classe média é celebrado em qualquer país, mas sabemos que algumas pessoas ficam para trás e precisam de um foco especial.
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